segunda-feira, 17 de outubro de 2016

DOS PROFESSORES, DO SEU TRABALHO, DA INDISCIPLINA E DE OUTRAS COISAS

No âmbito do Projecto aQueduto, uma parceria entre o Conselho Nacional de Educação e a Fundação Francisco Manuel dos Santos, é hoje divulgado mais um trabalho. O trabalho é dedicado aos professores e assenta em dados comparativos retirados de trabalho de 2012 doTALIS – Teacher and Learning International Survey, um estudo com países da OCDE. Como é habitual e no que respeita aos alunos a base de trabalho é o PISA.
Dos dados conhecidos e deixando de lado alguns aspectos que sendo importantes são mais de natureza profissional, caso do estatuto salarial surgem indicadores que me parecem interessantes.
Os professores mais velhos referem mais episódios de indisciplina nas suas aulas. De uma forma geral os professores portugueses são os que referem maior carga de trabalho global, incluindo a preparação das aulas e o excesso de trabalho burocrático.
No inquérito TALIS 48% dos docentes portugueses referiram sentir-se pouco respeitados pela sociedade e 26% nunca se sentem reconhecidos pelo que fazem. Uma referência ainda aos métodos de trabalho que, de acordo ainda com o TALIS, são de natureza muito expositiva.
A relação entre as variáveis aqui referidas, idade dos docentes, volume e natureza do trabalho, reconhecimento, indisciplina nas aulas, métodos de trabalho, etc. deve ser vista com muita prudência e evitar o estabelecimento apressado de relações de causa efeito.
No entanto, até com base noutros estudos, podemos encontrar associações que merecem reflexão e, mais do que isso, preocupação e decisões em matéria de política educativa~, mas não só educativa.
Vejamos alguns aspectos. Segundo o Relatório “Perfil do Docente”, divulgado em Julho pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, em 14/15 apenas 1.4% dos docentes que leccionam em escolas públicas têm menos de 30 anos, não chegam a 500.
Acresce que o grupo etário com mais de 50 anos é o mais representado, 39.5%. Se a este grupo adicionarmos o escalão imediatamente anterior, 40 aos 49, temos que 77,3% dos docentes estão nos dois grupos mais velhos. Este brutal enviesamento distribuição etária dos docentes deveria provocar um alerta vermelho.
Como se sabe, em qualquer sistema educativo a profissão docente é altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, associado a baixos níveis de satisfação profissional.
Recordo um estudo recente realizado pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA-IU) segundo o qual cerca de 30% dos perto de 1000 professores inquiridos revela risco de burnout.
Os professores mais velhos, do ensino secundário ou os que lidam com alunos com necessidades educativas especiais apresentam níveis mais elevados de burnout e sentem mais a falta de reconhecimento profissional.
Como causas mais contributivas para este cenário de stresse profissional são identificadas turmas com elevado número de alunos, o comportamento indisciplinado e desmotivação dos alunos, a pressão para os resultados, insatisfação com as condições de desempenho, carga horária e burocrática, falta de trabalho em equipa, falta de apoio e suporte das lideranças da escola.
Por aqui, podemos estabelecer alguma relação com os dados agora divulgados e inferir preocupações sérias com o seu impacto.
No que respeita aos alunos e do seu comportamento julgo de recordar a existência de currículos extensos, normativos, associados a um conjunto insustentável e burocratizado de metas curriculares que tornam muito difícil aos docentes acomodar a diversidade dos alunos e, como estes dizem, reflectem-se na motivação. Como sabemos a baixa motivação é um factor fortemente contributivo para comportamentos desajustados em sala de aula.
Parece-me também de considerar o impacto da alteração do quadro de valores, por exemplo a percepção social dos designados traços de autoridade. Não afecta só os professores mas dada a enorme presença dos docentes na vida de crianças e adolescentes o efeito é óbvio.
Daqui decorre, por exemplo, que restaurar a autoridade dos professores, tal como era percebida há décadas, é uma impossibilidade porque os tempos mudaram e não voltam para trás. Pela mesma razão, não se fala em restaurar a relação pais – filhos nos termos em que se processava antigamente e falar da "responsabilização" dos pais é interessante, mas é outro nada.
Um professor ganha tanta mais autoridade quanto mais competente, apoiado e valorizado se sentir. O apoio aos professores é um problema central no que respeita à indisciplina mas não só.
Neste âmbito, apoio e valorização dos professores está muito por fazer e ganha particular relevância o facto de sistematicamente os docentes não se sentirem valorizados e reconhecidos.
É também importante reajustar a formação de professores. As escolas de formação de professores não podem “ensinar” só o que sabem ensinar, mas o que é necessário ser aprendido pelos novos professores e pelos professores em serviço. Problemas "novos" carecem também de abordagens "novas". Talvez por aqui se perceba a presença mais evidente de métodos de natureza mais expositiva, muitas vezes menos eficazes na gestão dos comportamentos e motivação dos alunos.
No âmbito da intervenção no comportamento dos alunos parece também importante a existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a existência de recursos humanos qualificados e disponíveis.
Por outro lado, os estudos e as boas práticas mostram que a presença simultânea de dois professores é um excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos.
As dificuldades dos alunos estão com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos com sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de indisciplina.
Os professores também sabem que na maior parte das vezes, os alunos indisciplinados não mudam os seus comportamentos por mais suspensões que sofram. É evidente que importa admitir sanções, no entanto, fazer assentar o combate à indisciplina quase que exclusivamente nos castigos ou sanções é ineficaz.
De facto, temos pela frente um caderno de encargos pesado. Quanto mais tarde o entendermos e assumirmos, mais pesado e mais caro ele se torna.

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