quinta-feira, 6 de outubro de 2016

PSICÓLOGOS, PSICOLOGIA E ESCOLA

No Público encontra-se um trabalho com o bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses com alguns conteúdos que justificam algumas notas sabendo e assumindo que estarei a falar de uma causa que me envolve.
Uma primeira referência ao problema conhecido e inquietante da sobremedicação de crianças face a alegados transtornos do comportamento e da atenção. Registo a referência e sublinho a pertinência da questão.
Quero, contudo, centrar-me no universo que conheço melhor, a psicologia, os psicólogos em contexto educativo, escolar.
Segundo os dados disponibilizados existem cerca de 700 psicólogos nas escolas públicas, o que corresponde a um rácio 1/1700 alunos, as recomendações internacionais sugerem 1/1000. O sistema terá em falta cerca 500 psicólogos. Também segundo dados da OPP, no ensino privado o rácio é de 1/785 alunos o que, evidentemente, não significará que as instituições de ensino privado suportem recursos humanos desnecessários.
Foi há algum tempo anunciado e reforçado na semana passada pelo Subdirector da Direcção-Geral de Educação que com financiamento comunitário no âmbito do Programa Operacional Capital Humano o ME irá contratar psicólogos para os agrupamentos e escolas a partir de 2017. O objectivo é atingir em 2020 um rácio de um psicólogo para cada 1100 alunos. O mesmo responsável do ME afirmou que apesar desta realidade não corresponder ao rácio desejado, “todas as escolas têm psicólogo”. Como escrevi na altura, até admito que todas as escolas tenham algum técnico de psicologia que por lá passe mas não, não têm psicólogo.
Conheço situações em que existe um psicólogo para um agrupamento com várias escolas e que envolve um universo de mais de 2000 alunos e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie de psicologia em trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de resposta que não serve adequadamente os destinatários como, evidentemente, compromete os próprios profissionais. 
Temos também inúmeras escolas onde os psicólogos não passam ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a prestação de apoios especializados de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia hora semana uma situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do seu esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre que existe apoio de um técnico de psicologia.
Acresce que, o bastonário referiu-o, uma parte significativa dos psicólogos existentes é contratada anualmente, sempre com atraso, tal como neste ano lectivo, o que implica óbvias consequências em termos de instabilidade, suficiência e qualidade. O anunciado alargamento não informa se a contratação a realizar terá carácter definitivo ou com horizonte temporal definido.
Nos últimos tempos e como já referi, o ME tem permitido que as escolas contratem a prestação de serviços educativos a realizar aos seus alunos, a empresas, naturalmente, exteriores à escola que, aliás, têm florescido. Estes serviços envolvem o trabalho de psicólogos bem como de outros técnicos, por exemplo terapeutas, e desempenham funções em diferentes áreas de trabalho da escola.
Recordo que os textos que regulamentam estas contratações se define um quadro de objectivos como, cito, “mudanças comportamentais dos alunos”, “melhoria de atitudes face às tarefas escolares”, pretendendo-se o “sucesso educativo”. É delirante.
Não quero, nem devo, discutir aqui a natureza específica, quer em termos de adequação, quer de qualidade da intervenção dos técnicos, designadamente na área da psicologia.
No entanto, como já tenho referido, continuo convicto de se verifica em muitas situações uma sobrevalorização da intervenção dos psicólogos na área da orientação vocacional desequilibrando a intervenção necessária em áreas como dificuldades ou problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos comportamentos nas suas múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais, trabalho com professores e pais, só a título de exemplo.
Creio que o recurso ao modelo de “outsourcing” ou a descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos. Trata-se, também aqui, de mais uma entrega de serviço público aos mercados.
Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?
Das duas uma, ou se entende que os psicólogos sobretudo, mas não só, os que possuem formação na área da psicologia da educação podem ser úteis nas escolas como suporte a dificuldades de alunos, professores e pais, em diversos áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos específicos para os processos educativos e, portanto, devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua intervenção, ou então, é uma outra visão, os psicólogos não servem para coisa nenhuma, só atrapalham e, portanto, não são necessários. Este entendimento contraria o que a experiência e o conhecimento da realidade de outros países aconselha mas como é hábito os exemplos de fora só são citados conforme os interesses.
A situação existente parece-me, no mínimo, um enorme equívoco, que, além de correr sérios riscos de eficácia e ser um, mais um, desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos possam emprestar à sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar uma percepção errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
No entanto, a reflexão sobre os conteúdos, regulação e modelos de intervenção deste trabalho merecia um outro espaço e oportunidade.

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