No Expresso encontra-se um trabalho interessante sobre uma questão central no nosso sistema educativo, os currículos. É apresentada uma perspectiva de mudança nesta área incluindo uma entrevista com o Secretário de Estado da Educação, Professor João Costa.
Algumas notas breves direccionadas para um aspecto mais particular, a desadequação dos actuais modelos e organização dos currículos face à diversidade dos alunos e a consequente necessidade de mudança.
Como muitas vezes aqui afirmei bem como em intervenções públicas, a natureza, conteúdos e organização dos actuais currículos, demasiado extensos e, sobretudo, fortemente prescritivos e normativos, assentes em centenas de metas curriculares tem constituído um sério obstáculo no sentido de acomodar em sala de aulas alunos diversidade, a característica mas óbvia de qualquer grupo de alunos nas sociedades actuais. Aliás, no que respeita à designada, educação inclusiva, à medida que os currículos se têm tornado mais normativos e mais prescritivos temos assistido à proliferação de opções curriculares “alternativas” que mais não são em muitos casos que “guetos curriculares” facilitadores de exclusão.
Parece confirmar-se a já anunciada decisão do ME de definir um “conteúdo curricular nuclear”, o “core curriculum” na literatura em inglês sobre estas matérias, e um "referencial de saída", um “perfil” para os alunos, as escolas, os professores, terão autonomia para gerirem os conteúdos curriculares de forma flexível.
A confirmar-se parece um caminho positivo porque a autonomia em matéria de currículo é uma ferramenta imprescindível para acomodar e responder a especificidades de contexto. Em segundo lugar, porque a diferenciação curricular, termo que prefiro a flexibilização, é também imprescindível para que dentro da sala de aula se possa responder à diversidade entre os alunos.
A construção de um currículo em torno de conteúdos nucleares torna a gestão curricular mais aberta e mais capaz de responder às diferenças individuais entre os alunos e mesmo em casos de necessidades educativas especiais.
Tal como refere o Professor João Costa, mudanças nos conteúdos e na organização dos currículos pode permitir o desenvolvimento de formas de trabalho em sala de aula que transcendam a lógica do trabalho interior a cada disciplina, definindo um conjunto de tópicos que exigem saberes oriundos das diferentes disciplinas e que serão trabalhados de forma transversal. Do meu ponto de vista, a ideia não é nova e informava o que seriam os objectivos da extinta Área de Projecto no nosso sistema educativo embora esta fosse um dispositivo para lá do currículo, existiam as áreas disciplinares e ao lado a Área de Projecto. Em torno de um Projecto seriam desenvolvidos trabalhos/projectos de natureza transversal que mobilizando os saberes que os alunos adquiriam no âmbito do trabalho de cada disciplina. No entanto, as práticas desenvolvidas e o próprio modelo nem sempre correspondiam a estes objectivos que na proposta finlandesa surgem com a "nobreza" de um modelo curricular e não algo para lá do currículo.
Uma mudança curricular neste sentido corresponde, do meu ponto de vista, a uma "modernização" do pensamento educativo introduzindo uma dimensão de globalidade e mobilização integrada e contextualizada dos saberes aprendidos de forma mais compartimentada nas diferentes disciplinas dando-lhes um sentido que potenciará a motivação e a aprendizagem e aquisição de uma formação global não segmentada que actualmente se requer.
Parece-me, pois, positivo o caminho anunciado e defendido. Parece-me importante que este trajecto e eventuais mudanças obedeçam a um esforço de participação de diferentes actores das comunidades educativas, designadamente associações profissionais, e que o calendário e a forma de alteração sejam bem estruturados e assentes numa perspectiva a prazo e sustentada.
Finalmente, julgo de sublinhar que o impacto positivo de uma flexibilização da gestão curricular não decorre “apenas” de questões do centradas no currículo. Envolve, por exemplo, recursos docentes, turmas com efectivos adequados, apoios a alunos e professores em tempo oportuno, suficientes e competentes.
É nesta área que temo que se mantenham alguns obstáculos aos efeitos potencialmente positivos de uma orientação de mudanças necessárias em matéria de currículo.
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