Vai aumentar exponencialmente, cerca de 3000%, o
número de turmas para o ensino vocacional, uma espécie de "alunão",
um recipiente para onde se enviam a partir dos 13 anos os alunos que não
prestam e devem ser reciclados, tal como existem o vidrão, o pilhão ou o papelão
para reciclar este tipo de materiais.
Não é estranho, dada a orientação
do MEC de ir aliviando o "ensino regular" dos alunos "preguiçosos
e burros" que só atrapalham. Na verdade, é mais interessante criar turmas
de "descamisados" do que estruturar apoios e recursos que os
mantenham, tanto quanto possível, no ensino "regular". Esta ideia é
vendida sob o princípio ajustado e que deve ser considerado de diferenciar e
diversificar os percursos educativos mas contem o pecado original de se
destinar privilegiadamente e "obrigatoriamente" aos chumbados como
todos sabemos que na prática acontecerá.
Estas turmas que funcionavam o
ano passado em "projecto-piloto" serão generalizadas, ainda que seja
impossível proceder a qualquer avaliação consistente por mais que Ramiro
Marques se esforce por vender o "produto".
Os alunos do ensino vocacional
vão poder assim fazer o 3º ciclo de forma curiosa, diz Ramiro Marques, "Um
aluno que já repetiu por duas vezes o 8.º ano terá, assim, a possibilidade de
completar num ano o 3.º ciclo em vez de estar a repetir de novo os mesmos anos".
Porque o currículo é "aligeirado" à excepção das áreas de Português,
Matemática e Inglês, justamente, as disciplinas que mais insucesso provocam, não
se percebe muito bem como tal modelo pode ser bem sucedido em um ano. Acontece ainda
que estes alunos poderão transitar para o secundário sem realizar os exames
nacionais do 9º, o fetiche de Nuno Crato, e Ramiro Marques já anuncia a
intenção de que possam aceder ao superior politécnico sem os exames nacionais
do secundário.
É extraordinária a cambalhota,
depois de defender até à náusea os exames como base do rigor, qualidade,
sucesso e excelência, o MEC cria um percurso educativo para alunos de segunda
que os leva do básico ao superior sem os incontornáveis exames nacionais.
Confesso que não tenho esperança de
que esta gente alguma vez consiga entender o que na verdade está em jogo. De novo
alguma notas.
Relatórios da OCDE e da UNESCO
têm sustentado que a colocação dos alunos com piores resultados escolares em
ensino de carácter técnico e vocacional, em vez da aposta nas aquisições
escolares fundamentais, aumenta a desigualdade social.
Quero deixar claro, tenho-o escrito e afirmado,
que é importante diversificar a oferta formativa, a diferenciação de percursos,
de forma a conseguir um objectivo absolutamente central e imprescindível, todos
os alunos devem atingir alguma forma de qualificação, única forma de combater a
exclusão.
A questão que considero fortemente discutível num
plano técnico e ético é a introdução desta diferenciação tão cedo e
“obrigatória” para os que chumbam. Poucos sistemas educativos assumem este
entendimento e o facto de o ensino alemão, a inspiração de Crato e
colaboradores, o admitir não é nenhuma chancela de correcção do modelo como
atestam as apreciações internacionais.
Os alunos com insucesso, estamos a falar,
presumo, de gente com capacidades "normais" irão “obrigatoriamente
para” o ensino vocacional. Sabe-se que o insucesso escolar é mais prevalente em
famílias mais desfavorecidas embora também conheçamos as excepções, muitas.
Assim, mantemos a velha ordem, os mais pobres "destinados"
preferencialmente para o trabalho manual, os mais favorecidos preferencialmente
para o trabalho intelectual como a UNESCO reconhece.
Por outro lado, alunos de 12 ou 13 anos, não
"optam" pelo seu percurso, como sabem se forem sérios. Aliás, nem a
lei nem a sua maturidade lhe permitem "optar", o aluno não é o seu
encarregado de educação, por alguma razão isto acontece. Claro que a escola
poderá sempre "optar" por ele, canalizando os que "atrapalham"
os bons alunos para o ensino vocacional.
O MEC afirmou em tempos que os pais devem
autorizar ou eles próprios optar, demagogia manhosa mais uma vez. Quem conhece
as nossas escolas sabe bem da margem de negociação e do nível de envolvimento
dos pais dos alunos candidatos a esta via, os de insucesso, e que esta
"autorização" é uma questão burocrática.
Afirma-se ainda que o aluno pode retornar ao
ensino "regular" fazendo os exames nacionais de ciclo. Qualquer
pessoa que conheça o mundo da educação, sabe que a probabilidade de um aluno
que tenha frequentado uma via mais "prática" durante o 3º ciclo mesmo
que tendo o mesmo currículo a Português, Matemática e Inglês, apresentar-se a
exame nacional do 9º ou do 12º e ser bem sucedido é residual, mais uma vez
haverá excepções, mas serão isso mesmo. Sejamos sérios, a esmagadora maioria
destes miúdos não voltará ao percurso normal sendo "empurrados" aos
13 anos para a via vocacional.
Não me surpreende que esta decisão do MEC suscite
a adesão de alguns, professores ou pais. Uns verão as suas salas de aulas,
outros verão os seus filhos mais afastados dessa gente fracassada que só serve
para trabalhos manuais "práticos", "vocacionais". É claro
que se a medida tocar aos seus filhos a questão é outra, aí exigirão apoios ou
procuram-nos fora da escola para tentar outro percurso.
A diferenciação dos percursos, necessária e
imprescindível reafirmo, deve surgir mais tarde, como se verifica na maioria
dos sistemas educativos que se preocupam com os miúdos, com todos os miúdos.
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