O pediatra Luís Januário, em comunicação proferida
num Congresso da especialidade a acontecer no Porto, chamou a atenção para a
importância do brincar e do brincar em espaços abertos que permitam à criança
aprender a conhecer riscos e a lidar com eles, o que é um excelente contributo
para o seu desenvolvimento e autonomia. O Dr. Luís Januário referiu-se ao que
designou por “cultura de segurança fóbica” e a “organização estereotipada dos
espaços” destinados a crianças.
Fiquei satisfeito com a divulgação desta
perspectiva pois abordo frequentemente esta
questão com pais, técnicos e também aqui no Atenta Inquietude.
Sendo certo que temos de estar atentos aos riscos,
continuamos a ser um país com elevado número de acidentes com crianças, como
também neste Congresso foi referido, bem
como considerar mudanças nos estilos de vida das famílias, nos valores e nos
equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos, a verdade e que o brincar na
rua começa a ser raro.
Embora consciente, repito, das questões como
risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível
“devolver” os miúdos ao circular e brincar na rua, talvez com a colaboração de
velhos que estão sozinhos as comunidades e as famílias conseguissem alguns
tempos e formas de ter as crianças por algum tempo fora das paredes de uma
casa, escola, centro comercial, automóvel, ecrã ou dos “espaços estereotipados”
de que fala Luís Januário.
No imperdível “O MUNDO, o mundo é a rua da tua
infância”, Juan José Millás recorda-nos como a rua, a nossa rua foi o princípio
do nosso mundo e nos marca. Quantas histórias e experiências muitos de nós
carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas
diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.
Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o
eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a
capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros.
A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os
limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e
promoção dessa autonomia.
Curiosamente, se olharmos às nossas condições
climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo
dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na
qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.
Talvez, devagarinho e com os riscos controlados,
valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não
todos os dias.
Eles iriam gostar e far-lhes-ia bem.
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