Segundo o Relatório “Portugal –Saúde Mental em números 2015” da Direcção Geral de Saúde as crianças dos 5 aos 14 anos consumiram 5 135 684
doses de metilfenidato, um psicofármaco. Um valor impressionante e altamente
preocupante e que está em linha com os dados do Infarmed que tem alertado para o
disparar do consumo do metilfenidato com os nomes correntes de Ritalina,
Concerta ou Rubifen.
Face a este cenário e em
diferentes intervenções públicas, especialistas como Mário Cordeiro, Gomes
Pedro ou Ana Vasconcelos, têm revelado sempre uma atitude cautelosa e prudente
face esta hipermedicação ou sobrediagnóstico e alertado para os riscos destas
práticas. Este tipo de discurso, cauteloso e prudente, que subscrevo, contrasta
com a ligeireza, que não estranho, de Miguel Palha que referia há algum tempo
no Público as “centenas” de crianças que na sua clínica solicitam “diariamente”
o fármaco.
Retomo algumas notas de textos
anteriores sobre estas questões, a forma como olhamos e intervimos face aos
comportamentos que os miúdos mostram. De há uns tempos para cá uma boa parte
dos miúdos e adolescentes ganhou uma espécie de prefixo na sua condição, o
"dis", passam a "dismiúdos".
Se bem repararem a diversidade é
enorme, ao correr da lembrança temos os meninos que são disléxicos em gama
variada, disgráficos, discalcúlicos, disortográficos ou até distraídos.
Temos também as crianças e adolescentes
que têm (dis)túrbios ou perturbações. Estes também são das mais diferenciadas
naturezas, distúrbios do comportamento, distúrbio do desenvolvimento,
distúrbios da atenção e concentração, distúrbios da memória, distúrbios da
cognição, distúrbios emocionais, distúrbios da personalidade, distúrbios da
actividade, distúrbios da comunicação, distúrbios da audição e da visão,
distúrbios da aprendizagem ou distúrbios alimentares.
Como é evidente existem ainda os
que só fazem (dis)parates e aqueles cujo ambiente de vida é completamente
(dis)funcional ou se confrontam com as (dis)funcionalidades dem muitos
contextos escolares, número de alunos por turma excessivo, currículos
desajustados, falta de apoios, etc.
Pois é, há sempre um
"dis" à espera de qualquer miúdo e senão, inventa-se, "ele tem
que ter qualquer coisa".
De forma simplista costumo dizer
que algumas destas crianças não têm perturbações do desenvolvimento ou
dificuldades de aprendizagem, experimentam perturbações no envolvimento e
sentem dificuldades na “ensinagem”.
Agora um pouco mais a sério,
sabemos todos que existe um conjunto de problemas que pode afectar crianças e
adolescentes, esses problemas devem ser abordados, se necessário com medicação, evidentemente,
mas, felizmente, não são tantos as situações como por vezes parece. Inquieta-me
muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos
"diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais eles
dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza
uma perigosa indiferença sobre o que se observa nos miúdos. Aliás, é curioso perceber o que se passa noutros países, França, por exemplo, nesta matéria.
Inquieta-me ainda a ligeireza com
que muitos miúdos aparecem medicados, chamo-lhes "ritalinizados", sem
que os respectivos diagnósticos conhecidos pareçam suportar seguramente o
recurso à medicação. A sobreutilização
ou uso sem justificação do metilfenidato e de outros fármacos tem riscos, uns
já conhecidos, outros em investigação.
Esta matéria, avaliar e explicar
o que se passa com os miúdos e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético
e deontológico além da óbvia competência técnica e científica.
Não se pode aligeirar, é
"dis"masiado grave.
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