Nas lojas da Tesco, a segunda maior cadeia de
supermercados do mundo, metade do pão, 40% das maçãs, 68% dos pacotes de salada
pronta a consumir, um quarto das uvas e uma em cada dez bananas são deitadas
fora, isso mesmo, vão para o lixo, sendo que cerca de 35% do desperdício ocorre
nas famílias com custos brutais.
A Organização para a Alimentação e a Agricultura,
da ONU, estima que 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos, um terço do que é
produzido, são desperdiçadas com um custo de anual de 570 mil milhões de
euros para a economia global, o suficiente para alimentar 925 milhões de pessoas. Vivemos num mundo estranho.
Recordo que no Ciclo de Conferências realizado
pela Gulbenkian, foi apresentado um trabalho “Do Campo ao Garfo – Desperdício
Alimentar em Portugal" que avaliava em um milhão de toneladas o desperdício
de alimentos entre a produção e o consumo, o que parece verdadeiramente
significativo num tempo de pobreza e dificuldades, nacionais e internacionais.
Creio que muitas vezes achamos que
desperdício é coisa de gente rica, os pobres não desperdiçam o que, obviamente,
não corresponde à realidade como os estudos evidenciam.
O desperdício é um subproduto dos modelos de
desenvolvimento e dos sistemas de valores que deveria merecer uma fortíssima
atenção.
Há algum tempo, o Parlamento Europeu aprovou um
relatório segundo o qual a União Europeia que tem 79 milhões de pessoas a viver
abaixo do limiar de pobreza, 15,8% da população, e desperdiça anualmente cerca
de metade do que consome em alimentos. Este desperdício corresponde a 89 mil
milhões de toneladas, um assombro. Aliás, o Parlamento Europeu estabeleceu como
objectivo reduzir em 50% o desperdício até 2025.
Relembro que 2010 foi o Ano Europeu de Combate à
Pobreza e Exclusão e o resultado está à vista, 79 milhões de pobres, perto de 3 milhões em Portugal. Parece-me também oportuno recordar que recentemente
também a Comissão Europeia publicou um relatório mostrando como as medidas de
austeridade em Portugal estão a agravar as assimetrias sociais.
Quando tanto se fala de produtividade, em nome da
qual, se ameaça a dignidade das pessoas e se lhes piora as condições de vida
talvez fosse altura de também nos centrarmos no desperdício e nos seus efeitos
devastadores.
Neste quadro releva a necessidade urgente de
ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, combater
desperdícios consequência desses modelos, diminuir efectivamente o fosso
intolerável entre os mais ricos e mas pobres, caminhar no sentido da construção
de uma dimensão ética que seja reguladora da atribuição de privilégios
incompreensíveis e obscenos para poucos e tolerância face a situações de
exclusão extrema para bastantes outros.
Estes são uma peça importante e um contributo,
também próximo de nós, para a inadiável necessidade de repensar os modelos de
desenvolvimento e a cultura em matéria de produção e consumo de produtos
alimentares.
Provavelmente, escrever sobre estas questões em
espaços desta natureza tem alcance zero, mas continuo convencido que é
fundamental não deixar cair a preocupação, talvez seja melhor chamar-lhe a
indignação, com a pobreza e exclusão para as quais os níveis inaceitáveis de
desperdício dão um forte contributo.
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