Num texto de opinião do Público
li que a Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade terá referido no Congresso
«Cidadania e Religião» que está em curso um processo de, cito do jornal, “criação de uma “disciplina” que forme e
sensibilize para a cidadania, incluindo, com toda a naturalidade, formação
sobre as realidades religiosas do nosso “universo” multicultural, e que promova
a Liberdade Religiosa”.
Creio que esta afirmação passou
despercebida mas é merecedora de algumas notas.
Deixem-me recordar que em Março o
JN noticiava com chamada a primeira página o facto de em diferentes escolas
públicas se realizarem em horário lectivo cerimónias religiosas. Os alunos que
não participam ficam numa sala a “passar tempo”.
Como escrevi na altura, não me
pareceu surpreendente, sabemos que assim é. No entanto, talvez seja de recordar
que em matéria de religião e ensino, o Art.º 43ª da Constituição, no ponto 3
dispõe, "O ensino público não será
confessional".
Por outro lado, a Concordata em
vigor com o Vaticano estabelece que é dever do Estado Português garantir “as condições necessários para assegurar, nos
termos do direito português, o ensino da moral e religião católicas nos
estabelecimentos de ensino público não superior, sem qualquer forma de
discriminação”.
Assim, no cenário actual temos a
oferta nas escolas portuguesas da disciplina de Educação Moral e Religiosa
Católica assegurada obrigatoriamente por professores pagos pelo Estado e com
carreira integrada. A oferta de disciplinas de outras confissões religiosas é
possível mas a expensas próprias e com professores fora do sistema.
Parece claro que esta situação
viola, por um lado o princípio constitucional do ensino "não
confessional", tal como a celebração das missas e, por outro lado, um
princípio de equidade face à também consignada constitucionalmente liberdade
religiosa.
Podemos discorrer longamente
sobre a justificação para que este quadro permaneça com estes contornos, no
entanto, não é esse o meu ponto.
Sou dos que continua a entender
que a educação deve integrar imprescindivelmente uma dimensão de formação
pessoal, ética e cívica. Estaremos a falar dos valores a que se referiria a
Secretária de Estado.
Como muitas vezes afirmo, se tal
não acontecer temos "apenas" ensino de um conjunto de saberes
instrumentais que sendo importante não pode ser, não deve ser, o
"tudo" da educação.
Acontece que o Estado que tem
assumido os custos da permanência da oferta obrigatória da disciplina de
Educação Moral e Religiosa Católica, de frequência facultativa e aceita a
celebração de missas nas escolas, é o mesmo Estado que erradicou a Formação Cívica para
todos os alunos dos conteúdos curriculares do ensino básico assumindo uma visão
redutora e perigosa do que é educação e entendeu por bem expurgar ou minimizar
nos currículos de tudo o que não considera de forma estreita “estruturante” ou
“essencial”.
Esta é, do meu ponto de vista, a
questão central.
Quando há uns meses escrevi sobre esta questão fui abordado por vários docentes de Educação Moral e formação Cívica que me referiram realizar nas suas aulas um empenhado e significativo trabalho de formação para os valores e com dimensão ética. Não duvido e ainda bem que assim é, mas do meu ponto de vista não se alteram os termos em que a questão se deve colocar.
Veremos o desenvolvimento desta
narrativa.
Sem comentários:
Enviar um comentário