Ao que parece o Governo vai mesmo avançar com a
proposta de redução permanente em cerca de 10% das reformas e pensões dos
funcionários públicos que continuam a ser alvos privilegiados do corte nos
rendimentos, aqui com a cobertura da aproximação ao regime privado. Esta redução
será para aplicar às pensões e reformas já existentes, aplicar-se-á retroactivamente e poupará reformas mais
baixas.
A condição de reformado, a idade de passagem à
reforma e os rendimentos dos reformados entraram na agenda por variadíssimas
razões, desde a sustentabilidade dos sistemas de segurança social, à demagogia
insensata e insensível do Primeiro-ministro sobre a relação entre descontos e
reformas, a mais antiga e disparatada referência de Cavaco Silva ao seu
insuficiente rendimento de reformado, que, aliás, o fez, tal como à Presidente
da Assembleia da República, inaceitavelmente, preferir o rendimento das suas
reformas ao miserável vencimento de Presidente.
Creio que se justifica retomar algumas notas sobre
o universo dos pensionistas e reformados onde, de forma coerente com o que é
habitual entre nós as assimetrias são gritantes e que na verdade importa combater.
Sabemos todos da existência de um reduzido número de
pessoas com pensões ou reformas milionárias e de como algumas dessas figuras
acumulam despudoradamente vencimentos e reformas ou pensões, mas a grande maioria
das pessoas reformadas ou pensionistas está longe desses patamares de rendimento e
condições de vida. Aliás, como exemplo de situações dificilmente aceitáveis, recordo notícias de há dois dias envolvendo administradores da banca no activo, sublinho no activo, e que
recebem pensões de reforma da CGD.
Há uns meses foi divulgado um relatório de uma
agência europeia mostrando que os preguiçosos portugueses são os que mais
trabalham depois dos 65 anos em toda a União Europeia. Tal situação decorre do
desejo de se manterem activos, contrariando a tese da preguiça, mas, sobretudo,
pela insuficiência da maioria das reformas, perda de rendimentos provocada pela
política em curso, ou seja, continuam a lutar pela sobrevivência. Estava a
escrever isto e a lembrar-me do Velho Zé Marrafa lá do Meu Alentejo que começou
aos nove anos a guardar porcos, já está reformado, mas precisa de continuar na
lida seis dias por semana e vai nos 73 anos.
Recordo que em 2009, segundo dados da Segurança
Social, existiriam em Portugal cerca de 1,8 milhões de pobres, hoje estão bem
acima dos dois milhões, ou seja, com rendimento inferior a 360 €, o limiar de
pobreza, e, curiosamente, o mesmo número de pensionistas. Relativamente a
estes, o valor médio das pensões era de 385 € e só Lisboa e Setúbal
apresentavam valores médios acima do salário mínimo nacional, 450 €, em 2009. A
assimetria era fortemente evidenciada pelo facto de a pensão média mais a
baixa, a de Bragança, ser de 272 € e a mais alta, a de Lisboa, ser de 504 €. Só
quatro concelhos, Lisboa, Setúbal, Porto e Aveiro apresentam valores médios das
pensões acima do limiar de pobreza.
A situação actual ter-se-á obviamente agravado
para muitos milhares de pessoas sendo que aqueles que não viram as pensões ou
reformas alteradas as têm com valores baixíssimos e insuficientes para os
retirar da situação de pobreza. Trata-se, ao que parece, do início da
refundação do estado social.
Provavelmente apelando à responsabilidade social
dos reformados, não tardará um apelo a um movimento de voluntariado no sentido
de continuarem a trabalhar, mas com o actual salário substituído pela reforma,
bem mais baixa, é claro.
As comunidades, de uma forma geral, não estão
preparadas com equipamentos para seniores e os melhores são inacessíveis
proliferando a oferta clandestina com situações degradantes que vão sendo
conhecidas com regularidade. O equipamento social mais utilizado por muitos
seniores é a sala de espera dos Centros de Saúde onde também se consome grande
parte dos seus rendimentos.
Lamentavelmente, boa parte dos velhos, sofreu
para chegar a velho e sofre a velhice.
Não é um fim bonito para nenhuma narrativa.
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