Segundo o relatório semestral da Procuradoria-Geral
Distrital de Lisboa o Ministério Público, ontem divulgado, registou perto de 500 casos de abuso
sexual de menores quando no mesmo espaço de tempo em 2015 eram 128. Até
Setembro foram registadas 700 situações contra 900 em todo o ano de 2015. Uma
realidade inquietante.
De acordo com a responsável por
esta área de investigação “Tem havido muito mais participações. Vêm sobretudo
da família das vítimas mas também das escolas e comissões de menores."
Na verdade continua com uma
regularidade impressionante a revelação de casos de abusos sexuais sobre
crianças e adolescentes, a maioria em situações envolvendo familiares, amigos
ou conhecidos da crianças ou famílias e também instituições que lidam com as
menores.
Esta circunstância decorre de um
aspecto que me parece fundamental não esquecer nunca e que os dados agora
divulgados também sustentam. A maioria dos abusos sexuais sobre crianças ocorre
nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em instituições que,
provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão tornado mais atentas
e eficazes na prevenção de abusos, embora continuem, evidentemente, a acontecer
como tem sido divulgado. Os indicadores sugerem que entre 70 a 80% das
situações de abuso a responsabilidade é de alguém que a criança conhece e em
quem confia.
Apesar das mudanças verificadas
em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada na criação de
uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam
expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com
base num sentimento de posse e usufruto quase medieval.
Muitas crianças em situação de
abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da
denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de
que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual
das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se
sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar ou
ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos
que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais
casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da
eficiência do sistema de justiça, continua a ser absolutamente necessário que
as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da educação,
sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo de menos positivo se passa com eles.
Esta atitude de permanente,
informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do
meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre
as crianças e o enorme sofrimento provocado.
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