Conforme já tinha anunciado o ME vai formalmente proceder à extinção do
ensino vocacional no ensino básico. Retomo notas que na altura do anúncio da decisão por aqui deixei e partilhei em
espaços de intervenção profissional.
A forma como a decisão foi
recebida na altura em que foi anunciada, creio que em Maio, e a discussão que
se tem gerado é, do meu ponto de vista, contaminada por alguns equívocos
presentes desde logo pela colocação de questões como “sim ou não ao ensino
vocacional?”
Como muitas vezes tenho afirmado
é fundamental diversificar a oferta formativa, ou seja, promover a
diferenciação de percursos. Só por esta via me parece possível atingir um
objectivo absolutamente central e imprescindível, todos os alunos devem aceder
a alguma forma de qualificação, única forma de combater a exclusão e responder
mais eficazmente à principal característica de qualquer sala de aula actual, a
heterogeneidade dos alunos. Aliás, o alargamento da oferta formativa de
natureza profissional no âmbito do ensino secundário que também está a
acontecer apesar de constrangimentos e sobressaltos é um passo nesse sentido e
tem contribuído para baixar os níveis de abandono. Importa, no entanto,
garantir que esta oferta não seja preferencialmente dirigida para os "que
não servem" para a escola.
Parece, pois, claro que temos de
estruturar percursos de ensino com formação de natureza profissional. A questão
que se coloca é quando deve ser disponibilizada esta oferta e para quem.
Relativamente ao modelo que
esteve em vigor sempre considerei fortemente discutível, até num plano ético, a
introdução desta diferenciação tão cedo, aos 13 anos, e “obrigatória” para os
que chumbam. Por outro lado, aos 13 anos, apesar de se remeter a “decisão” para
um processo de orientação vocacional que a insuficiência gritante de recursos
não permite assegurar, que alunos decidem? Alguém vai decidir por eles.
Poucos sistemas educativos
assumem este entendimento e o facto de o ensino alemão, a inspiração de Nuno
Crato, colaboradores e admiradores, o admitir não é uma certificação da
correcção do modelo como atestam as apreciações internacionais.
Na verdade, relatórios da OCDE e
da UNESCO têm sustentado que a colocação dos alunos com piores resultados
escolares em ensino de carácter técnico e vocacional muito cedo em vez da
aposta nas aquisições escolares fundamentais aumenta a dificuldade na
mobilidade social com reflexos ainda mais pesados num país como o nosso, ainda
com baixa qualificação escolar em muitas famílias para além das suas
dificuldades económicas.
Neste patamar etário, mais do que
de ensino vocacional os alunos precisam de apoios que lhes permitam, bem como
aos seus professores, minimizar dificuldades e risco de insucesso.
É real e devastador o cenário
que ainda temos em matéria de retenção. Temos de responder às causas deste
enorme problema mas não podemos mascarar as estatísticas empurrando os “maus”
para percursos que “recebem” um rótulo de “segunda” pois são percebidos por
parte da comunidade como destinados aos menos dotados, “preguiçosos” ou com
problemas vários. É, no entanto, verdade que a sua deriva para o ensino
vocacional também compunha estatísticas.
Por outro lado, este tipo de
oferta tem de ser adequado às comunidades educativas e dotada dos recursos e
meios necessários bem como de maior e efectiva autonomia das escolas. Como tem
sido referido em diferentes avaliações e pelas direcções escolares esta
situação está longe de acontecer.
Julgo ser de sublinhar que todos
os alunos deverão cumprir uma escolaridade de 12 anos e que a idade de entrada
no mercado de trabalho é aos 16 o que deve ser ponderado no desenho de ofertas
formativas que envolvam trabalho em empresas. Aliás, esta questão deve, é uma
forte convicção, ser também considerada quando se trata de alunos com
necessidades especiais que ao abrigo de um dispositivo estranhamente designado
por Currículo Específico Individual são em algumas circunstâncias sujeitos a
situações pouco claras que de educação, formação ou inclusão têm pouco, seja em
espaço escolar, seja em espaço institucional ou laboral. Também por isto o
modelo que estava em vigor parece francamente desajustado tendo sido
desencadeada a sua generalização sem que nessa altura tivesse terminado a sua
avaliação.
Nesse modelo os alunos com
insucesso, estamos a falar, presumo, de gente com capacidades
"normais" iriam “obrigatoriamente” para o ensino vocacional. Como já
referi e é reconhecido o insucesso escolar é mais prevalente em famílias mais
desfavorecidas. Neste cenário, como a UNESCO reconhece, mantém-se formalmente a
velha ordem, os mais pobres "destinados" preferencialmente para o
trabalho manual e os mais favorecidos preferencialmente para o trabalho
intelectual.
A diferenciação dos percursos é
necessária e imprescindível, incluindo ensino vocacional, mas, reafirmo, deve
surgir mais tarde, disponível para todos os alunos como se verifica na maioria
dos sistemas educativos que se preocupam com os alunos, com todos os alunos. O
que deve estar disponível desde sempre são dispositivos de apoio suficientes,
competentes e oportunos a alunos e professores e alguma diferenciação que
permita acomodar melhor a diversidade dos alunos.
A ideia de um ensino básico
universal, constante no Programa do Governo e com a qual em princípio concordo,
não me parece contraditória com a definição de alguma diferenciação de
trajectos que também defendo.
Esta diferenciação pode traduzir-se,
por exemplo, na introdução no que agora é o 3º ciclo de algumas disciplinas de
natureza opcional.
A existência de um modelo
curricular deste tipo permitiria, se necessário com orientação adequada,
optimizar as escolhas dos alunos e a sua entrada no ensino secundário. Neste
patamar deverá estar disponível uma oferta mais diversificada incluindo alguma
já de natureza profissionalizante.
Finalmente, julgo que este
caminho de diferenciação deveria ser também acompanhado pelo acréscimo real de
autonomia das escolas e agrupamentos incluindo a dimensão curricular e a oferta
educativa.