terça-feira, 31 de julho de 2018

E EM SETEMBRO?


O período de férias trouxe uma natural acalmia no conflito entre docentes e ME. A nova fase de negociação está prevista para Setembro e com a pressão da aprovação do OGE pode aconter o que ainda não aconteceu, um processo de negociação que finalize com o acordo entre os envolvidos. É assim que se solucionam conflitos.
Entretanto e como se sabe um conflito não resolvido é, por assim dizer, um fogo que arde sem se ver. No entanto, arde mais ou menos conforme é alimentado.
Chegou agora a vez dos inspectores de educação entrarem para o elenco da peça em curso.
O Sindicato dos Inspectores da Educação e do Ensino em carta aberta rígida ao Ministro da Educação reage fortemente às ordens que o ME produziu para a sua actuação nas escolas durante estes últimos tempos de greve dos docentes às avaliações.
Como é público e aqui referi, algumas das orientações dadas às escolas para lidarem com a situação foram contestadas pela sua “abusiva” interpretação da lei sendo que alguns directores se manifestaram contra e não terão cumprido essas orientações.
A acção de inspecção ordenada pelo ME leva os inspectores a afirmar que “não aceitam ser instrumentalizados e usados como polícias do Ministério da Educação. E não aceitam desempenhar este papel, porquanto o mesmo não se coaduna com a missão e competências da Inspecção-Geral de Educação e Ciência legalmente consagradas".
Este conflito e a forma como se vai desenrolando recordam-me a famosa Lei de Murphy em qualquer das suas múltiplas “versões”, “se algo pode correr mal, corre mal”, por exemplo.
Como muitas vezes já escrevi, o conflito que opõe professores ao ME só tem uma solução, negociar. Não pode ir crescendo em modo, ia escrever “cada tiro, cada melro” mas como não sou dado às coisas da caça e para prevenir alguma reacção, escrevo, “cada cavadela, cada minhoca” (que se devolve à terra, é claro).

segunda-feira, 30 de julho de 2018

O SILÊNCIO DO CORO DOS ESCRAVOS

O calendário das consciências assinala hoje o Dia Mundial Contra o Tráfico de Seres Humanos.
Durante o presente ano o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras registou 29 potenciais vítimas de tráfico de pessoas, 18 das quais menores.
São frequentes as referências na imprensa a situações de tráfico de pessoas que se realiza em Portugal envolvendo, fundamentalmente, mulheres no mundo da prostituição ou pessoas em situação pessoal e social de vulnerabilidade para "trabalho escravo" na agricultura, em Portugal ou, muitas vezes, em explorações agrícolas espanholas. Acresce que os casos identificados serão apenas uma parte do que realmente se passa.
Este cenário, o tráfico de pessoas, grandes e pequenas, e a escravatura, tal como a pobreza, a fome e a exclusão, é das matérias que maior embaraço pode causar em sociedades actuais, deveria ser algo de improvável no séc. XXI em sociedades desenvolvidas.
A escravatura parece algo “fora do tempo” e de impossível existência nos nossos países. Mas existe e é sério o problema que, como não podia deixar de ser, atinge os mais vulneráveis, como as crianças, sem abrigo ou mulheres.
Este negócio, o tráfico de pessoas, um dos mais florescentes e rentáveis em termos mundiais, alimenta-se da vulnerabilidade social, da pobreza e da exclusão o que, como sempre, recoloca a imperiosa necessidade de repensar modelos de desenvolvimento económico que promovam, de facto, o combate à pobreza e, caso evidente em Portugal, as ainda excessivas assimetrias na distribuição da riqueza.
Estes tempos, marcados por competição, diminuição de direitos e apoios sociais, pressão sobre a produtividade, tudo isto submetido a um deus mercado que não tem alma, não tem ética e é amoral, podem alimentar algumas formas de escravatura mais "leves" ou, sobretudo em casos de particular fragilidade dos envolvidos, bastante pesadas.
As pessoas, muitas pessoas, apenas possuem como bem, a sua própria pessoa, o seu corpo, e o mercado aproveita tudo, por isso, compra e vende as pessoas dando-lhe a utilidade que as circunstâncias, a idade, e as necessidades de "consumo" exigirem.
O que parece ainda mais inquietante é o manto de silêncio e negligência, quando não cumplicidade, que frequentemente cai sobre este drama tornando transparentes as situações de escravatura, não se vêem, não se querem ver.
Neste universo não conseguimos ouvir o coro dos escravos, não têm voz, são coisas.

domingo, 29 de julho de 2018

UMA HISTÓRIA DE ESCOLAS E PROFESSORES LÁ DE LONGE


Um trabalho no Público sobre o universo da educação em Moçambique e das dificuldades e constrangimentos com que alunos e professores lutam pelo futuro desencadeou a emoção de uma viagem ao passado.
Há já uns anos largos, meados de 90, a vida concedeu-me uma das várias bênçãos com que tem tido a generosidade de me embalar, o conhecimento e o convívio com alguma proximidade e em várias ocasiões com um dos enormes, o Mestre Malangatana que partiu em 2011. Desse milagre que me aconteceu já aqui tenho partilhado algumas histórias.
O Mestre Malangatana tinha na altura em fase de lançamento um Centro de múltiplas actividades a funcionar na sua região natal, Matalana, a uns quilómetros de Maputo. Uma das iniciativas que promoveu foi um programa de formação de professores a realizar no Centro que se localizava numa zona bastante isolada e eu tive o convite mágico para colaborar abordando a organização dos processos de ensino e de aprendizagem.
No primeiro dia, Malangatana perguntou-me se preferia trabalhar na sala um, na dois ou na três. Olhei à volta e estranhei, mas na altura ainda não estava acostumado às falas do Mestre. Ele referia-se a três cajueiros que ali estavam e cuja sombra eu podia escolher para trabalhar. Por estas e por outras fui percebendo que, falando como Malangatana, cabeçalmente não era fácil acompanhá-lo, tal como também não era fácil acompanhá-lo barrigalmente.
Foram duas semanas absolutamente inesquecíveis e que me fizeram ser mais gente. Aqueles professores trabalhavam em escolas, a maioria apenas com as paredes e tinham, vários deles, grupos de quarenta e cinquenta alunos.
Os alunos não tinham sempre lugar para todos trabalharem sentados a uma mesa ou carteira. Iam trocando os lápis para poderem escrever. Faziam quilómetros a pé para aceder à escola. Os livros eram poucos e tinham que ser partilhados, utilizados, reutilizados e ... reutilizados.
Tenho ideia que nenhum daqueles professores faltou um dia ao curso para onde vários se deslocavam também a pé, fazendo vários quilómetros. Perdão, lembro-me bem que uma professora me pediu imensa desculpa por não poder vir à "aula" um sábado porque precisava de ir vender carvão para custear a deslocação do filho no "chapa", o autocarro, que o levava para Maputo onde estudava.
Ainda me comovo com o empenho e a motivação com que aquela gente estava o dia inteiro durante duas semanas sentada num banco de pau debaixo do cajueiro, acho que era o número um, a trabalhar e a discutir animadamente o trabalho que faziam, o trabalho que queriam fazer, o trabalho que podiam fazer para ajudar a crescer as dezenas de miúdos que tinham todos os dias nas suas salas de aula. E a mim que tive o privilégio de estar com eles.
Oxalá a gente de hoje em Moçambique tenha o futuro que merece.

UNS E OUTROS


Ter um pensamento político à esquerda ou à direita, seja lá isso o que for, não torna ninguém imune ou propenso a comportamentos ou atitudes que possam ser considerados imorais, antiéticos, ilegais, manhosos  ou apenas … "normais" em sociedades que se regem por leis de mercado mesmo quando os mercados não têm alma e excluem pessoas.
Na verdade, o que determina e regula o nosso comportamento e atitudes é bem mais complexo do que “um discurso político”, seja de que natureza for, até porque, boa parte das vezes, não passa disso mesmo ... discursos, palavras.
A pantanosa pátria nossa amada está atolada em exemplos de que assim é.
Portanto, deixem-se de hipocrisias, cinismos e manhosices discursivas. Uns e outros.
Ainda tinha pensado dizer que boa parte dos discursos que se ouvem e lêem sobre o caso do vereador Ricardo Robles poderão ter a ver com um sentimento quase ausente das nossas vidas, a "invejinha", mas não seria verdade, é algo que não nos assiste.Sabemos que assim é pelo que não falo disso.

sábado, 28 de julho de 2018

UMA LINHA VERMELHA

Como muitas vezes já escrevi, o conflito que opõe professores ao ME só tem uma solução, negociar.
Com o arrastar da situação as implicações e constrangimentos avolumam-se e a pressão sobre professores, directores, alunos, famílias e, naturalmente, o ME, aumenta.
No entanto, da solução não faz parte a interpretação em modo flexível de compromissos assumidos, não faz parte o recurso a expedientes de natureza legislativa, não faz parte o adiar de decisões.
E não podia fazer parte da solução a utilização de dados da avaliação dos alunos de períodos escolares anteriores para decidir sobre o último período.
Existem linhas vermelhas que, estas sim, não podem, não devem, ser ultrapassadas mesmo que as situações verificadas não sejam numerosas.
Acredito que não seja fácil uma solução a curto prazo, parece não estar em cima da mesa, mas tem de ser possível uma solução com um calendário e um modo aceites pelas partes. Deixem-me retomar algo que aqui já escrevi e que muitos parecem não querer entender ou fingem que não entendem em nome de outras agendas.
Imaginemos que qualquer de nós no desempenho da sua profissão vê que não é considerado para os efeitos previstos no quadro legal que a regula parte do tempo que trabalhou. Parece claro que a não aceitação de tal decisão é uma questão de direito.
Se a estrutura da carreira, do acesso, dos mecanismos de progressão e os efeitos no estatuto salarial não são adequados, justos, claros, etc. então que se desencadeiem os processos conducentes à sua eventual alteração, mas não misturemos tudo para criar confusão.
O quadro legal em vigor, gostemos ou não, é o que deve ser cumprido, é uma questão de direito, insisto. Entender o contrário é um risco embora saibamos que em Portugal existe alguma tendência para entender a lei como indicativa e não como imperativa, ou seja, é de geometria variável.
O que estará em causa é o modo e o faseamento no cumprimento da lei. E isto, mais uma vez, só se consegue negociando. Ponto.
Parece dispensável reafirmar que a serenidade é um bem de primeira necessidade em educação e parece ser o que menos temos. Esta última situação é mais um exemplo.

sexta-feira, 27 de julho de 2018

OS DIAS DO ALENTEJO

Um concerto da Orquestra Sinfónica da PSP na Praça do Giraldo, uma noite sem a quentura de um final de Julho, a Lua a deseclipsar. São também assim os dias do Alentejo.



GOSTEI DE LER, "A ESCOLA DO TUDO E DO NADA"


Gostei de ler o texto de João Ruivo, “A escola do tudo e do nada”.


A autonomia real das escolas e agrupamentos é, reconhecidamente, uma ferramenta de desenvolvimento da sua qualidade, pois permite que os seus recursos, modelos de organização e funcionamento se ajustem às especificidades de contexto e, assim, melhor possam responder à população que servem, a toda a população, evidentemente, de acordo com as suas necessidades.
Parece-me oportuno sublinhar que descentralização e autonomia não são o mesmo que municipalização, um dos  muitos equívocos presentes no universo da educação em Portugal.  .


DA QUESTÃO CURRICULAR


No Público encontra-se uma série de trabalhos que reflectem diferentes opiniões sobre as alterações verificadas nos currículos. Nada de novo, a propósito de mudanças em educação surgem sempre, e com razão face a práticas que conhecemos, inúmeras referências centradas no excesso de alterações o que retira estabilidade e pensamento a prazo a este universo. Paradoxalmente, ou talvez não, existem outras tantas referências que afirmam a necessidade de mudanças. Como também é evidente, as opiniões traduzem visões e valores relativamente à educação e à escola. É importante que assim seja em sociedades abertas.
Acresce ainda que as opiniões sobre o excesso de mudanças ou a sua necessidade são de uma natureza altamente dispersa, quase individualizada, em modo “cada cabeça, sua sentença”.
Relativamente às mudanças em matéria de currículo, desde o seu anúncio surgiu o habitual coro de “lá vem mudança”, “retorno do facilitismo”, etc. Um outro coro afina pela necessidade de ajustamento, embora para ambas as posições seja ainda pouco claro o sentido, o alcance, o calendário ou o método da mudança.
Nesta perspectiva também o atrevimento de umas notas que por desconhecimento não se dirigem aos conteúdos curriculares mas mais ao modelo de currículo.
Julgo que seria de considerar a extensão dos currículos definindo com a colaboração das associações profissionais e de instituições de formação e investigação as dimensões essenciais em cada área de conhecimento que possa ser eficaz, actual e potencie maior flexibilização e diferenciação do trabalho em sala de aula. É possível construir um modelo de organização e conteúdos que sustente práticas de gestão curricular mais integradas a que se torna indispensável o incremento da margem de autonomia das escolas na gestão curricular.
A verdade é que não me lembro de muitas opiniões que entendessem como bons os modelos de currículo que estavam em vigor à excepção da SPM no que respeita a Matemática. São mais frequentemente entendidos como extensos, demasiado prescritivos e normativos, pouco amigáveis para as diferenças entre alunos e para o número de alunos habitual nas nossas salas de aula. Aliás, no que respeita à designada, educação inclusiva, à medida que os currículos se têm tornado mais normativos e mais prescritivos temos assistido à proliferação de opções curriculares “alternativas” que mais não são em muitos casos que “guetos curriculares” facilitadores de exclusão.
É verdade que mudar, só por mudar, é errado e tem consequências negativas a vários níveis.
Mas também é verdade que não mudar algo que não é positivo tem custos muito elevados, prolongados e com impacto negativo em diferentes dimensões.
Finalmente, creio que o impacto positivo de mudanças de natureza curricular não decorre “apenas” de questões centradas no currículo. Envolve, por exemplo, recursos docentes, turmas com efectivos adequados, apoios a alunos e professores em tempo oportuno, suficientes e competentes, um entendimento sobre o papel, o peso, as modalidades e os tempos da avaliação externa.
É nesta área que temo que se mantenham alguns obstáculos aos efeitos potencialmente positivos de uma orientação de mudanças necessárias em matéria de currículo.

quinta-feira, 26 de julho de 2018

AVÓS, UM BEM DE PRIMEIRA NECESSIDADE


De acordo com o calendário das consciências passa hoje o Dia Mundial dos Avós.
A avozice é um mundo mágico no qual entrei há algum tempo com a abençoada chegada do Simão há cinco anos e do Tomás há dois e acho que ainda não consegui acomodar os sentimentos e a magia de acompanhar de perto, tão de perto quanto possível, o crescimento destes gaiatos que têm uma geração pelo meio.
Tem sido um divertimento, uma descoberta permanente e a percepção de um outro sentido para uma vida que já vai comprida e também, desculpem a confissão, cumprida.
Neste entendimento e como tem acontecido aqui no Atenta Inquietude a cada 26 de Julho, retomo a minha proposta no sentido de ser legislado o direito aos avós. Isto quer dizer, simplesmente, que todos os miúdos deveriam, obrigatoriamente, ter avós e que todos os velhos deveriam ter netos.
Num tempo em que milhares de miúdos passam muito tempo sós, mesmo quando, por estranho que pareça, têm pessoas à beira, e muitos velhos vão morrendo devagar de sozinhismo, a doença que ataca os que vivem sós, isolados, qualquer partido verdadeiramente interessado nas pessoas, sentir-se ia obrigado a inscrever tal medida no seu programa ou, porque não, inscrevê-la nos direitos fundamentais.
Com tantas crianças abandonadas dentro de casa, institucionalizadas, mergulhadas na escola tempos infindos ou escondidas em ecrãs, ao mesmo tempo que os velhos estão emprateleirados em lares ou também abandonados em casa, isolados de tal forma que morrem sem que ninguém se dê conta, trata-se apenas de os juntar, seria um dois em um. Creio que os benefícios para miúdos e velhos seriam extraordinários.
Um avô ou uma avó, de preferência os dois, são bens de primeira necessidade para qualquer miúdo.
Já agora deixo uma história com avô dentro. Como sabem contar histórias é mesmo coisa de avós e às vezes repetem-nas, é o caso desta, já aqui a contei.
De há uns tempos para cá apareceu uma moda naquela terra que “impede” as pessoas de falarem em brincar nas escolas da terra, é proibido brincar nas escolas.
A moda foi fabricada por uma gente ignorante de miúdos, obcecada com trabalho e produtividade, mesmo infantil, uns infelizes escravos convencidos de que são livres e que também querem escravizar os outros.
Mas ainda existem uns professores, muitos, naquela terra que não se deixam enganar, sabem ler os miúdos e percebem que eles aprendem porque também brincam e brincam porque também aprendem. Aliás, brincar e aprender são as coisas mais sérias que os miúdos fazem, sorte a deles, a de alguns, felizmente muitos.
Um dia, um desses professores lembrou-se, que sacrilégio, de dizer aos seus alunos para trazerem para a escola o seu brinquedo preferido. A Maria trouxe uma boneca. O João apareceu com a consola nova. A Sara vinha vaidosa com umas bonecas que o pai tinha trazido do estrangeiro. A Irina trazia o Noddy. O Carlos vinha com uns olhos quase tão grandes como a bola de futebol que trazia debaixo do braço. O David, sempre pronto para as lutas, trazia uns bonecos lutadores de wrestling. A Joana não ligava a ninguém com o seu mp3 cheio das músicas de que gosta. Enfim, por um dia, toda gente veio para a escola com um brinquedo, o seu preferido.
O último a chegar foi o Manel.
Feliz e sorridente entrou na sala de aula com o avô pela mão.

quarta-feira, 25 de julho de 2018

NÃO PRECISAMOS DE SUPERPAIS ... NEM DE SUPERFILHOS


No DN encontra-se um trabalho interessante sobre a parentalidade e as inquietações sentidas por alguns pais. Nos tempos actuais o exercício da educação familiar e a sua conciliação com carreiras profissionais, a pressão para a excelência e desempenho de pais e filhos nas respectivas tarefas cria em algumas famílias um quadro de desequilíbrio multifacetado que começa a ganhar a designação de “burnout” parental.
Na verdade, independentemente das designações, percebemos que em muitas famílias e por razões diversas falta alguma serenidade o que, naturalmente, se reflecte quer em adultos, quer em crianças e adolescentes.
Precisamos de pais confiantes, seguros, com tempo para o serem, com diálogo com outros pais e com apoios para as dificuldades que surgem e são naturais, os miúdos não vêm com “manual de instruções” e “times they are a-changing”, também nas famílias.
Precisamos de crianças que cresçam rodeados pela combinação certa de tempo, afecto, regras e limites que as ajudem a um desenvolvimento saudável e autónomo. Não precisam de ser excelentes a tudo nem de cumprir uma agenda intoxicante de actividades fantásticas.
Deixem-me insistir em algumas notas que já por aqui tenho escrito e usado em muitas conversas com pais.
Algumas das razões para este cenário radicam em algo que tem vindo a verificar-se, alguns excessos nos discursos sobre a "instrução" e "educação" e as questões novas que as mudanças nos valores e nos estilos de vida colocam levam a que alguns pais sintam algumas dificuldades no seu trabalho de pais e a que muito técnicos tenham tentação de fornecer um "manual de instruções" que promoverá a educação perfeita da criança perfeita.
É verdade que contrariamente ao que acontece com todos os bens, até por imposição comunitária, as crianças continuam, felizmente, a ser providenciadas aos pais sem virem acompanhadas de um manual de instruções, em várias línguas, preferencialmente.
Provavelmente por isso, ultimamente tem-se verificado um aumento exponencial na publicação destes "manuais" ou de peças na imprensa com a mesma intenção, ensinar-nos o ofício de pais. São consideradas questões como lidar com birras, com os problemas dos adolescentes, com a escola e os seus problemas, como lidar com os filhos e com os amigos dos filhos, como comunicar com eles, como gerir os seus gostos e as suas crises, como agir nas férias, como ocupar os fins-de-semana, como dialogar em família, como perceber a “cabeça” dos mais novos, como definir regras e disciplina, que alimentação e estilos de vida, como ocupar os tempos livres, que actividades fazem melhor a quê, etc. etc. Todas estas matérias são escrutinadas e analisadas de modo a fornecer, crê-se, um manual de instruções.
A imprensa, em diferentes registos, acompanha a onda, em variadíssimas secções, colaborações e colunas de aconselhamento providenciam-nos receitas, dicas, sugestões exactamente com o mesmo objectivo mas em versão telegráfica. Dado que também colaboro regularmente com a comunicação social a minha preocupação aumenta, coloca-me dúvidas e tem motivado algumas recusas.
Este frenesim assenta, creio, na melhor das intenções, tornar-nos bons pais. Pela avalanche de ajuda parece que não estamos a conseguir e a experiência mostra-me que muitos pais se sentem assustados com alguns dos discursos que lhes são dirigidos, tanto quanto com algumas das dificuldades que em algumas circunstâncias sentem com os filhos em diferentes idades.
Existem para todos os gostos, para todas as idades e escritos sob as mais variadas perspectivas. Tenho lido muitos, uma parte acho interessantes e uma eventual ajuda para alguns pais e para algumas questões, outros, devo confessar, deixam-me alguma inquietação, não passam de um enunciado de "orientações prescritivas" longe das circunstâncias de vida em que muitas famílias se movem.
Para além das ajudas que os pais possam encontrar nestes "manuais de instruções" creio ser importante sublinhar que, felizmente para todos nós, a começar pelas crianças, os pais são, de uma forma geral, intuitivamente competentes, mais "asneira", menos "asneira", mais uma "festinha", menos um "ralhete" e a estrada cumpre-se sem grandes sobressaltos. Um discurso social excessivo em torno da "psicologização" ou induzindo a ideia de que só indo a uma "escola de pais" e lendo vários "manuais de instruções" poderemos ser bons pais, pode ser mais fonte de problemas que de ajuda.
Parece-me importante que os pais falem entre si sobre as suas experiências, sem medo de que os julguem maus pais, que na relação com os técnicos ligados à educação as conversas não incidam quase que exclusivamente sobre "se está bem ou mal na escola", mas que se abordem as questões educativas também no contexto familiar de forma aberta e serena. Os "manuais de instruções" não são a solução, são, muitos deles, apenas mais uma ajuda.
Pais atentos, pais confiantes, são pais que educam sem especiais problemas. Curiosamente, alguns "manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a insegurança e a ansiedade de alguns pais.
Começo a sentir que está fazer falta alguma tranquilidade e serenidade que devolvam aos pais a confiança em si mesmos e na sua capacidade para exercer bem o papel. Sei que por vezes não é fácil. Ser pai não é mobilizar de forma prescritiva um conjunto de “práticas” receitadas por diferentes especialistas. É melhor deixar que os pais falem e encontrem por si a forma de fazer. No fundo, a maioria saberá como, precisa apenas de se sentir confiante e tranquilo. Os que verdadeiramente necessitarão de ajuda serão bastante menos.
Não precisamos de “superpais” como também não precisamos de “superfilhos”.

"SILLY SEASON"


Quando li pensei que teria sentido algum problema que me levasse a ler o que não estava escrito. Mas não, era mesmo. A Academia Portuguesa de História elegeu por unanimidade Pedro Santana Lopes como académico honorário.
A justificação, ao que parece, radica no apoio dado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de que Pedro Santana Lopes era provedor à publicação da Obra Completa do Padre António Vieira.
Apesar do apoio significativo, 500 000 euros, é claro que não poderia ser esta a razão para que alguém se tornasse académico honorário da Academia de História.
Tenho para mim que tal reconhecimento se deve à infinidade de histórias de que o Menino Guerreiro foi, é e, pelo que se anuncia, protagonista.
É na verdade um homem que deixa marcas na história do seu tempo.
Apesar do Verão arredio como se diz no Alentejo, a “silly season” está aí.

terça-feira, 24 de julho de 2018

UM PROVEDOR DA CRIANÇA


Hoje ao ler a notável entrevista de Laborinho Lúcio no Público lembrei-me das diferentes circunstâncias em que me tenho cruzado com ele e sempre me sinto agradecido por tais encontros.
Quando penso em muitos dos aspectos que envolvem a vida dos mais novos parece-me evidente a urgência e necessidade da existência de um Provedor da Criança. Seria uma figura que por "obras valerosas" e perfil ético e cívico, posicionado fora do sistema assumisse com clareza o "superior interesse da criança.
Não é uma ideia nova, já há já muitos anos o Mestre João dos Santos defendia a existência de um Provedor e desde então muita gente tem a mesma opinião.
Laborinho Lúcio, um homem do direito, da justiça como ele prefere, para quem os direitos dos menores são maiores, seria certamente uma excelente escolha. Já há algum tempo num dos nossos “cruzamentos” tive oportunidade de lhe dizer isso mesmo. Respondeu com a humildade e sensibilidade que se lhe reconhece.
Deixem-me mais uma vez recordar algo que lhe ouvi lá para trás no tempo e não mais esqueci. Estávamos os dois numa mesa de encontro no Sardoal no âmbito da protecção de crianças e jovens e Laborinho Lúcio, pedindo para que as muitas pessoas presentes no auditório não reagissem logo no início da afirmação, disse “Só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças são adoptadas pelos seus pais”.
Mas há quem não seja, demasiados.
Como também há quem não seja adoptado pela escola, pela justiça, pela saúde, pela segurança e bem-estar, etc.
Daí a necessidade de um Provedor da Criança.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

OS ENTENDIMENTOS

Coisas de um tempo pré-férias à espera de um Verão que teima em andar pelo outro lado da Europa
Alguns alunos entendem que os professores não sabem ensinar. Alguns professores entendem que os alunos não sabem aprender. Alguns pais entendem que os professores não são bons professores. Alguns professores entendem que os pais não sabem educar. Alguns alunos entendem que o que estão a aprender não tem sentido. Alguns professores entendem que os alunos são desmotivados. Alguns professores entendem que os alunos não são capazes de cumprir regras. Alguns alunos entendem que os professores não têm autoridade. Alguns professores entendem que os pais não sabem impor regras. Alguns pais também entendem que os professores não têm autoridade.
Alguns professores entendem que os pais são negligentes com os filhos. Alguns pais entendem que os professores não se preocupam com os alunos. Alguns alunos entendem que os professores não gostam de si. Alguns pais entendem que os professores não gostam dos seus alunos. Alguns professores entendem que os alunos não sabem nada. Alguns alunos entendem que os professores não ensinam nada. Alguns pais também entendem que os professores não ensinam nada.
Alguns pais entendem que os filhos dos outros pais prejudicam o seus filhos.
Também muita gente entende que existem muitas coisas que ninguém entende.
Eu entendo que se toda esta gente se entendesse conversando, os entendimentos poderiam ser outros.

A LONGA ESPERA DE BÁRBARA POR DUAS HORAS DE INDEPENDÊNCIA


O DN tem uma peça elucidativa e contada na primeira pessoa sobre os obstáculos diariamente enfrentados pelas pessoas com deficiência com mobilidade reduzida, a necessidade de usar cadeira de rodas, no caso. O título é esclarecedor, "A longa espera de Bárbara por duas horas de independência".
Trata-se apenas mais um exemplo, agora com cobertura mediática, da prova de obstáculos diária que a esmagadora maioria das pessoas com mobilidade reduzida enfrentam e que é sempre oportuno sublinhar.
Recordo que terminou em 8 de Fevereiro de 2017 o prazo de 10 anos para que fosse cumprida a legislação que tornasse os espaços, equipamentos e vias públicas acessíveis a cidadãos com deficiência.
Conforme repetidamente assinalam o Observatório para a Deficiência e Direitos Humanos e a Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes são múltiplas e significativas as dificuldades enfrentadas diariamente por pessoas com mobilidade reduzida e de deslocação no acesso a vias, espaços e equipamentos públicos. É certo que muito foi feito mas muito mais está por cumprir.
São regularmente organizadas iniciativas que que procuram alertar a comunidade as entidades responsáveis para esse conjunto de dificuldades mas o impacto é baixo e lento. Os problemas das minorias parecem ser problemas minoritários.
A questão afecta muitos cidadãos e envolve áreas como vias, transportes, espaços edifícios, mobiliário urbano e, sublinhe-se, a atitude e comportamento de muitos de nós.
Boa parte dos nossos espaços urbanos não são amigáveis para os cidadãos com necessidades especiais mesmo em áreas com requalificação recente. Estando atentos identificam-se inúmeros obstáculos.
Quantas passadeiras para peões têm os lancis dos passeios rampeados ou rebaixados ajustados à circulação de pessoas com mobilidade reduzida que recorrem a cadeira de rodas?
Quantas passadeiras possuem sinalização amigável para pessoas com deficiência visual?
Quantos obstáculos criados por mobiliário urbano desadequado?
Quantas dificuldades no acesso às estações e meios de transporte público?
Quantas caixas Multibanco são acessíveis a pessoas com cadeira de rodas?
Quantos passeios estão ocupados pelos nossos carrinhos, com mobiliário urbano erradamente colocado, degradados, criando dificuldades enormes a toda a gente e em particular a pessoas com mobilidade reduzida e inúmeros obstáculos?
Quantos programas televisivos ou serviços públicos disponibilizam Língua Gestual Portuguesa tornando-os acessíveis à população surda?
Quantos Centros de Saúde ou outros espaços da Administração central ou local criam problemas de acessibilidade?
Quantos espaços de lazer ou de cultura mantêm barreiras arquitectónicas?
Quantos …?
Na verdade, apesar do muito que já caminhámos, as crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, bem como as suas famílias e técnicos sabem, sentem, que a sua vida é uma árdua e espinhosa prova de obstáculos muitos deles inultrapassáveis.
Lamentavelmente, boa parte dessas dificuldades decorre do que as comunidades e as suas lideranças, políticas por exemplo, entendem ser a geometria variável dos direitos, do bem comum e do bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.

domingo, 22 de julho de 2018

ESCOLA INCLUSIVA, EXISTE? EDUCAÇÃO INCLUSIVA SERÁ UMA UTOPIA?


Em texto de opinião no Público sobre a questão da educação inclusiva, Rita Soares, psicóloga clínica no CADIn – Neurodesenvolvimento e Inclusão, termina escrevendo, “Nas novas escolas inclusivas, para que a inclusão não passe de uma utopia, vai ser necessário mais do que o Decreto-Lei nº 54/2018. Vai ser necessária a continuação do investimento, da reflexão e da construção constantes.
Algumas notas.
Como muitas vezes afirmo não acredito numa escola inclusiva, nada do que diga respeito a humanos é verdadeiramente inclusivo pelo que a escola também não o pode ser, a sociologia e a experiência demonstram-no desde que existe escola. O insucesso escolar, o abandono, a retenção são formas não ultrapassadas de exclusão.
Acredito, isso sim, e é um trajecto em que estou envolvido há décadas, que possamos ir construindo contextos educativos assentes em princípios de educação inclusiva. Dito de outra forma, estando todas as crianças e jovens em idade escolar na escola que todos frequentam, acredito e defendo que em cada momento e em cada escola temos de identificar e contrariar processos de insucesso e de exclusão que se instalam pelas mais variadas razões, a deficiência é apenas uma delas, sendo que muitas vezes a origem do processo de exclusão nem está sediado no aluno. Continuamos excessivamente presos à “ideia” de que educação inclusiva é algo que respeita a alunos com necessidades especiais, ainda mantenho esta terminologia.
Este caminho de educação inclusiva tem como base ser (direitos respeitados), estar (onde estão os pares da mesma idade das comunidades), aprender (tendo sempre por referência o currículo que se define para todos), participar (tanto quanto possível nas actividades comuns da comunidade educativa) e pertencer (perceber-se e ser percebido como “alguém” da escola, do grupo).
Este caminho é fundamentalmente matéria de direitos e não exclusivamente de opções políticas ou científicas.
Quanto à utopia, não, não é uma utopia, todos conhecemos múltiplas situações de alunos que, independentemente, da natureza dos seus problemas desenvolvem percursos educativos bem-sucedidos e, vamos chamar-lhes assim, inclusivos. Por tanto, não é uma utopia, é possível.
A questão é que também conhecemos múltiplas situações de escolas, professores e técnicos que guetizam, excluem, não promovem direitos, participação, pertença e aprendizagem, os verdadeiros critérios de educação inclusiva que transformam a “integração” em “entregação”, os alunos estão “entregados”, não integrados muitas vezes … em nome da inclusão.
Considerando agora o Decreto-Lei nº 54/2018, como já muitas vezes afirmei e escrevi quero muito que do processo de alteração resulte mais qualidade nos processos educativos de todos os alunos, menos exclusão, tantas vezes em nome da … inclusão, mais participação de todos os alunos nas actividades comuns, mais apoios e de qualidade aos professores de ensino regular, os actores centrais nos processos educativos de todos os alunos para além dos pais, a disponibilização de recursos suficientes, adequados e em tempo oportuno e dispositivos de regulação do trabalho desenvolvido que minimizem os efeitos em que, perdoem-me o excesso e a repetição, da dimensão o sistema é verdadeiramente inclusivo, coexistem sem um sobressalto práticas excelentes com práticas e discursos que atentam contra os direitos de alunos, famílias e docentes.
No entanto, temo que apesar de uma “nova lei” se mantenha algum “velho” quadro de práticas e visões.
O novo quadro legislativo para a educação inclusiva vem acompanhado de um “Manual de apoio à prática”. Constituirá certamente um bom contributo para as desejadas boas práticas de resposta educativa à diversidade mas … precisava de se chamar “manual”? 

sábado, 21 de julho de 2018

EM BANHO-MARIA ATÉ AO OGE

Com as “orientações” divulgadas pelo ME relativas a férias de docentes atirou-se mais uma acha para uma fogueira que vai ardendo há tempo demais. Não me pronuncio pela bondade da decisão, boa parte do nosso quadro legislativo está construído de forma a permitir uma geometria variável na sua interpretação.
Por outro lado, com o aproximar da preparação do OGE para 2019 o impacto político (eleitoral) deste conflito começa a competir com o impacto económico da sua solução.
De qualquer forma a situação está como sempre esteve desde o início, só a negociação séria e transparente a pode ultrapassar.
Deixem-me retomar algo que aqui já escrevi e que muitos parecem não querer entender ou fingem que não entendem em nome de outras agendas.
Imaginemos que qualquer de nós no desempenho da sua profissão vê que não é considerado para os efeitos previstos no quadro legal que a regula parte do tempo que trabalhou. Defender que tal decisão não é adequada não é uma “exigência” é a expressão de um direito.
Se a estrutura da carreira, do acesso, dos mecanismos de progressão e os efeitos no estatuto salarial não são adequados, justos, claros, etc. então que se desencadeiem os processos conducentes à sua eventual alteração, mas não misturemos tudo para criar confusão.
O quadro legal em vigor, gostemos ou não, é o que deve ser cumprido, é uma questão de direito. Entender o contrário é um risco embora saibamos que em Portugal existe alguma tendência para entender a lei como indicativa e não como imperativa, ou seja, é de geometria variável.
O que estará em causa é o modo e o faseamento no cumprimento da lei. E isto, mais uma vez, só se consegue negociando. Ponto.
Parece dispensável reafirmar que a serenidade é um bem de primeira necessidade em educação e parece ser o que menos temos.

DIREITO À INDEPENDÊNCIA E AUTODETERMINAÇÃO


O Regime do Maior Acompanhado foi aprovado pela Assembleia da República durante a maratona de aprovações habitual no fim de cada ano. A nova legislação substituirá depois de promulgada e entrando em vigor dentro de seis meses os regimes de interdição e de inabilitação. Foi difícil, de notar a abstenção de CDS e PSD, mas a legislação de 1996 não traduzia o quadro de direitos das pessoas com deficiência.
Dado o volume de problemas e obstáculos não está tudo resolvido mas trata-se de um passo importante na melhoria das condições de vida das pessoas com deficiência, mas não só, e no cumprimento dos seus direitos sociais e individuais.
Neste sentido é fundamental que se garanta o seu direito à independência e autodeterminação que sustentem vidas com dignidade.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

OS CONSUMOS DE ADOLESCENTES E JOVENS


O Governo desencadeia a partir de hoje uma campanha no sentido de minimizar o consumo de álcool por adolescentes e jovens. Durante 2017 o INEM respondeu a 1270 casos de menores em coma alcoólico e, nestas como noutras matérias, o número de casos reportados é significativamente inferior à prevalência real.
A questão dos consumos de diferentes substâncias é uma preocupação sempre presente nas comunidades.
No que respeita ao álcool que ”beneficia” de uma representação social mais amigável sobre o seu consumo mais amigável sabe-se que este tem vindo a crescer alterando-se também os padrões de consumo, beber na rua (é bastante mais barato) e o consumo excessivo e rápido (binge drinking) são duas características presentes. Segundo alguns especialistas, a embriaguez parece deixar de ser uma consequência do consumo excessivo para passar a ser um objectivo em si mesmo. Este padrão tem vindo a ser sublinhado por diferentes estudos sobre os hábitos dos adolescentes e jovens portugueses, cerca de 80% dos jovens com 15 anos consomem álcool segundo um trabalho da Unidade de Alcoologia de Coimbra do IDT e em 2007 56% dos jovens com 16 anos inquiridos referiram este tipo de consumos enquanto em 2003 o indicador era de 25%.
No mesmo sentido um estudo de 2015 do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências mostrou que 31% dos alunos com 13 anos já experimentaram álcool, especialmente cervejas e misturas. Algumas notas.
Uma primeiro aspecto a considerar é o facto de os adolescentes poderem facilmente comprar cerveja e outras bebidas, as “litrosas” ou os shots, como lhes chamam, no comércio mais habitual, lojas de conveniência ou pequenos estabelecimentos de bairro, a um preço bem mais acessível que nos estabelecimentos que frequentam na noite e recorrendo à “toma” simples ou com misturas ao longo da noite, comprida aliás. A presente legislação restringe o comércio e estabelece multas bem mais pesadas mas veremos o efeito prático pois em diferentes domínios a restrição devido à idade nem sempre é respeitada.
O consumo em quantidade e em grupos, sobretudo ao fim-de-semana, é muitas vezes entendido e sentido como o factor de pertença ao grupo, potenciando a escalada do consumo, juntos bebemos mais do que sós, como é óbvio e o estado que se atinge é sentido como um "facilitador" relacional e como é reconhecido o controlo das idades de quem compra seja ineficaz e facilmente ultrapassado.
Muitos adolescentes, ouvidos em estudos nesta matéria, referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista. Ainda não há muito tempo se noticiava a detecção por parte da PSP de algumas dezenas de adolescentes com menos de 16 anos identificados nas ruas durante a madrugada em Lisboa que "passeiam" sem supervisão parental.
É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes que logo desde os 13 ou 14 anos “acedem” às “litrosas” e aos shots e também aos seus pais que muitas vezes estão tão perdidos quanto eles.
Apesar de se poder vir a legislar no sentido de apenas aos 18 anos ser permitida a aquisição de qualquer tipo de álcool, parecem-me imprescindíveis a adequada fiscalização e a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo.
A proibição, como sempre, não basta, restringir a publicidade só por si não adianta.
Como muitas vezes tenho afirmado, existem áreas de problemas que afectam as comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção, ou seja, não intervir ou intervir mal é sempre bastante mais caro que a intervenção correcta em tempo oportuno.
A toxicodependência e o consumo do álcool são exemplos dessas áreas.
Quadros de dependência não tratados desenvolvem-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa espiral de consumo que exigem cada vez mais meios e promove mais dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho profissional, promove exclusão e “guetização” para além de outros efeitos graves na saúde, física e mental, ou nos comportamentos, veja-se a notícia sobre o volume de acidentes em que as pessoas envolvidas acusam consumos, diferentes consumos. Este cenário implica por sua vez custos sociais altíssimos, persistentes e difíceis de contabilizar.
Os consumos, de diferentes substâncias, por parte dos adolescentes e jovens podem relacionar-se com alguma negligência paternal mas na maioria dos casos trata-se de pais que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber, desejando que o tempo “cure”, sentem-se tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles, justificando-se a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo. 
Costumo dizer em muitas ocasiões que se cuidar é caro, façam as contas aos resultados do descuidar.

NOVO GOLPE DA CONSPIRAÇÃO PLATAFÓRMICA


Desta vez trata-se de falhas recorrentes na plataforma de inscrição dos alunos nas escolas.
Muito provavelmente a responsabilidade por mais este atentado à eficiência destes dispositivos terá a assinatura do grupo terrorista "Conspiração Platafórmica" que tantos problemas tem vindo a criar em sectores importantes da administração e em diferentes governos.
Como já aqui dei conta, em consequência de múltiplos ataques de várias plataformas e sistemas informáticos e dada a gravidade da situação, foi criado um Grupo de Trabalho para coordenar o combate à actividade terrorista das plataformas e sistemas informáticos. O grupo integra reconhecidos especialistas em contra-terrorismo como Nuno Rogeiro, o General Loureiro dos Santos, Nuno Severiano Teixeira e Marques Mendes.
Torna-se imperioso conhecer o trabalho do Grupo mas, ao que parece, terá desaparecido devido a um problema, claro, informático.
Numa medida de urgência consta que o Ministério da Administração Interna irá contratar terão sido contratados vários antivírus em regime de recibo verde e precariedade com a promessa de posteriormente acederem ao quadro uma vez que cumprirão necessidades permanentes. O Ministro das Finanças, Mário Centeno, desconhece a decisão da sua colega da Administração Interna porque dados últimos acontecimentos não lê nem envia emails e sms. Como se sabe, com a reforma administrativa e para prevenir novos gastos astronómicos em papel de fotocópia como aconteceu com Paulo Portas, o suporte papel deixou de ser utilizado na administração.
Como é evidente, sem papel ficou ainda mais exposta ao terrorismo platafórmico.
Mais a sério, é verdade que errar é humano mas … são falhas de mais sem que as responsabilidades sejam devidamente assumidas.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

AS TURMAS DE ANTIGAMENTE


Um dia destes numa roda de gente ligada à educação e fugindo ao tema do momento, a contagem do tempo de serviço, falava-se das turmas com que lidamos e como arrumamos os alunos.
Recordei a minha experiência. Até praticamente até ao fim do secundário frequentei escolas que tinham como critério fundamental de organização das turmas o comportamento e o rendimento escolar dos alunos. Assim, apesar de ir passando de ano, o meu comportamento era, por assim dizer, quase mau, pelo que sempre fui integrado em turmas de repetentes e indisciplinados. Devo dizer que eu achava que eram as melhores turmas da escola embora, vá lá saber-se porquê, os professores não tivessem a mesma opinião, sobretudo os que com elas tinham que trabalhar, os mais novos e inexperientes.
Nós, que tínhamos tal privilégio, ficávamos contentes. Quem é que poderia gostar de estar num grupo de colegas que passavam o tempo a estudar, a maior parte não sabia dar um pontapé numa bola, nunca alinhavam em faltas nem em partidas nenhumas? Ninguém. Nas minhas turmas estava sempre o pessoal mais porreiro, agora diz-se fixe, gostávamos das mesmas coisas, gozávamos na escola e assim.
Havia um problema com os meus pais. Como todos os pais, os de ontem e os de hoje, eles também achavam que eu era bom (quase sempre), o problema era as companhias e por isso queriam que eu me afastasse dos meus colegas de turma que eram más companhias. Ora isto era impossível, primeiro porque eu achava que eram boas companhias e, segundo, porque a escola cumprindo os nossos desejos nos juntava o que nós agradecíamos.
Como dizem os velhos, hoje em dia já não se fazem turmas como antigamente, as más companhias todas juntas. Tudo se perde.
Será?

AGORA O SUPERIOR, EM QUE CURSO?


Está a decorrer a candidatura ao ensino superior. A candidatura envolve uma primeira decisão que me parece de sublinhar, aceder a formação de nível superior e é um decisão importante e positiva, contrariamente ao que tantas vezes se ouve não somos “um país de doutores”, antes pelo contrário, temos ainda um nível baixo de cidadãos com formação superior. Depois coloca-se a decisão, muitos já a terão tomado, sobre que curso e as eventuais dúvidas que daqui resultam.
No que respeita à escolha do curso, a questão mais colocada pode ser assim enunciada, os jovens deverão seguir a sua motivação e interesses ou a escolha deve obedecer ao conhecimento do mercado de trabalho, isto é, nível de empregabilidade, estatuto salarial e saídas profissionais tão abordadas pela imprensa nesta altura?
Para muitos de nós, provavelmente, a resposta será fácil, seja num sentido ou no outro. Alguns dirão que cada jovem deve, obviamente, seguir o seu desejo, o seu gosto, só assim se realizará. Ideia romântica e sem noção da realidade que corre o sério risco de desembocar no desemprego, dirão outros, para os quais a escolha deve ser racional, pragmática, realista, o jovem deve procurar uma formação que lhe garanta, tanto quanto possível, saída profissional e para isso deve "estudar" o mercado e assim proceder à escolha. Os primeiros acharão que este entendimento pode levar a um risco de frustração e desencanto que podem instalar-se em quem "faz o que não gosta".
Na verdade não será fácil a escolha para muitos jovens a que acresce, frequentemente, a pressão familiar ou de outras pessoas para a "escolha acertada".
Dito isto, sou dos que entendem que cada um de nós deve poder escrever, tanto quanto as circunstâncias o permitirem, a sua narrativa, cumprir o seu sonho. Por outro lado, a vida também nos ensina que é preciso estar atento aos contextos e às condições que os influenciam, sabendo ainda a volatilidade e rapidez com que hoje em dia a vida acontece e rápida variabilidade dos mercados de trabalho.
Nesta perspectiva, parece-me importante que um jovem, sabendo o que a sua escolha representa, ou pode representar, nas actuais, sublinho actuais, condições do mercado de trabalho, faça a sua escolha assente na motivação ou no projecto de vida que gostava de construir e, então, informar-se sobre as opções, sobre as escolas e respectivos níveis de qualidade a que pode aceder para se qualificar.
Finalmente, do meu ponto de vista, boa parte da questão da empregabilidade, mesmo em situações de maior constrangimento, relativiza-se à competência, este é o ponto fulcral. 
Na verdade, o que frequentemente me inquieta é a ligeireza com que algumas pessoas parecem encarar a sua formação superior, assumindo logo aqui uma atitude pouco "profissional", cumprem-se os serviços mínimos e depois logo se vê. A formação académica é mais do que um título que se cola ao nome, é um imprescindível conjunto de saberes e competências que sustentam um projecto de vida pessoal e profissional com melhores perspectivas de sucesso.
Mesmo em áreas de mais baixa empregabilidade, ou assim entendida, continuo a acreditar que, apesar dos maus exemplos que todos conhecemos, a competência e a qualidade da formação e preparação para o desempenho profissional, são a melhor ferramenta para entrar nesse "longínquo" mercado de trabalho.
Dito de outra maneira, maus profissionais terão sempre mais dificuldades, esteja o mercado mais aberto ou mais fechado.
Boa sorte e boa viagem para todos os que vão iniciar agora esta fase fundamental nas suas vidas.

quarta-feira, 18 de julho de 2018

A HISTÓRIA DO FERNANDO, UM HERÓI


Da nossa vida fazem parte alguns heróis, uns de ficção que aparecem junto de nós transportados nos livros ou nos filmes, que passam a ser companhias próximas e parceiros de aventuras, outros inventados pela fantasia que se vai modificando à medida que se cresce e outros, reais, porque em algum momento realizaram acções ou comportamentos que os tornaram heróis aos nossos olhos, às vezes, durante pouco tempo, outras vezes permanecendo com essa aura sempre que nos lembramos deles.
Um dos meus heróis reais de miúdo foi o meu amigo Fernando, colega de primária. Já vos falei dele, tinha os melhores pés para o futebol que alguma vez vi naquelas idades, ajudava-nos a ganhar quase sempre os jogos com o pessoal de fora. Mas o que o tornou um herói foi a sua atitude revolucionária, a primeira a que assisti, para com o terror da nossa escola, a Régua, é verdade, a Régua.
O que nós sofremos com aquela Régua, apanhávamos pelos erros, pelas contas mal feitas, por atraso ou distracção, por comportamento. Podia dizer-se que levávamos reguadas por dois motivos fundamentais, por tudo e por nada. Às vezes, num requinte de fino recorte, o professor dizia a um de nós para bater no colega e se achasse que nós batíamos devagar, dava ele nos dois. Tínhamos um indescritível amor à Régua.
Um dia, o Fernando, um dos mais frequentes e bons utilizadores dos serviços da Régua trouxe uma ideia, roubar a Régua. Todos nos entusiasmámos com a lembrança e com a adrenalina da acção e a coisa foi combinada, muito bem combinada, profissional mesmo. Um grupo pequeno, à saída, pediu ao professor para ir ver algo nas traseiras da escola enquanto o Fernando, o herói, ficou na sala e roubou a malvada Régua. Nesse dia à tarde, depois da escola, ainda não tinham inventado o dia inteiro de intoxicação escolar e ainda se brincava na rua, juntámo-nos num espaço discreto e imaginem, queimámos a Régua. O Fernando ficou um herói, foi ele que acendeu o fósforo da fogueirinha em que a Régua se transformou, merecia.
No outro dia, para não variar, o professor procurou a Régua na gaveta da secretária e, claro, não a encontrou. Vociferou, perguntou se sabíamos quem a tinha tirado, o grupo calou-se, todo, ficámos sem intervalo mas ganhámos um herói, o Fernando.
Dias depois, apareceu uma Régua nova na sala e …

terça-feira, 17 de julho de 2018

À MESA NAS ESCOLAS


Diferentes partidos com representação parlamentar têm defendido iniciativas que melhorem a eficiência e a qualidade das cantinas escolares. As ideias vão desde a melhoria da fiscalização à devolução à administração da responsabilidade pelas cantinas.
Trata-se de uma questão que recorrentemente é notícia por queixas relativas a qualidade quantidade do que é servido. Durante estanho lectivo a ASAE intensificou a fiscalização com a instauração de algumas dezenas de processos.
É também conhecido que muitas crianças e adolescentes encontram na escola a única refeição consistente e equilibrada a que acedem levando a que em muitas autarquias as cantinas escolares funcionem também no período de férias ou de interrupção de aulas.
As refeições escolares, tal como o trabalho educativo na escola, são essenciais para o bem-estar das crianças e adolescentes. Assim, a escola, também na forma como os miúdos se alimentam, deve merecer a confiança da comunidade.
Nesta matéria estarão envolvidas questões relativas aos modelos de serviço, em outsourcing e sem regulação apropriada, a tentação do aumento do lucro hipotecando quantidade, qualidade e serviço, negligência e falta de fiscalização, pessoal insuficiente, etc., incluindo um acidente sempre possível.
A tudo isto importa dar resposta, nenhuma dúvida sobre isso.
No entanto, a fiscalização do serviço prestado por parte das entidades responsáveis não pode parecer reactiva, exige-se que seja preventiva. Não se pode falhar num serviço desta natureza. Trata-se do bem-estar dos miúdos e não só.

GOSTEI DE LER "E DIZ O INTELIGENTE ..."


Gostei de ler o texto de Mário Cordeiro no I, “E diz o inteligente …”, a propósito das corridas de toiros e a sua defesa enquanto tradição. Na mesma linha da abordagem de Mário Cordeiro escrevi aqui há dias, “A tradição e a cultura que este "espectáculo", a "festa brava" alimenta não colhe só por si como argumento em sua defesa. Como é óbvio, nada se deve manter só porque é tradicional ou integrado na cultura, se tal representar um atentado a direitos básicos. Posso, com uma ponta de demagogia evidentemente, evocar a "tradição" e "cultura" que alimentaram os combates de gladiadores, escravatura, a pena de morte, ou mesmo a violência doméstica e a exploração infantil, que de tradição e cultura passaram a procedimentos inaceitáveis e mesmo criminalizados.”
(…)
(…)

segunda-feira, 16 de julho de 2018

E DEPOIS DAS FÉRIAS?


Com se sabe, do último encontro entre a Plataforma Sindical representativa dos professores e o ME saiu a criação de uma comissão técnica que analisará o impacto da contagem integral do tempo de serviço prestado pelos professores na idade do gelo.
Como também se sabe, entre nós a criação de uma comissão técnica, também conhecida por grupo de trabalho, com demasiada frequência costuma ser mais uma parte do problema e não um contributo para a solução. Como sou optimista, talvez desta vez assim não seja.
Entretanto as águas continuam agitadas, existem professores que estão em greve promovida pelo recém-criado STOP e os que que parecem dispostos a finalizar as avaliações e o ano lectivo. Os directores temem que tal cenário possa levar a uma nova frente de tensão nas escolas.
Como sou optimista, talvez não seja mais um foco de tensão. Os professores já resistiram a outras situações de tensão entre si, recordo o período de Maria de Lourdes Rodrigues e a divisão criada entre professores titulares e os outros, associada a uma delirante avaliação e ao estabelecimento de quotas.
Como sou optimista quero acreditar que depois das férias o ano lectivo começará com toda a normalidade, com toda a serenidade, com toda a tranquilidade, com toda a …
Ou será que vai começar como este acabou?

DAS CRIANÇAS E JOVENS EM RISCO


As CPCJ acompanharam 69 967 crianças e jovens menos 1049 que em 2016. Deste universo 837 crianças ou jovens têm algum tipo de deficiência ou incapacidade.
Duas notas para registar a elevada percentagem de famílias monoparentais, 35%, e de famílias reconstituídas, 12% e para a continuação do aumento da percentagem de agregados familiares com escolaridade ao nível de bacharelato ou ensino superior, 8% dos casos acompanhados em 2017.
Este cenário mostra como circunstâncias e estilos de vida de risco para as crianças e adolescentes nem sempre são atenuados pela formação escolar. Aliás, os dados de múltiplos estudos sobre a forma como estudantes universitários percebem a violência nas relações amorosas indicia o que poderemos encontrar e em futuros agregados familiares.
A tipologia das situações acompanhadas tem a distribuição que se tem verificado nos últimos anos cuja categorização foi alterada face ao relatório de 2016 envolveu Negligência, 40,8%, Comportamentos de perigo na infância e juventude, 18,3%, Situações de perigo que colocam em causa o direito à educação, 17,3%, Exposição à violência doméstica,12,5%.
Deve ainda considerar-se que nem todos os casos chegam às Comissões de Protecção o que torna o cenário ainda mais preocupante sendo que na sua esmagadora maioria são sinalizados por autoridades policiais e escolas.
Embora não possa ser estabelecida de forma ligeira nenhuma relação de causa efeito, as dificuldades severas que muitas famílias têm atravessado e a insuficiência de apoios sociais não serão alheias a muitas das situações de risco em que crianças e jovens estão envolvidos pois os estudos mostram que crianças e velhos constituem justamente os grupos mais vulneráveis.
De há muito, a propósito de várias questões, afirmo que em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no incontornável “superior interesse da criança", não possuímos ainda o que me parece mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens como alguns exemplos que regularmente se conhecem evienciam.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens que procuram fazer um trabalho eficaz estão ainda longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis. Na sua grande maioria as Comissões têm responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das Comissões, a designada Comissão restrita, é composta por muitos técnicos em tempo parcial. Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os procedimentos necessários. Ainda acontece que depois de alguns episódios mais graves se oiça uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava “sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada intervenção. Em Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande dificuldade é minimizar ou resolver ou minimizar os problemas das crianças referenciadas ou sinalizadas.
Por isso, sendo importante registar uma aparente menor tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos, também será fundamental que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.

domingo, 15 de julho de 2018

DA MEDITAÇÃO


O Público solicitou-me um pequeno comentário à utilização da meditação, em particular do “mindfulness,” nos contextos educativos.
É reconhecido que a evidência científica sobre os seus efeitos não é conclusiva como também são conhecidas, a peça do público mostra, a existência de múltiplas experiências cujos responsáveis entendem como muito úteis e promotoras de bem-estar.
Não sou um especialista neste tipo de intervenção e a minha colaboração foi noutro sentido.
Tenho muita reserva em acreditar em abordagens percebidas como mágicas que minimizem ou resolvam problemas que são muito complexos como o comportamento e aprendizagem de crianças e adolescentes em idade escolar.
Do meu ponto de vista o caminho passa mais por estruturar com competência e apoios ambientes educativos escolares e familiares que de facto promovam aprendizagem, educação, auto-regulação e autonomia desde muito cedo nas crianças.
Remeter para “métodos” ou abordagens específicas a solução de dificuldades multi-dimensionadas, apesar de se poder afirmar algum tipo de ganho, pode fazer o correr o risco de remeter para fora da esfera de acção do professor que recebe uma criança na sala de aula ou da família que a educa cujo trabalho é insubstituível. Talvez não seja a melhor forma de ajudar e desenvolver apesar, insisto, de alguns contributos que destas intervenções possam decorrer.
Julgo que é também nisto que temos de meditar.

sábado, 14 de julho de 2018

A MATEMÁTICA REVISTA EM BAIXA


Depois dos resultados nos exames finais do secundário foram ontem divulgados os do 9º ano.
De registar uma subida na média em português, de 58 para 66 pontos sendo de registar que 87% dos alunos conseguiram obtiveram um resultado superior a 50%.
No entanto, a Matemática os resultados foram preocupantes, cerca de 52% dos alunos tiveram média negativa, a média foi de 47 uma das mais baixas dos últimos anos. De notar que 28,5% dos alunos tiveram classificações inferiores a 25 pontos e 2346 zero pontos, sendo que realizaram o exame 94524 alunos.
As razões para cenário serão múltiplas sendo que não parecem decorrer da excessiva dificuldade do exame. Algumas notas.
Como ainda há pouco escrevia e apesar de alguns progressos que se têm verificado, o problema começa no 1º ciclo e naturalmente vai tendo repercussões ao longo do percurso escolar dos alunos levando mesmo que muitos escolham trajectos “apenas” porque não terão Matemática.
Já este ano foi divulgado pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência o estudo “Principais indicadores de resultados escolares por disciplina - Série temporal 2011/12 – 2015/16 - 3.ºCiclo - Ensino Público”.
Em 2015/2016, 33% dos alunos concluíram o 9º ano com negativa a Matemática. Ao longo da série temporal considerada, 11/12 a 15/16, esta percentagem subiu e a taxa de recuperação não ultrapassou os 20%. A Matemática é a disciplina com mais negativas e a com menor taxa de recuperação. As disciplinas de Inglês, Físico-Química e Português apresentam também níveis de reprovação significativas mas bem menores que a Matemática.
Os dados estão em linha com o trabalho divulgado no ano passado “Resultados escolares por disciplina - 3.º Ciclo - Ensino Público - Ano lectivo 2014/2015” com informação dos 3 anos do ciclo de que recupero alguns indicadores.
Em termos globais o chumbo atingia 13.1% dos alunos no ciclo. Por anos o 7º é o que registava maior retenção, 16.7%, indicador também é verificado nos anos iniciais de cada ciclo. Embora no 8º e 9º a retenção diminua tal não parece decorrer de trabalho de recuperação mas do facto de muitos alunos retidos no 7º serem encaminhados para outros trajectos escolares.
Ao nível dos aspectos mais finos da retenção é inquietante que 66% dos alunos que chumbam no 7º ano reprovam a seis ou mais disciplinas sendo a Matemática a que apresenta indicadores mais pesados. No entanto, se o critério for de cinco disciplinas ou mais a taxa passa para uns dramáticos 85% que, evidentemente, são altamente condicionantes de um trabalho de recuperação bem-sucedido.
Um outro dado, também em linha com o que se verificou no 2º ciclo e sem surpresa, é a fortíssima associação entre os altos níveis de retenção e a mais disciplinas e as condições socioeconómicas familiares. De facto, em todas as disciplinas no 7º ano os alunos que reprovam e estão incluídos no Escalão A da Acção Social escolar (famílias com menores rendimentos) são o dobro de alunos com negativas mas não abrangidos pela Acção Social Escolar.
No 2º ciclo, estudo também divulgado em 2017 e respeitante a 2014/2015, a Matemática era claramente a disciplina em que os alunos têm menor desempenho. Cerca de 30% dos alunos tiveram resultado negativo e é também a disciplina em que os alunos sentem mais dificuldade em recuperar, passar de resultado negativo para resultado positivo.
Registe-se também aqui a relação entre o desempenho escolar e o contexto socioeconómico familiar, no 5º ano 44% dos alunos no escalão máximo de acção social escolar tiveram negativa a Matemática, 28% dos alunos no segundo escalão e 16% não envolvidos em dispositivos de apoio.
No entanto e relativamente a este último aspecto, a associação entre variáveis de contexto socioeconómico e os resultados escolares, a escola pode fazer a diferença e contrariar o destino. As boas práticas e experiências conhecidas mostram que é possível.
Os resultados a Matemática ao longo da escolaridade obrigatória estarão associados, não numa relação de causa-efeito, a múltiplas variáveis, desde logo como já vimos pelas circunstâncias sociais e demográficas onde não pode deixar de se incluir, o nível de escolaridade dos pais.
Por outro lado, variáveis como modelo e conteúdos curriculares em discussão este ano nos exames do secundário, número de alunos por turma, tipologia das turmas e das escolas, dispositivos de apoio às dificuldades de alunos e professores ou questões de natureza didáctica e pedagógica terão também algum peso e algumas vezes já aqui referimos estas questões. No caso do básico, alunos mais novos, creio que poderá ser considerado um potencial efeito decorrente de um programa demasiado prescritivo e normativo organizado em torno de conjunto extenso e burocratizado de metas curriculares pouco amigáveis para responder  à diversidade dos alunos e a eventuais dificuldades dos alunos.
Acresce a esta complexidade um conjunto de outras variáveis menos consideradas por vezes mas que a experiência e a evidência mostram ter também algum impacto.
São variáveis de natureza mais psicológica como a percepção que os alunos têm de si próprios como capazes de ter sucesso, os alunos de meios menos carenciados percebem-se como mais capazes de aprender matemática.
É também conhecido que os pais com mais qualificação e de mais elevado estatuto económico têm expectativas mais elevadas sobre o desempenho escolar dos filhos o que se repercute na acção educativa e nos resultados escolares e, naturalmente, mais facilmente mobilizam formas de ajuda para eventuais dificuldades, seja nos TPC, seja através de ajuda externa.
Finalmente uma outra variável neste âmbito, a representação sobre a própria Matemática. Creio que ainda hoje existe uma percepção passada nos discursos de muita gente com diferentes níveis de qualificação de que matemática é uma “coisa difícil” e ainda de que só os mais “inteligentes” têm “jeito” para a Matemática. Esta ideia é tão presente que não é raro ouvir figuras públicas afirmar sem qualquer sobressalto e até com bonomia que “nunca tiveram jeito para a Matemática, para os números”. É claro que ninguém se atreve a confessar uma eventual “falta de jeito” para a Língua Portuguesa e às vezes bem que “parece”. A mudança deste cenário é uma tarefa para todos nós e não apenas para os professores e seria importante que acontecesse.
De facto, este tipo de discursos não pode deixar de contaminar os alunos logo desde o 1º ciclo convencendo-se alguns que a Matemática vai ser difícil, não vão conseguir ser “bons” e a desmotivar-se.
Não fica fácil a tarefa dos professores mas no limite e como sempre será a escola a fazer a diferença. Não podemos falhar apesar da dificuldade do caderno de encargos.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

DO CURRÍCULO E DA INCLUSÃO


Por generoso convite da Pró-inclusão: Associação Nacional de Docentes de Educação Especial que comemorou os 10 anos de existência, participei num evento em que com a companhia da Professora Maria do Céu Roldão reflectimos sobre “Currículo e Inclusão”.
Conversa e debate estimulantes, para além das outra intervenções do Simpósio que também ouvi apesar de, lamentavelmente, não ter assistido a todo o programa.
Notas breves.
O currículo constitui-se como um dos mais importantes eixos estruturantes da promoção de uma educação inclusiva que “mais não é” do que responder de forma positiva à diversidade presente em cada grupo de alunos, qualquer que seja a natureza da diversidade. Aliás, a diversidade é a característica mais evidente de qualquer sala de aula em qualquer escola das sociedades actuais.
O currículo terá necessariamente de corresponder a uma visão do que é educação e, naturalmente, do que é uma educação para todos, que não deixe alunos para trás e também não remeta alunos para fora dos ambientes de aprendizagem que todos frequentam.
Nesse sentido, creio que embora possamos questionar que o modo e tempo utilizados na operacionalização, registo com agrado a definição de um perfil de alunos e o estabelecimento de aprendizagens essenciais num modelo diferente do excesso, da norma e da prescrição presente nas metas curriculares que, do meu pinto de vista, são pouco amigáveis para a diversidade dos alunos.
No entanto, apesar da importância do modelo e conteúdos dos currículos fica sempre a acção do professor.
O seu desempenho na definição de ambientes educativos eficientes para todos os alunos ou, na expressão de Zabalza com quem também nesta semana tive o privilégio de estar, no estabelecimento de “coreografias didácticas” que promovam a participação e aprendizagem de todos os alunos é central.
Neste sentido, a autonomia, a valorização, a formação contínua com um projecto de desenvolvimento e com visão não casuística ou reactiva a “modas” ou pacotes legislativos, a reorganização dos tempos que fomente a colaboração, a existência de dispositivos de apoio competentes e suficientes são, entre outros, alguns dos aspectos críticos do trabalho do docente.
Com estruturante e regulador deste trabalho estará sempre o currículo. Neste sentido é particularmente relevante a forma como será, de facto, operacionalizado o que que está definido em matéria de currículo no Regime Jurídico da educação Inclusiva a vigorar no próximo ano lectivo. Algumas das disposições levanta-me dúvidas e temo que que sem regulação possam dar continuidade de outra forma a situações de guetização através do currículo e ... em nome da inclusão.
A ver vamos, esperando e acreditando que tudo correrá bem. 

quinta-feira, 12 de julho de 2018

OS RESULTADOS DOS EXAMES DO SECUNDÁRIO


Foram conhecidos os resultados dos exames nacionais do secundário. Verificaram-se ligeiras descidas ou subidas relativamente ao ano passado e todas as disciplinas apresentam média a partir dos 9.5. De mais relevo o caso da Matemática A com uma descida de considerar e cujo exame levantou várias questões por estarem em avaliação currículos diferentes e pela introdução já depois do exame de ajustamentos nos critérios de correcção.
Algumas notas breves sobre os exames em torno de três questões, existência, modelo e função.
Creio que no contexto actual a existência de exames nacionais no ensino secundário parece-me justificada como forma de regulação advinda de uma avaliação externa associada à avaliação interna que como se sabe é contaminada pela reconhecida “simpatia de algumas escolas, sobretudo privadas.
No que respeita ao seu modelo creio que seria de reflectir no sentido de caminhar para modelos de exame mais integrados em matéria curricular e menos centrados em mobilização instrumental de conhecimentos e mais diversificados nos dispositivos e suportes. Talvez conseguíssemos minimizar a existência de um ensino fundamentalmente centrado na preparação para o exame
A terceira questão, a função, parece também carecer de reflexão e mudança como muitas vezes tenho referido.
Contrariamente ao que se passa em muitos países, os resultados dos exames têm um peso muito significativo no acesso ao ensino superior o que contamina e enviesa aquela que me parecer a sua função central. Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário. Não deveria ser mais do que isto.
Como tantas vezes tenho defendido, o acesso ao ensino superior é uma outra matéria que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela.
A situação existente, não permite qualquer intervenção consistente do ensino superior na admissão dos seus alunos, a não ser a pouco frequente definição de requisitos em alguns cursos, o que até torna estranha a passividade aparente por parte das universidades e politécnicos, instituições sempre tão defensoras da sua autonomia. Parece-me claro que o ensino superior fazendo o discurso da necessidade de intervir na selecção de quem o frequenta não está interessado na dimensão logística e processual envolvida.
Os resultados escolares do ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
Sediar no ensino superior o processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos decorrentes do facto da média de conclusão do ensino secundário ser o único critério utilizado para ordenar os alunos no acesso e eliminaria o “peso” das notas inflacionadas em diversas circunstâncias e tantas vezes divulgado. Minimizaria também a forma como é percebida pelos alunos a importância de todas as disciplinas do secundário sobrevalorizando, naturalmente, as disciplinas específicas relativamente ao curso a que pretendem aceder.
Será que se chegará a algum consenso sobre algumas destas questões sem pressa e devidamente estudadas?

UM SONHO OLÍMPICO


Finalmente. Os prémios atribuídos a atletas por bons resultados em Jogos Olímpicos, Jogos Paralímpicos, Campeonatos do Mundo e Campeonatos da Europa estão equiparados além de aumentados.
No entanto, se bem se recordam, o apoio à preparação de atletas olímpicos é de geometria variável, ou seja, se forem atletas olímpicos têm acesso a um apoio social significativamente superior aos atletas olímpicos que são cidadãos com deficiência, chamam-lhes atletas paralímpicos. Na votação do OGE para 2018 a Assembleia da República chumbou com votos contra do PS e a abstenção do PSD um processo faseado de equiparação.
Ao que parece a razão é o brutal impacto financeiro da medida, 700 000 euros e a argumentação do “centrão” é patética, para ser simpático.
Também por estas razões insisto numa das minhas utopias, um dia teremos apenas Jogos Olímpicos em que todos as provas, de todos os desportistas, se realizem no mesmo espaço de tempo e nos mesmos espaços físicos de acordo, evidentemente, com as exigências específicas.
Não é impossível em termos de organização e assim como não consigo aceitar que uma piscina pública seja frequentada por um grupo de pessoas com deficiência em “horário próprio” com "pistas reservadas", também acho que as pessoas, todas as pessoas, podem competir num mesmo evento nas respectivas provas.
Lembro-me sempre da afirmação de Biesta, a história da inclusão é a história da democracia e, do meu ponto de vista, também passa por aqui.
Só depende de nós.
Sim, eu sei, é um sonho olímpico. Será, mas não é seguramente paralímpico.