A propósito da tragédia que
envolveu a queda de uma criança que estava só em casa o Público apresenta uma
peça sobre qual será a idade ajustada para que uma criança possa ficar sozinha
em casa.
Alguns especialistas sugerem como aceitáveis os 12 ou 14 anos e outros afirmam que mais do
que definir uma idade importa considerar, por exemplo, o nível de autonomia das
crianças.
Antes de algumas notas repescadas
de textos antigos referir que questões desta natureza me são frequentemente
colocadas por pais ou educadores, a idade em que se pode começar a sair à
noite, a ir sozinho para escola, questão a propósito da qual colaborei num
trabalho do DN, etc.
Na verdade, sou dos que entendo
que existam respostas definitivas para questões desta natureza,
sendo certo que a segurança e bem-estar das crianças devem ser uma prioridade
absoluta.
A decisão de pais e educadores a
inquietações ou dúvidas desta natureza, recordo que no que diz respeito ao
ficar só em casa muitas famílias confrontam-se com sérias dificuldades para
assegurar a guarda dos filhos durante os prolongados horários laborais, deve
ter subjacente uma outra matéria de natureza mais vasta e importante, a
autonomia das crianças e a forma como a promovemos ... ou não.
De há muito e sempre que penso ou
falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma
"... queria que me ajudassem para que fosse eu o dono de mim, para que os
que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si". Este
enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar
ou escolar, em qualquer idade.
De facto, o que se pretende num
processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si
própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha.
Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das
crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no
fundo, a velha ideia de, "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Parece-me fundamental que
adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens.
No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de
vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades,
questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma
forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia. A
rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os
limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e
promoção dessa autonomia. É neste contexto que devem ser colocadas, trabalhadas
e decidas as dúvidas sobre o que criança ou adolescente pode ou não fazer só.
Por outro lado, os miúdos são
permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente
importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo,
são miúdos, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem
respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o
porquê do que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de
decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão de quem está à
sua volta, companheiros ou adultos.
Um exemplo, para clarificar. Um adolescente
não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a
uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para um
comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos
companheiros da mesma idade. Num sala de aula é bem mais provável que um
adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é
assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só miúdos autónomos, auto-determinados,
informados e orientados sobre os riscos e as escolhas serão mais capazes de
dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que
fazer ou pensar em diferentes situações do seu quotidiano. Este entendimento
sublinha a importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno,
em casa e na escola, se estimular a autonomia dos miúdos.
Creio que este entendimento está
pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou
escolar e para todos os miúdos.
Todos beneficiariam, miúdos e
adultos.
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