quarta-feira, 8 de novembro de 2017

DA PRESSÃO SOBRE AS CRIANÇAS PARA A EXCELÊNCIA NO DESEMPENHO

O Público divulga um trabalho realizado pela Imaginarium sobre a “A felicidade e a infância”. Foram inquiridos 1131 pais e filhos entre os 0 e os 8 anos sobre diversas questões.
Umas notas sobre alguns dos dados encontrados que mereciam várias reflexões.
A generalidade dos pais percebe os filhos como felizes e nos miúdos a percepção de felicidade baixa com a idade embora se mantelha elevada. 
Um outro dado interessante remete para algo que muitas vezes abordo aqui e em trabalho com a pais, estes valorizam enormemente (99.8%) o tempo de qualidade partilhado com os filhos como base para o bem-estar. No entanto mais de metade afirma que passa pouco tempo de qualidade com os filhos e seis em cada dez entendem que os filhos sentem a sua falta. Também a maioria, 89.9% tem dificuldade em conciliar vida familiar com vida profissional.
Um técnico citado pelo Público levanta a questão da pressão sobre as crianças a partir da entrada na escolaridade obrigatória como factor associado ao decréscimo da percepção de felicidade por parte destas.
De facto, em múltiplas conversas com pais tem emergido com progressiva regularidade discursos que sugerem a instalação nem sempre muito consciente de uma enorme pressão sobre os miúdos para a excelência do seu desempenho e em múltiplos aspectos.
Na verdade, fruto dos estilos de vida, de alterações nos valores e cultura e das dificuldades genéricas que enfrentamos, tem vindo a instalar-se de mansinho em muitos pais, e também dentro das instituições educativas, uma atitude e um discurso de exigência e de pressão para a excelência no desempenho dos miúdos, a começar pelos resultados escolares.
A questão não tem, evidentemente, a ver com a natural atitude de exigência mas um sim com a pressão muito forte para a produção e alto nível de rendimento e cada vez mais cedo pois, supõe-se, ganharão vantagens.
Esta visão emergindo cedo pode fazer comprometer desde logo o cumprimento dos objectivos e função da educação de infância que não deve ser vista como a “preparação para a escola” e, muito menos, como “o primeiro tempo de escola” o que desvaloriza a sua verdadeira função e contém riscos para o desenvolvimento das crianças e, sim, também para o seu sucesso educativo e escolar.
Por outro lado, o clima instalado relativamente à pressão para resultados e para excelência e à forma como o sistema educativo tem sobrevalorizado a medida contribui para alimentar de um ambiente educativo competitivo e selectivo que cria em muitas crianças uma pressão fortíssima para a excelência dos resultados. Não é raro, antes pelo contrário e de acordo com as disponibilidades das famílias que a seguir à escola muitas crianças caminhem para os centros de explicações que acabam por funcionar como AAE, Ateliers de Actividades Escolares respondendo como 2 em 1, tomam contas das crianças e melhoram, espera-se, o seu rendimento escolar.
Acresce que esta excelência que é exigida é extensiva a todas as áreas em que os miúdos se envolvem, devem ser excelentes a tudo.
Deste entendimento, para além do tempo infindo que os miúdos passam na escola, surge uma ainda uma oferta com uma diversidade espantosa que tornará as crianças fantásticas, excelentes, em montanhas de coisas que lhes fazem uma falta tremenda para se prepararem para o futuro, basta atentar na oferta disponível.
A vida de muitas crianças transforma-se assim num espécie de agenda, passando o dia, incluindo fins-de-semana, a saltar de actividade fantástica em actividade fantástica, numa agitação sem fim.
Acontece que algumas crianças, por questões de maturidade ou funcionamento pessoal, suportam de forma menos positiva esta pressão o que poderá gerar o risco de disfuncionamento, rejeição escolar e, finalmente, insucesso.
Também sei que em muitas destas actividades estará presente uma genuína preocupação dos seus responsáveis pela qualidade e adequação do trabalho que realizam com os miúdos. A questão é que esse trabalho é apenas um dos mil trabalhos com que se vai enchendo a vida dos miúdos.
A melhor forma de preparar os miúdos para o futuro é cuidar bem deles no presente, desejavelmente sem faltas, mas também sem excessos.

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