Estou a escrever sem ter qualquer dado sobre o
nível de adesão às manifestações de hoje que têm a particularidade de usar as
pontes, 25 de Abril em Lisboa e do Infante no Porto. No entanto e como sempre,
um dos aspectos invariavelmente envolvidos na realização de manifestações ou
greves, independentemente da sua natureza, comemorativa ou de protesto e
reivindicativa, é a contabilidade em torno dos níveis de participação e o seu
significado.
Os trabalhos jornalísticos de cobertura mostram
exactamente essas dificuldades não sendo raro o recurso a
"especialistas" para em encontrar metodologias diversificadas que
possam, de forma fiável, avaliar o número de pessoas que participaram neste
tipo de iniciativas.
Do meu ponto de vista e tal como se verifica em
muitíssimas áreas em que, supostamente, os números seriam como o “algodão, não
mentem”, não haverá forma de proporcionar informação objectiva, não porque seja
impossível obtê-la, mas porque as fontes da informação e a tentação de
manipulação proporcionarão leituras sempre diferentes.
Quero dizer com esta introdução que ainda que a
partir de um mesmo número, para uns o copo estará meio cheio e para outros
estará meio vazio, consoante as fontes de informação e os interesses em jogo.
Lembrar-se-ão alguns de uma manifestação de
trabalhadores da administração pública em 6 de Novembro de 2010, em que a
organização estimou em 100 000 o número de participantes e um especialista
americano que se encontrava em Lisboa avaliou a participação entre 8 000 e 10
000. Na altura lembro-me de ter escrito que não tendo estado presente e não
tendo outras fontes de informação validada, só podia depreender que uma das
avaliações estaria "ligeiramente" enganada.
A mesma questão se coloca com os níveis de adesão
a greves quer no âmbito da administração pública quer no âmbito privado. As estruturas
representantes da administração e dos empregadores afirmam habitualmente que a
iniciativa não teve a adesão referida e ou esperada, pelo que fica evidente a
aceitação ou, pelo menos, a compreensão das políticas seguidas e a bondade dos
seus pontos de vista, etc. Aliás, como se sabe, o Governo decidiu há tempos não
revelar o número de pessoas envolvidas em greves o que é, obviamente,
significativo.
Por outro lado, as estruturas representativas dos
trabalhadores ou outros organizadores informam-nos que a adesão correspondeu às
expectativas, que os trabalhadores, os cidadãos, mostraram o seu
descontentamento, que o movimento sindical e a condenação das políticas
obtiveram mais uma retumbante vitória, etc.
A questão é que esta discrepâncias, do meu ponto
de vista, acabam por desvalorizar os efeitos das próprias iniciativas, pois, é
reconhecido, muitos estudos têm vindo a demonstrá-lo, os níveis de cultura
política, participação cívica, precariedade laboral, custos económicos, etc.,
levam a que exista sempre uma percentagem muito significativa de pessoas que
embora estando de acordo com a justificação das acções não participam nelas. Há
circunstâncias em que quando todos afirmam que ganham, todos estão a perder.
Para já estamos a perder o presente, as
dificuldades que estão na origem do descontentamento das pessoas, das que
aderem às manifestações de protesto e de muitas que não aderem, são graves e
sérias. E o risco de perdermos o futuro é também uma ameaça, os tempos estão
difíceis e a desesperança é muita. Creio que nesta altura a maioria de nós,
presente ou não na manifestação, achará que o copo está meio vazio. Vão muito
difíceis os tempos.
Assim, mais do que a contabilidade relativa às
manifestações de hoje, importa sublinhar a expressão clara de um protesto pela
persistência insensível e insensata num conjunto de políticas que nos
empobrecem, produzem desemprego e exclusão.
Haverá manifestação que chegue para travar este caminho?
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