Há pouco, ainda a lembrar-me do
número de crianças em situação de abandono as tramas da memória levaram-me a uma
história de longe que creio já aqui ter contado. Passou-se em Moçambique já há uns
anos.
Dessa vez estive duas semanas em
Maputo com o Mestre Malangatana, o Velho como lhe chamava, um Homem enorme que já partiu, deixou a obra e as memórias. Estávamos a fazer um trabalho de formação
de professores no Centro Popular criado por ele na terra onde nasceu, Matalana,
a uns quilómetros de Maputo.
Já tenho partilhado algumas
histórias desta graça que a vida me concedeu. Durante toda a estadia jantávamos
invariavelmente no Piri-piri, um muito conhecido restaurante na Av. 24 de
Julho.
Logo na primeira noite à saída do
restaurante, sou completamente submerso por um grupo de moluenes, os miúdos e
adolescentes que vivem na rua em Maputo, que queriam impingir-me toda a espécie
de “arte popular” a preços “mesmo, mesmo bons”.
Quando viram que vinha
acompanhado do Velho, contiveram-se e o Velho Malangatana falou no seu jeito
impossível de descrever, “crianças, este branco é meu amigo, é boa pessoa, é
inteligente, vocês não enganem este branco”.
Nunca me senti tão positivamente
discriminado. Em várias das noites seguintes recebi uma oferta dos moluenes,
bonitas, daquelas que só se dão aos amigos do Velho, do Mestre como eles lhes
chamavam.
Privilégio meu.
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