No Público encontra-se um trabalho com o bastonário da
Ordem dos Psicólogos Portugueses com alguns conteúdos que justificam algumas
notas sabendo e assumindo que estarei a falar de uma causa que me envolve.
Uma primeira referência ao problema conhecido
e inquietante da sobremedicação de crianças face a alegados transtornos do comportamento
e da atenção. Registo a referência e sublinho a pertinência da questão.
Quero, contudo, centrar-me no universo que conheço
melhor, a psicologia, os psicólogos em contexto educativo, escolar.
Segundo os dados disponibilizados
existem cerca de 700 psicólogos nas escolas públicas, o que corresponde a um rácio
1/1700 alunos, as recomendações internacionais sugerem 1/1000. O sistema terá
em falta cerca 500 psicólogos. Também segundo dados da OPP, no ensino privado o rácio é
de 1/785 alunos o que, evidentemente, não significará que as instituições de
ensino privado suportem recursos humanos desnecessários.
Foi há algum tempo anunciado e reforçado
na semana passada pelo Subdirector da Direcção-Geral de Educação que com
financiamento comunitário no âmbito do Programa
Operacional Capital Humano o ME irá contratar psicólogos para os agrupamentos e
escolas a partir de 2017. O objectivo é atingir em 2020 um rácio de um psicólogo para cada 1100
alunos. O mesmo responsável do ME afirmou que apesar desta realidade não
corresponder ao rácio desejado, “todas as escolas têm psicólogo”. Como escrevi
na altura, até admito que todas as escolas tenham algum técnico de psicologia
que por lá passe mas não, não têm psicólogo.
Conheço situações em que existe um psicólogo para um
agrupamento com várias escolas e que envolve um universo de mais de 2000 alunos
e a deslocação permanente entre várias escolas numa espécie de psicologia em
trânsito. Não é uma resposta, é um fingimento de resposta que não serve adequadamente os
destinatários como, evidentemente, compromete os próprios profissionais.
Temos também inúmeras escolas onde os psicólogos não passam
ou têm “meio psicólogo” ou menos e ainda a prestação de apoios
especializados de psicologia em “outsourcing” e com a duração de meia hora
semana uma situação inaceitável e que é um atentado científico e profissional
e, naturalmente, condenado ao fracasso de que o técnico independentemente do
seu esforço e competência será responsabilizado. No entanto, dir-se-á sempre
que existe apoio de um técnico de psicologia.
Acresce que, o bastonário referiu-o, uma parte
significativa dos psicólogos existentes é contratada anualmente, sempre com
atraso, tal como neste ano lectivo, o que implica óbvias consequências em
termos de instabilidade, suficiência e qualidade. O anunciado alargamento não informa se a contratação a realizar terá carácter definitivo ou
com horizonte temporal definido.
Nos últimos tempos e como já referi, o ME tem permitido
que as escolas contratem a prestação de serviços educativos a realizar aos seus
alunos, a empresas, naturalmente, exteriores à escola que, aliás, têm
florescido. Estes serviços envolvem o trabalho de psicólogos bem como de outros
técnicos, por exemplo terapeutas, e desempenham funções em diferentes áreas de
trabalho da escola.
Recordo que os textos que regulamentam estas contratações
se define um quadro de objectivos como, cito, “mudanças comportamentais dos
alunos”, “melhoria de atitudes face às tarefas escolares”, pretendendo-se o
“sucesso educativo”. É delirante.
Não quero, nem devo, discutir aqui a natureza específica,
quer em termos de adequação, quer de qualidade da intervenção dos técnicos,
designadamente na área da psicologia.
No entanto, como já tenho referido, continuo convicto de se verifica
em muitas situações uma sobrevalorização da intervenção dos psicólogos na área
da orientação vocacional desequilibrando a intervenção necessária em áreas como
dificuldades ou problemas nas aprendizagens, questões ligadas aos
comportamentos nas suas múltiplas variantes, alunos com necessidades especiais,
trabalho com professores e pais, só a título de exemplo.
Creio que o recurso ao modelo de “outsourcing” ou a
descontinuidade do trabalho é um erro em absoluto, é ineficaz,
independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos.
Trata-se, também aqui, de mais uma entrega de serviço público aos mercados.
Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola,
fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de
envolvimento, planeamento e intervenção desenvolva um trabalho consistente,
integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?
Das duas uma, ou se entende que os psicólogos sobretudo,
mas não só, os que possuem formação na área da psicologia da educação podem ser
úteis nas escolas como suporte a dificuldades de alunos, professores e pais, em
diversos áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos
específicos para os processos educativos e, portanto, devem fazer parte das
equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua
intervenção, ou então, é uma outra visão, os psicólogos não servem para coisa
nenhuma, só atrapalham e, portanto, não são necessários. Este entendimento
contraria o que a experiência e o conhecimento da realidade de outros países
aconselha mas como é hábito os exemplos de fora só são citados conforme os
interesses.
A situação existente parece-me, no mínimo, um enorme
equívoco, que, além de correr sérios riscos de eficácia e ser um, mais um,
desperdício (apesar do empenho e competência que os técnicos possam emprestar à
sua intervenção), tem ainda o efeito colateral de alimentar uma percepção
errada do trabalho dos psicólogos nas escolas.
No entanto, a reflexão sobre os conteúdos, regulação e
modelos de intervenção deste trabalho merecia um outro espaço e oportunidade.
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