sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

DOS "MAUS" ALUNOS QUE NÃO PODEM SER BONS PROFESSORES


Continuo a assistir com alguma curiosidade (dada a proximidade com o espírito natalício estou a ser simpático) à divulgação de algumas notícias relativas ao universo dos professores. Certamente por coincidência os “estudos“ são libertados e divulgados e tratados na comunicação social de forma cirúrgica e em oportunidades cirúrgicas, para recorrer a um termo em moda. Os títulos no Público, incluindo a primeira página, são elucidativos. 
Segundo estudo da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência com base em dados de 16/17 os alunos que acederam a cursos de educação que incluem a formação de professores tiveram uma média de 10,2 valores no exame nacional de Português, Esta média, é a segunda mais baixa nas dez áreas de organização da oferta do ensino superior. A média mais elevada verifica-se nas candidaturas às áreas da saúde, 12.4. Como se pode verificar a diferença é brutal e profundamente alarmante, 2.2 valores numa escala de 20. Deixando de lado juízos de intenção, algumas notas começando por recuperar outras “notícias”.
Em 2017 também foi divulgado que segundo os dados do PISA de 2015 só 1.5% dos alunos portugueses de 15 anos envolvidos encara a possibilidade de ser professor sendo que estes alunos se situam nos níveis mais baixos de resultados a Matemática e Leitura, o contrário do que se verifica noutros países.
Dito de outra maneira e de forma simples, são fundamentalmente os alunos de 15 anos com menor desempenho médio (critério PISA) que admitem vir a ser professores e são basicamente os alunos mais “fracos” na finalização do secundário que se candidatam a professores. No entanto, é interessante recordar que no PISA de 2012 e no conjunto dos vários países, a maioria dos alunos portugueses é da opinião de que os professores os ajudam. Portugal e Finlândia lideravam a satisfação com a ajuda prestada pelo corpo docente (83% e 85%, respectivamente). Isto quer dizer, conforme outros estudos demonstram, que os alunos valorizam os professores mas não a profissão o que de facto merece reflexão.
Em primeiro lugar julgo ser necessária prudência sobre a interpretação destes dados e o seu impacto na qualidade dos trajectos futuros, a relação entre o perfil de desempenho de um aluno de 15 anos ou as médias do acesso ao ensino superior e o seu potencial desempenho futuro como professor deve ser vista com extrema reserva. Não é garantido que estes alunos venham a ser maus profissionais como não é garantido que todos os alunos com médias mais elevadas que se candidatam a outras áreas científicas venham a ser excelentes profissionais.
Uma segunda nota para defender que este cenário também se liga ao mecanismo de acesso ao superior. De há muito que defendo que as médias de conclusão do secundário deveriam ser apenas um dos critérios de acesso ao superior e que deveriam ser as instituições de ensino superior a estabelecer o conjunto de critérios na ordenação do acesso às diferentes áreas científicas. Um caso simples (talvez demasiado simples) para ilustrar isto. Eu quero ser professor mas sei que as notas de acesso são baixas devido à baixa procura. Assim e como não me parece particularmente motivador o que ando a aprender no secundário, cumpro a formação com resultados baixos que me permitem aceder ao meu sonho no qual vou investir e ser bom aluno e bom profissional. É inverosímil? Não creio.
No caso dos professores e das ciências da educação, como noutras áreas, não é impossível desenhar dispositivos de acesso que despistem vocações e motivações, competências diversas e requisitos considerados pertinentes e considerem também, naturalmente, as médias de conclusão do secundário.
No que que respeita à construção de um bom professor importa ainda não esquecer variáveis fundamentais, a qualidade da sua formação o que obriga a reflectir sobre o que é feito nesta matéria e a regulação do acesso à carreira profissional através da única forma de o fazer correctamente, o desempenho em sala de aula, e não uma sinistra PACC de má memória.
Por outro lado também são de considerar alguns outros aspectos. Não creio que a este cenário seja alheio alguns discursos produzidos sobre os professores que desvalorizam e empobrecem o seu estatuto social e a representação sobre a classe e que são produzidos, por exemplo, por “opinion makers” que frequentemente têm agendas implícitas e quase sempre estão mal informados.
Talvez também não seja alheia a instabilidade nas políticas educativas com impacto óbvio na estabilidade das carreiras e da sua valorização. Provavelmente em muitas famílias, as que mais probabilidades terão de ter filhos com melhor desempenho escolar, a profissão professor não é uma escolha incentivada ou, no mínimo, bem aceite.
Também alguns discursos vindos dos próprios representantes dos professores podem muitas vezes contribuir para equívocos e representações desajustadas sobre os professores e os seus problemas.
Julgo ainda que deve ser considerado o impacto de alterações nos valores, padrões e estilos e vida das famílias que fazem derivar para a escola, para os professores, parte do papel que competia(e) à família. Este trabalho é realizado, muitas vezes, sem qualquer tipo de apoio ou suporte, com cada professor entregue a si mesmo em climas institucionais pouco favoráveis.
Deste cenário resulta como tantas vezes tenho afirmado a necessidade da valorização dos docentes e da sua profissão de modo a que se torne mais atractiva.
Tenho a maior das dúvidas se estes estudos e a forma como são divulgados não se inscrevem numa agenda de desvalorização e diabolização dos professores que certamente terá um enorme custo de que, evidentemente, ninguém será responsável. 

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