No período de dedicado ao
espírito natalício em que as prioridades se reajustam surgiu uma notícia
curiosa no DN que não referi na altura mas qu agora retomo.
O Governo Autónomo de Valência,
Espanha, estabeleceu uma Lei de Direitos e Garantias para Crianças e
Adolescente que estabelece como orientação que os alunos entre os seis e os 16
anos devem realizar a maioria das actividades de aprendizagem durante o horário
escolar. A lei que não é obrigatória pretende que sejam minimizados o recurso
aos chamados “trabalhos de casa”.
Entende que crianças e
adolescentes são "cidadãos de pleno direito" e estabelece que o brincar
e as diferentes actividades de jogo devem fazer parte do seu quotidiano como
dimensão essencial da sua no seu desenvolvimento, bem-estar e socialização.
Embora esta lei tenha um sentido
de orientação e não de obrigação não simpatizo com legislação sobre esta
questão, os trabalhos de casa, como, aliás existe noutros países. No entanto,
como tantas vezes tenho escrito é uma questão que vale a pena reflectir até por
outras razões não referidas na introdução em cima decorrente da Lei aprovada na
comunidade autónoma de Valência.
Talvez fruto do clima de
fortíssima crispação que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as
ideias também tendem a ser crispados, com opiniões definitivas e sem margem de
entendimento. Também assim tende a acontecer quando se discute a questão dos
TPC, ser contra ou ser a favor. Mais uma vez e sem qualquer visão
fundamentalista fica um contributo para uma discussão e mudanças que me parecem
necessárias, aliás, umas não vão sem a outra.
Segundo a OCDE num trabalho
"Does homework perpetuate inequities in education?" produzido com
base em dados recolhidos no âmbito do PISA nos anos de 2003 e 2012 os alunos
portugueses de 15 anos, dados de 2012, gastam em média 4h semanais na realização
de trabalhos de casa, menos uma hora que em 2003 e menos uma hora que a média
dos 38 casos estudados pela OCDE.
Do meu ponto de vista, os dados
mais relevantes deste relatório remetiam para o facto de que os alunos com
famílias de meios sociais e económicos mais favorecidos gastarem mais 2 horas
em trabalhos de casa que os seus colegas com famílias de estatuto mais baixo o
que, sublinha a OCDE, poderá alimentar a falta de equidade.
Neste contexto, parece-me
pertinente recordar que o nível de escolaridade dos pais, em Portugal conforme todos
os estudos conhecidos é um fortíssimo preditor do sucesso escolar dos filhos.
Estes dados sustentam o
entendimento de que os trabalhos de casa correm o sério risco de alimentar
desigualdade de oportunidades e obriga-nos a reflectir sobre a sua utilização.
Parece-me também importante o
facto de que no nosso sistema educativo os alunos do 1º, 2º e 3º ciclo podem
passar 8 ou 10 horas diárias na escola considerando o tempo lectivo, as
Actividades de Enriquecimento Curricular e a Componente de Apoio à família, (no
limite algumas crianças poderão estar 55 horas semanais na escola, uma
enormidade). Este tempo de permanência na escola é um dos mais longos dos
países da OCDE. Acresce que em muitas circunstâncias, muitos alunos têm ainda
Trabalhos Para Casa que, nas mais das vezes, são a continuação ou a réplica de
trabalhos escolares, ou seja mais do mesmo.
Não tenho nenhuma posição
fundamentalista, insisto, mas creio que deve distinguir-se com clareza o Trabalho
Para Casa e o Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o
trabalho em casa será o que as crianças podem fazer em casa que, não sendo
tarefas de natureza escolar, pode ser um bom contributo para as aprendizagens
dos miúdos. O que acontece mais frequentemente é termos Trabalhos Para Casa e
não Trabalho Em Casa.
Os TPC clássicos têm ainda o
problema de colocar com frequência os pais em situações embaraçosas, querem
ajudar os filhos mas não possuem habilitações para tal.
A propósito, numa reunião de pais
em que participava e se discutia esta questão, dizia uma mãe, “o senhor, da
maneira que fala, se calhar é capaz de ajudar o seu filho, mas na minha casa,
chora a minha filha e choro eu, ela porque quer ajuda, eu porque não sou capaz
de lha dar.” Colocar os pais nesta posição parece-me discutível, no mínimo.
Sim, eu sei, que é apenas uma
situação, não é a floresta mas dá que pensar.
Torna-se, pois, necessário que
professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de
casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai
pode, deve, envolver-se e é útil ao trabalho que se realiza na escola.
Tudo isto considerado, o recurso
ao TPC deveria avaliar se o aluno, cada aluno, tem capacidade e competência
para o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências
adquiridas. Na verdade, porque milagre ou mistério, uma criança que tem
dificuldade em realizar os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter
apoio de professores e colegas, será capaz de os realizar sozinha em casa?
Naturalmente tal só acontecerá com a ajuda dos pais ou, eventualmente, de
"explicadores" a que muitas famílias, sabemos quais, não conseguem
aceder.
No entanto, do meu ponto de
vista, sobretudo nas idades mais baixas, o bom trabalho na escola deveria
dispensar o TPC. É uma questão de saúde e qualidade de vida.
Parece ainda de sublinhar que os
estudos sugerem que "é sobretudo a qualidade das aulas, mais do que o
tempo global de aprendizagem que está associado ao sucesso na aprendizagem.
Aliás, no citado relatório da OCDE também se conclui que não há uma relação
significativa entre o número médio de horas gastas nos TPC e os resultados
escolares.
Andaríamos melhor se
reflectíssemos sem preconceitos e juízos fechados sobre questões desta
natureza. Não é uma questão de ser a favor ou contra os TPC, é reflectir sobre
o que são? Como se utilizam? Que efeitos na generalidade dos alunos? Como se
adaptam às circunstâncias e diferenças de contexto dos alunos como idade/ciclo
de escolaridade, nível de escolarização familiar, etc.
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