quarta-feira, 19 de outubro de 2016

QUERIDA FAMÍLIA, AMIGOS, CONHECIDOS E PROTECTORES

Segundo o relatório semestral da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa o Ministério Público, ontem divulgado, registou perto de 500 casos de abuso sexual de menores quando no mesmo espaço de tempo em 2015 eram 128. Até Setembro foram registadas 700 situações contra 900 em todo o ano de 2015. Uma realidade inquietante.
De acordo com a responsável por esta área de investigação “Tem havido muito mais participações. Vêm sobretudo da família das vítimas mas também das escolas e comissões de menores."
Na verdade continua com uma regularidade impressionante a revelação de casos de abusos sexuais sobre crianças e adolescentes, a maioria em situações envolvendo familiares, amigos ou conhecidos da crianças ou famílias e também instituições que lidam com as menores.
Esta circunstância decorre de um aspecto que me parece fundamental não esquecer nunca e que os dados agora divulgados também sustentam. A maioria dos abusos sexuais sobre crianças ocorre nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em instituições que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão tornado mais atentas e eficazes na prevenção de abusos, embora continuem, evidentemente, a acontecer como tem sido divulgado. Os indicadores sugerem que entre 70 a 80% das situações de abuso a responsabilidade é de alguém que a criança conhece e em quem confia.
Apesar das mudanças verificadas em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada na criação de uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com base num sentimento de posse e usufruto quase medieval.
Muitas crianças em situação de abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar ou ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da eficiência do sistema de justiça, continua a ser absolutamente necessário que as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo de menos positivo se passa  com eles.
Esta atitude de permanente, informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre as crianças e o enorme sofrimento provocado.

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