Continuo a assistir com alguma
curiosidade (dada a proximidade com o espírito natalício estou a ser simpático) à divulgação de algumas notícias relativas ao universo dos
professores. Certamente por coincidência os “estudos“ são libertados e
divulgados e tratados na comunicação social de forma cirúrgica e em oportunidades cirúrgicas, para recorrer a um termo
em moda. Os títulos no Público, incluindo a primeira página, são elucidativos.
Segundo estudo da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência com base em dados de 16/17 os alunos que
acederam a cursos de educação que incluem a formação de professores tiveram uma
média de 10,2 valores no exame nacional de Português, Esta média, é a segunda mais
baixa nas dez áreas de organização da oferta do ensino superior. A média mais
elevada verifica-se nas candidaturas às áreas da saúde, 12.4. Como se pode
verificar a diferença é brutal e profundamente alarmante, 2.2 valores numa
escala de 20. Deixando de lado juízos de intenção, algumas notas começando por
recuperar outras “notícias”.
Em 2017 também foi divulgado que
segundo os dados do PISA de 2015 só 1.5% dos alunos portugueses de 15 anos
envolvidos encara a possibilidade de ser professor sendo que estes alunos se
situam nos níveis mais baixos de resultados a Matemática e Leitura, o contrário
do que se verifica noutros países.
Dito de outra maneira e de forma
simples, são fundamentalmente os alunos de 15 anos com menor desempenho médio
(critério PISA) que admitem vir a ser professores e são basicamente os alunos
mais “fracos” na finalização do secundário que se candidatam a professores. No
entanto, é interessante recordar que no PISA de 2012 e no conjunto dos vários
países, a maioria dos alunos portugueses é da opinião de que os professores os
ajudam. Portugal e Finlândia lideravam a satisfação com a ajuda prestada pelo
corpo docente (83% e 85%, respectivamente). Isto quer dizer, conforme outros
estudos demonstram, que os alunos valorizam os professores mas não a profissão
o que de facto merece reflexão.
Em primeiro lugar julgo ser
necessária prudência sobre a interpretação destes dados e o seu impacto na
qualidade dos trajectos futuros, a relação entre o perfil de desempenho de um
aluno de 15 anos ou as médias do acesso ao ensino superior e o seu potencial
desempenho futuro como professor deve ser vista com extrema reserva. Não é
garantido que estes alunos venham a ser maus profissionais como não é garantido
que todos os alunos com médias mais elevadas que se candidatam a outras áreas
científicas venham a ser excelentes profissionais.
Uma segunda nota para defender
que este cenário também se liga ao mecanismo de acesso ao superior. De há muito
que defendo que as médias de conclusão do secundário deveriam ser apenas um dos
critérios de acesso ao superior e que deveriam ser as instituições de ensino
superior a estabelecer o conjunto de critérios na ordenação do acesso às
diferentes áreas científicas. Um caso simples (talvez demasiado simples) para
ilustrar isto. Eu quero ser professor mas sei que as notas de acesso são baixas
devido à baixa procura. Assim e como não me parece particularmente motivador o
que ando a aprender no secundário, cumpro a formação com resultados baixos que
me permitem aceder ao meu sonho no qual vou investir e ser bom aluno e bom
profissional. É inverosímil? Não creio.
No caso dos professores e das
ciências da educação, como noutras áreas, não é impossível desenhar
dispositivos de acesso que despistem vocações e motivações, competências
diversas e requisitos considerados pertinentes e considerem também,
naturalmente, as médias de conclusão do secundário.
No que que respeita à construção
de um bom professor importa ainda não esquecer variáveis fundamentais, a
qualidade da sua formação o que obriga a reflectir sobre o que é feito nesta
matéria e a regulação do acesso à carreira profissional através da única forma
de o fazer correctamente, o desempenho em sala de aula, e não uma sinistra PACC
de má memória.
Por outro lado também são de
considerar alguns outros aspectos. Não creio que a este cenário seja alheio
alguns discursos produzidos sobre os professores que desvalorizam e empobrecem
o seu estatuto social e a representação sobre a classe e que são produzidos,
por exemplo, por “opinion makers” que frequentemente têm agendas implícitas e
quase sempre estão mal informados.
Talvez também não seja alheia a
instabilidade nas políticas educativas com impacto óbvio na estabilidade das
carreiras e da sua valorização. Provavelmente em muitas famílias, as que mais
probabilidades terão de ter filhos com melhor desempenho escolar, a profissão
professor não é uma escolha incentivada ou, no mínimo, bem aceite.
Também alguns discursos vindos
dos próprios representantes dos professores podem muitas vezes contribuir para
equívocos e representações desajustadas sobre os professores e os seus
problemas.
Julgo ainda que deve ser
considerado o impacto de alterações nos valores, padrões e estilos e vida das
famílias que fazem derivar para a escola, para os professores, parte do papel
que competia(e) à família. Este trabalho é realizado, muitas vezes, sem qualquer
tipo de apoio ou suporte, com cada professor entregue a si mesmo em climas institucionais
pouco favoráveis.
Deste cenário resulta como tantas
vezes tenho afirmado a necessidade da valorização dos docentes e da sua
profissão de modo a que se torne mais atractiva.
Tenho a maior das dúvidas se
estes estudos e a forma como são divulgados não se inscrevem numa agenda de
desvalorização e diabolização dos professores que certamente terá um enorme custo de que, evidentemente, ninguém será responsável.
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