No DN de hoje refere-se um estudo realizado pela Universidade do Minho cujos resultados apontam no sentido de que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa, mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.
A conclusão não questiona a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção como forma de minimizar estes riscos e facilitar os importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos.
Apesar de alguma evolução, ainda temos um número de crianças institucionalizadas, muitas das quais sem projectos de vida viáveis pese o empenho dos técnicos. Neste universo, acresce a dificuldade enorme de algumas crianças em ser adoptadas devido a situações como doença, deficiência, existência de irmãos ou uma idade já elevada. Assim, muitas crianças estarão mesmo condenadas a não ter uma família.
Como é óbvio, um processo de adopção é algo cuja qualidade não pode em momento algum ser hipotecada e o Plano Nacional de Adopção zela por isso no sentido de evitar, por exemplo, processos de "devolução" de crianças em processo de adopção, situação altamente penalizadora para todos os envolvidos e que não é tão rara como desejaríamos. No entanto, parece claro que o processo carece de agilização de modo a que os candidatos à adopção não desistam assustados com a morosidade que ainda se verifica.
Como repararão os mais atentos, sempre que aqui me refiro a este tipo de questões, julgo justificado umas notas sobre os contextos familiares das crianças.
Por estranho que possa parecer, existe uma outra realidade, menos perceptível em termos globais, mas conhecida por aqueles que lidam de mais perto com as crianças e que remete para a quantidade enorme de situações de crianças abandonadas e rejeitadas dentro das famílias, algumas destas famílias até com um funcionamento aparentemente normal.
Pode parecer surpreendente esta abordagem, mas muitas crianças vivem em famílias, diferentes tipos de família, que, por variadíssimas razões, as não desejam, as não amam, apenas as toleram, cuidam, pior ou melhor, sobretudo nos aspectos "logísticos". Em alguns casos, são mesmo crianças a que "não falta nada", dizem-nos. Na verdade falta-lhes o essencial, o abrigo de uma família ou, numa expressão bonita do Professor Emílio Salgueiro, o "encantamento fundador" que uma família pode proporcionar.
Quando penso nestas situações lembro-me sempre de uma expressão que ouvi já há algum tempo a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido o privilégio de manter com ele.
Dizia Laborinho Lúcio que "só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”. Na verdade, muitas crianças não chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas.
Existem mais crianças a viver narrativas desta natureza, abandonadas e ou rejeitadas dentro da família, do que se pode imaginar.
2 comentários:
Mantenho contacto bastante próximo com 3 irmãos adoptados por um casal amigo e, de facto, as mazelas que ficam após as várias rejeiçõe que sofreram são imensas. Actualmente com 5, 7 e 9 anos estes três irmãos foram já várias vezes rejeitados quer pela família biológica, quer por várias familias de acolhimento.
É bastante visivel o medo do abandono, a falta de auto-estima e auto-confiança e os primeiros laços afectivos foram muito dificeis de estabelecer. Os únicos "castigos" que conhecem dizem respeito à comida, ou seja, é indiferente não ter televisão, internet (que nem sabiam bem o que era), brinquedos ou jogos, mas quando a "ameaça" é referente à comida (p.e: quem se portar bem come sobremesa) os olhos deles enchem-se rapidamente de lágrimas e o choro é profundamente de mágoa. Agora mais estáveis e saudáveis estes 3 felizardos são crianças felizes e integradas ...Era bom que assim fosse com todas elas, independentemente das dificuldades qimensas ue encaram estes pais.
Vanessa Florindo
Felizmente, muitos miúdos têm uma surpreendente capacidade de resistência aos tratos (maus) que a vida lhes dá. No entanto, era melhor que não os conhecessem.
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