Conforme já tinha anunciado, o ME
decidiu a sua extinção nos moldes em que estava a funcionar o ensino vocacional criando para os
alunos com retenções um programa de tutoria a que voltaremos. Por agora, umas
notas, sobre o ensino vocacional e o seu fim no ensino básico.
A forma como esta matéria tem
vindo a ser tratada incluindo na imprensa é, do meu ponto de vista, contaminada
por alguns equívocos presentes desde logo pela colocação de questões como “sim
ou não ao ensino vocacional?” Esta formulação é reforçada pela já referida
intenção de “acabar” com o ensino vocacional no ensino básico defendendo-se que
só no ensino secundário se deve disponibilizar este tipo de oferta educativa.
Como muitas vezes tenho afirmado
é fundamental diversificar a oferta formativa, ou seja, promover a
diferenciação de percursos. Só por esta via me parece possível atingir um
objectivo absolutamente central e imprescindível, todos os alunos devem aceder
a alguma forma de qualificação, única forma de combater a exclusão e responder
mais eficazmente à principal característica de qualquer sala de aula actual, a
heterogeneidade dos alunos. Aliás, a oferta formativa de natureza profissional
no âmbito do ensino secundário que também está a acontecer pode ser um passo
nesse sentido e tem contribuído para baixar os níveis de abandono. Importa, no
entanto, garantir que esta oferta não seja preferencialmente dirigida para os
"que não servem" para a escola.
Parece, pois, claro que temos de
estruturar percursos de ensino com formação de natureza profissional. A questão
que se coloca é quando deve ser disponibilizada esta oferta e para quem.
Relativamente ao modelo que
estava em vigor sempre considerei fortemente discutível, até num plano ético, a
introdução desta diferenciação tão cedo, aos 13 anos, e “obrigatória” para os
que chumbam. Por outro lado, aos 13 anos, apesar de se remeter a “decisão” para
um processo de orientação vocacional que a insuficiência gritante de recursos
não permite assegurar, que alunos decidem? Alguém vai decidir por eles.
Poucos sistemas educativos
assumem este entendimento e o facto de o ensino alemão, a inspiração de Nuno
Crato, colaboradores e admiradores, o admitir não é uma certificação da correcção
do modelo como atestam as apreciações internacionais.
Na verdade, Relatórios da OCDE e
da UNESCO têm sustentado que a colocação dos alunos com piores resultados
escolares em ensino de carácter técnico e vocacional muito cedo em vez da
aposta nas aquisições escolares fundamentais aumenta a dificuldade na
mobilidade social. Esta dificuldade alimenta assimetrias dada a origem
económica e social predominante em situações de insucesso como dados
recentemente divulgados pelo Conselho Nacional de Educação e pela Fundação
Francisco Manuel dos Santos vieram, de novo, confirmar.
Neste patamar etário, mais do que
de ensino vocacional os alunos precisam de apoios que lhes permitam, bem como
aos seus professores, minimizar dificuldades e risco de insucesso. Será neste âmbio que julgo enquadrar-se a ideia do programa de tutoria agora anunciado.
É verdade e devastador que em
Portugal temos cerca de 150 000 alunos que reprovam em cada ano. Temos de
responder às causas deste enorme problema mas não podemos mascarar as
estatísticas empurrando os “maus” para percursos que “recebem” um rótulo de
“segunda” pois são percebidos por parte da comunidade como destinados aos menos
dotados, “preguiçosos” ou com problemas vários. É, no entanto, verdade que a sua
deriva para o ensino vocacional compunha estatísticas
Por outro lado, este tipo de
oferta tem de ser adequado às comunidades educativas e dotada dos recursos e
meios necessários bem como de maior e efectiva autonomia das escolas. Como tem
sido referido em diferentes avaliações e pelas direcções escolares esta
situação está longe de acontecer.
Julgo ser de sublinhar que todos
os alunos deverão cumprir uma escolaridade de 12 anos e que a idade de entrada
no mercado de trabalho é aos 16 o que deve ser ponderado no desenho de ofertas
formativas que envolvam trabalho em empresas. Aliás, esta questão deve, é uma
forte convicção, ser também considerada quando se trata de alunos com necessidades
especiais que ao abrigo de um dispositivo estranhamente designado por Currículo
Específico Individual são em algumas circunstâncias sujeitos a situações pouco
claras que de educação, formação ou inclusão têm pouco, seja em espaço escolar,
seja em espaço institucional ou laboral. Também por isto o modelo que estava em
vigor parece francamente desajustado tendo sido desencadeada a sua generalização
sem que nessa altura tivesse terminado a sua avaliação.
Nesse modelo os alunos com
insucesso, estamos a falar, presumo, de gente com capacidades
"normais" iriam “obrigatoriamente” para o ensino vocacional. Como já
referi e é reconhecido o insucesso escolar é mais prevalente em famílias mais
desfavorecidas. Neste cenário, como a UNESCO reconhece, mantém-se formalmente a
velha ordem, os mais pobres "destinados" preferencialmente para o
trabalho manual e os mais favorecidos preferencialmente para o trabalho
intelectual.
A diferenciação dos percursos é
necessária e imprescindível, incluindo ensino vocacional, mas, reafirmo, deve surgir mais tarde, disponível
para todos os alunos como se verifica na maioria dos sistemas educativos que se
preocupam com os alunos, com todos os alunos. O que deve estar disponível desde
sempre são dispositivos de apoio suficientes, competentes e oportunos a alunos
e professores e alguma diferenciação que permita acomodar melhor a diversidade
dos alunos.
Preferia que alterações nesta matéria fossem coerentes com as anunciadas
intenções de reorganizar os ciclos de ensino no básico e alterar currículos.
Uma mudança parcelar e desfasada no calendário de mudança pode não ser a melhor opção
correndo-se o risco de, mais uma vez, serem realizadas mudanças avulsas e
desarticuladas.
A ideia de um ensino básico
universal, constante no Programa do Governo e com a qual em princípio concordo, não me parece contraditória com a definição
de alguma diferenciação de trajectos que também defendo.
Esta diferenciação pode traduzir-se,
por exemplo, na introdução no que agora é o 3º ciclo de algumas disciplinas de
natureza opcional.
A existência de um modelo
curricular deste tipo permitiria, se necessário com orientação adequada,
optimizar as escolhas dos alunos e a sua entrada no ensino secundário. Neste
patamar deverá estar disponível uma oferta mais diversificada incluindo alguma já
de natureza profissionalizante.
Finalmente, julgo que este
caminho de diferenciação deveria ser também acompanhado pelo acréscimo real de
autonomia das escolas e agrupamentos incluindo a dimensão curricular e a oferta
educativa.
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