Segundo dados da Comissão Nacional de Protecção de Crianças
e Jovens, a sinalização de casos de maus tratos a menores regista um aumento
significativo no primeiro semestre deste ano, verificando-se um aumento nos
casos detectados nos serviços de pediatria dos hospitais.
O Presidente da Comissão, o Juiz Armando Leandro, refere que
esta "sinalização" é "algo de muito positivo", revelador de
uma "consciência pública mais aprofundada" embora tenhamos que ser
mais eficazes.
Também me parece meu caro amigo Armando Leandro, como todos
sabemos, precisamos de ir bem mais longe nesta matéria.
Em muitas circunstâncias relatadas de maus-tratos e negligência
encontramos com demasiada frequência que essas crianças estavam
"sinalizadas", "referenciadas" mas ... os episódios
aconteceram.
De há muito e a propósito de várias questões, que
afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e
protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre
assente no incontornável “supremo interesse da criança, não existe o que me
parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens.
Poderíamos citar a insuficiência e falta de formação de juízes que se verifica
nos Tribunais de Família, as frequentemente incompreensíveis decisões ou
demoras em casos de regulação do poder parental, etc.
Temos também em funcionamento as Comissões de
Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz mas em
difíceis circunstâncias, para além da falta de agilidade processual na
articulação das múltiplas entidades envolvidas como também é frequente entre
nós e terá acontecido nestas duas situações dramáticas.
É verdade que existem situações que se
desenvolvem, por vezes, de forma extremamente rápida e imprevisível, em ambos
os casos parece existir nas mães alguma perturbação do foro da saúde mental o
que torna tudo ainda mais difícil, mas também exige maior celeridade e atenção.
No entanto, boa parte das Comissões têm
responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que
transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das
Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial.
Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho
desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as
integram. O Ministro Nuno Crato anunciou há tempos o reforço das Comissões com
professores excedentários, vamos ver se tal acontece ou é apenas mais uma
promessa em modo Crato, isto é, não é para cumprir.
Este cenário permite que ocorram situações,
frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que,
sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o
apoio e os procedimentos necessários. Ouve-se então uma das expressões que me
deixam mais incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que
foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e
referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou
resolver os problemas referenciados ou sinalizados.
Por isso, sendo importante registar a menor
tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será importância
que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas e surgimento de
tragédias como a de Alenquer em que uma mãe tirou a vida a duas crianças que
estavam "sinalizadas" e de que hoje se conheceu a sentença judicial.
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