No DN encontra-se uma peça que
constitui mais um exemplo da atenção que deve merecer a relação de crianças e
adolescentes com o universo dos videojogos. A peça aborda o mais recente
fenómeno de popularidade neste campo, o Fortnite. Algumas notas recuperadas de
outros escritos sobre esta questão que, evidentemente, não sairá da agenda das
preocupações nos tempos mais próximos.
Antes de mais gostava de
sublinhar que a abordagem a estas matérias deve ser cautelosa e sem “pre” ou
“pré” conconceitos. Na verdade, a utilização dos videojogos não é uma matéria
de simples abordagem, existem opiniões de sentido bem diferente.
Uns opinam que os estudos sugerem
riscos no uso excessivo destes materiais, recordo uma conferência há algum
tempo realizada no ISCTE por Bruce D. Bartholow. Por outro lado, alguns
socorrem-se de estudos que não encontram nenhuma relação de causa efeito entre
o consumo de videojogos violentos e o desencadear de comportamentos de extrema
violência, sendo ainda que existe quem defenda, em abstracto, o potencial
educativo dos videojogos.
Sobre este último ponto recordo
um Relatório de 2009 do Parlamento Europeu coordenado por Toine Manders em que
se afirmava, curiosamente, que os resultados “contradizem muitos estudos que
sublinham a dependência e a violência que os videojogos podem provocar nos mais
pequenos, deixando alguns pais mais tranquilos” e, citando o próprio relatório,
os videojogos estimulam “a aprendizagem de factos e habilidades como a reflexão
estratégica, a criatividade, a cooperação e o sentido de inovação”. O relatório
também referia, no entanto, que alguns videojogos podem não ser apropriados
como o tempo excessivo neste tipo de actividade pode não ser positivo. O acesso
extraordinariamente facilitado a videojogos com conteúdos obviamente
desajustados algumas idades constitui justamente a base das opiniões mais
cautelosas.
Julgo que se trata de uma matéria
em que, por estranho que pareça, todos podem ter razão, ou seja, em muitas
crianças, adolescentes ou adultos, comportamentos de enorme violência aparecem
associados ao consumo de videojogos violentos mas nem todos os miúdos adolescentes
ou jovens que os consomem desenvolvem comportamentos de violência, daí a
inexistência de uma relação de causa-efeito.
A questão central, do meu ponto
de vista, não é sobre se os videojogos fazem mal ou se fazem bem, é sobre o
tempo que ocupam na vida dos miúdos e sobre a qualidade e os conteúdos
disponíveis considerando a idade das crianças. Muitos de nós, especialistas ou
não, inquietamo-nos com o tempo excessivo que muitas crianças e adolescentes
passam sós, ou com outros "sós" do outro lado, agarradas a um ecrã,
numa espécie de teledependência e já configurando um comportamento aditivo com
consequências importantes no bem-estar dos mais novos.
Esta preocupação não tem nada a
ver com um entendimento definitivo de que os videojogos são perigosos embora
alguns o possam ser. Existem excelentes videojogos que, naturalmente, serão
úteis e positivos na vida dos miúdos incluindo os processos de aprendizagem
escolar. Aliás, e como é referido na peça do DN os produtores deste tipo de
conteúdos sabem muito bem como construir “produtos” com características que “agarrem”
o jogador sendo ainda que uma das versões do “Fortnite” é gratuita mas também
pode ter conteúdos pagos o que avoluma as consequências da eventual dependência.
Segundo alguns estudos, perto de
50% das crianças até aos 15 anos terão computador ou televisor no quarto sendo
que considerando os smartphones os números são bastante superiores e de regulação mais difícil.
Acontece que mesmo durante o período de
sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de
um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar
de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e
distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar
num quadro geral de pior qualidade de vida. A peça do DN mostra estes efeitos
em alunos do 1º ciclo.
Uma outra questão e pretexto para
estas notas é a situação de adolescentes, jovens ou adultos para quem os
videojogos de entretenimento ou de apostas criam dependência, induzem mal-estar
e sofrimento bem como às famílias. São cada vez mais frequentes por
corresponderem a necessidades e problemas reais a referência a respostas
existentes ou necessárias para estas situações. Não adianta pensar que só
acontece aos outros. Pode, sem nos darmos conta, estar a instalar-se de
mansinho numa criança ou adolescente perto de si.
Recorrendo a dados do projecto
europeu EuKids Online, 2018, o uso continuado da Internet repercute-se em 45%
das crianças portuguesas com um dos seguintes sintomas: não dormir, não comer,
falhar nos trabalhos de casa ou deixar de socializar.
Neste quadro, julgo merecer
particular atenção o impacto que esta utilização demorada tem no
desenvolvimento de crianças e adolescentes, designadamente nos hábitos e saúde
do sono.
Comer faz bem às crianças, mas
comer excessivamente e produtos de má qualidade, provoca sérios problemas de
saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o produto.
Estas matérias, a presença das
novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais,
alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática. Considerando as
implicações sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são muito
eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais
para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de
vida das crianças e adolescentes.
Sem comentários:
Enviar um comentário