Um relatório hoje apresentado na
Assembleia da República produzido pelo Serviço de Intervenção nos
Comportamentos Aditivos e nas Dependências refere o aumento do número de jovens
referenciados nas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens devido a
problemas com o consumo de álcool.
Em 2016 e 2017 foram sinalizados
607 casos, um número bem acima do verificado em anos anteriores.
Recordo ainda que durante 2017 o
INEM respondeu a 1270 casos de menores em coma alcoólico e, nestas como noutras
matérias, o número de casos reportados é significativamente inferior à
prevalência real.
A questão dos consumos de diferentes
substâncias é uma preocupação sempre presente nas comunidades e começa cedo,
durante a adolescência.
No que respeita ao álcool que
”beneficia” de uma representação social mais amigável sobre o seu consumo mais
amigável sabe-se que este tem vindo a crescer alterando-se também os padrões de
consumo, beber na rua (é bastante mais barato) e o consumo excessivo e rápido
(binge drinking) são duas características presentes. Segundo alguns
especialistas, a embriaguez parece deixar de ser uma consequência do consumo
excessivo para passar a ser um objectivo em si mesmo. Este padrão tem vindo a
ser sublinhado por diferentes estudos sobre os hábitos dos adolescentes e
jovens portugueses. Algumas notas.
Um primeiro aspecto a considerar
é o facto de que apesar de alguns ajustamento legislativos os adolescentes continuam
a adquirir facilmente cerveja e outras bebidas, as “litrosas” ou os shots, como
lhes chamam, no comércio mais habitual, lojas de conveniência ou pequenos
estabelecimentos de bairro, a um preço bem mais acessível que nos
estabelecimentos que frequentam na noite e recorrendo à “toma” simples ou com
misturas ao longo da noite, comprida aliás. A presente legislação restringe o
comércio e estabelece multas bem mais pesadas mas o efeito prático não é o
desejável pois em diferentes domínios a restrição devido à idade nem sempre é
respeitada.
O consumo em quantidade e em
grupos, sobretudo ao fim-de-semana, é muitas vezes entendido e sentido como o
factor de pertença ao grupo, potenciando a escalada do consumo, juntos bebemos
mais do que sós, como é óbvio e o estado que se atinge é sentido como um
"facilitador" relacional e como é reconhecido o controlo das idades de
quem compra seja ineficaz e facilmente ultrapassado.
Muitos adolescentes e jovens
ouvidos em estudos nesta matéria, referem ainda a ausência de regulação dos
pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa,
que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau
estado” do protagonista. Ainda não há muito tempo se noticiava a detecção por
parte da PSP de algumas dezenas de adolescentes com menos de 16 anos
identificados nas ruas durante a madrugada em Lisboa que "passeiam"
sem supervisão parental.
É preciso que a comunidade esteja
atenta a estes adolescentes que logo desde os 13 ou 14 anos “acedem” às
“litrosas” e aos shots e também aos seus pais que muitas vezes estão tão
perdidos quanto eles.
Apesar de se poder vir a legislar
no sentido de apenas aos 18 anos ser permitida a aquisição de qualquer tipo de
álcool, parecem-me imprescindíveis a adequada fiscalização e a criação de
programas destinados a pais e aos adolescentes e jovens que minimizem o risco do
consumo excessivo.
A proibição, como sempre, não
basta, restringir a publicidade só por si não adianta.
Como muitas vezes tenho afirmado,
existem áreas de problemas que afectam as comunidades em que os custos da
intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção,
ou seja, não intervir ou intervir mal é sempre bastante mais caro que a
intervenção adequada em tempo oportuno.
A toxicodependência e o consumo
do álcool por parte de adolescentes e jovens são exemplos dessas áreas.
Quadros de dependência não tratados
desenvolvem-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa
espiral de consumo que exigem cada vez mais meios e promove mais dependência.
Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico,
reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho
profissional, promove exclusão e “guetização” para além de outros efeitos
graves na saúde, física e mental, ou nos comportamentos, veja-se a notícia
sobre o volume de acidentes em que as pessoas envolvidas acusam consumos,
diferentes consumos. Este cenário implica por sua vez custos sociais
altíssimos, persistentes e difíceis de contabilizar.
Os consumos, de diferentes
substâncias, por parte dos adolescentes e jovens podem relacionar-se com alguma
negligência paternal mas na maioria dos casos trata-se de pais que sabem o que
se passa, “apenas fingem” não perceber, desejando que o tempo “cure”, sentem-se
tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a
questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os
pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que
eles, justificando-se a criação de programas destinados a pais e aos
adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo.
Costumo dizer em muitas ocasiões
que se cuidar é caro, façam as contas aos resultados do descuidar.
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