domingo, 20 de janeiro de 2019

DOS VIDEOJOGOS


No DN encontra-se uma peça que constitui mais um exemplo da atenção que deve merecer a relação de crianças e adolescentes com o universo dos videojogos. A peça aborda o mais recente fenómeno de popularidade neste campo, o Fortnite. Algumas notas recuperadas de outros escritos sobre esta questão que, evidentemente, não sairá da agenda das preocupações nos tempos mais próximos.
Antes de mais gostava de sublinhar que a abordagem a estas matérias deve ser cautelosa e sem “pre” ou “pré” conconceitos. Na verdade, a utilização dos videojogos não é uma matéria de simples abordagem, existem opiniões de sentido bem diferente.
Uns opinam que os estudos sugerem riscos no uso excessivo destes materiais, recordo uma conferência há algum tempo realizada no ISCTE por Bruce D. Bartholow. Por outro lado, alguns socorrem-se de estudos que não encontram nenhuma relação de causa efeito entre o consumo de videojogos violentos e o desencadear de comportamentos de extrema violência, sendo ainda que existe quem defenda, em abstracto, o potencial educativo dos videojogos.
Sobre este último ponto recordo um Relatório de 2009 do Parlamento Europeu coordenado por Toine Manders em que se afirmava, curiosamente, que os resultados “contradizem muitos estudos que sublinham a dependência e a violência que os videojogos podem provocar nos mais pequenos, deixando alguns pais mais tranquilos” e, citando o próprio relatório, os videojogos estimulam “a aprendizagem de factos e habilidades como a reflexão estratégica, a criatividade, a cooperação e o sentido de inovação”. O relatório também referia, no entanto, que alguns videojogos podem não ser apropriados como o tempo excessivo neste tipo de actividade pode não ser positivo. O acesso extraordinariamente facilitado a videojogos com conteúdos obviamente desajustados algumas idades constitui justamente a base das opiniões mais cautelosas.
Julgo que se trata de uma matéria em que, por estranho que pareça, todos podem ter razão, ou seja, em muitas crianças, adolescentes ou adultos, comportamentos de enorme violência aparecem associados ao consumo de videojogos violentos mas nem todos os miúdos adolescentes ou jovens que os consomem desenvolvem comportamentos de violência, daí a inexistência de uma relação de causa-efeito.
A questão central, do meu ponto de vista, não é sobre se os videojogos fazem mal ou se fazem bem, é sobre o tempo que ocupam na vida dos miúdos e sobre a qualidade e os conteúdos disponíveis considerando a idade das crianças. Muitos de nós, especialistas ou não, inquietamo-nos com o tempo excessivo que muitas crianças e adolescentes passam sós, ou com outros "sós" do outro lado, agarradas a um ecrã, numa espécie de teledependência e já configurando um comportamento aditivo com consequências importantes no bem-estar dos mais novos.
Esta preocupação não tem nada a ver com um entendimento definitivo de que os videojogos são perigosos embora alguns o possam ser. Existem excelentes videojogos que, naturalmente, serão úteis e positivos na vida dos miúdos incluindo os processos de aprendizagem escolar. Aliás, e como é referido na peça do DN os produtores deste tipo de conteúdos sabem muito bem como construir “produtos” com características que “agarrem” o jogador sendo ainda que uma das versões do “Fortnite” é gratuita mas também pode ter conteúdos pagos o que avoluma as consequências da eventual dependência.
Segundo alguns estudos, perto de 50% das crianças até aos 15 anos terão computador ou televisor no quarto sendo que considerando os smartphones os números são bastante superiores e de regulação mais difícil.
Acontece que mesmo durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida. A peça do DN mostra estes efeitos em alunos do 1º ciclo.
Uma outra questão e pretexto para estas notas é a situação de adolescentes, jovens ou adultos para quem os videojogos de entretenimento ou de apostas criam dependência, induzem mal-estar e sofrimento bem como às famílias. São cada vez mais frequentes por corresponderem a necessidades e problemas reais a referência a respostas existentes ou necessárias para estas situações. Não adianta pensar que só acontece aos outros. Pode, sem nos darmos conta, estar a instalar-se de mansinho numa criança ou adolescente perto de si. 
Recorrendo a dados do projecto europeu EuKids Online, 2018, o uso continuado da Internet repercute-se em 45% das crianças portuguesas com um dos seguintes sintomas: não dormir, não comer, falhar nos trabalhos de casa ou deixar de socializar.
Neste quadro, julgo merecer particular atenção o impacto que esta utilização demorada tem no desenvolvimento de crianças e adolescentes, designadamente nos hábitos e saúde do sono.
Comer faz bem às crianças, mas comer excessivamente e produtos de má qualidade, provoca sérios problemas de saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o produto.
Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática. Considerando as implicações sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são muito eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

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