A propósito da decisão do ME de
rever o estabelecimento de contratos de associação com estabelecimentos de
ensino privados surge como sempre a acusação das posições ideológicas que informam decisões desta natureza e que são, evidentemente, condenáveis, dizem
alguns.
Já cansa esta habilidade no
tratamento destas questões em função da “ideologia”. Boa parte desta gente
entende que o que defendem não tem carga ideológica, é asséptico, sendo que as
ideias contrárias, essas sim, são sustentadas pela ideologia e devem ser
combatidas.
Por vezes gosta de afirmar que
são pragmáticos e apenas consideram a realidade, o que defendem não tem nada a
ver com ideologia, mesmo quando, por exemplo, empunham um bandeira cheia de
equívocos a que chama “liberdade de educação”.
Consideremos de forma breve
alguns aspectos.
Quem desmantela o Estado Social é
pragmático quem o defende com equilíbrio e sem desperdício é por ideologia.
Quem desinveste na educação e na
escola públicas, investe no ensino privado é por pragmatismo. Quem defende a
educação e escola pública e a necessária existência de ensino privado regulado
mas não financiado indevidamente pelo Estado é por ideologia.
Quem defende uma escola
selectiva, competitiva e não inclusiva é por pragmatismo. Quem defende equidade
e inclusão como objectivos civilizacionais é por ideologia.
Quem defende o empobrecimento
“custe o que custar” é por pragmatismo. Quem entende que pobreza e exclusão não
fomentam desenvolvimento é por ideologia.
Quem defende os apoios sem fim dos
contribuintes ao sistema bancário fragilizado por administrações incompetentes ou
delinquentes é por pragmatismo. Quem entende que não pode ser sempre o cidadão
a pagar uma factura de que não é responsável é por ideologia.
Quem alimenta e se alimenta de um
sistema de justiça fraco com os fortes e forte com os fracos é por pragmatismo.
Quem entende que assim não deve ser é por ideologia.
Quem entende que tudo ou quase
deve ser privatizado é por pragmatismo. Quem defende a presença do Estado em
sectores essenciais para o bem-estar das populações é por ideologia.
Quem …
Na área que melhor conheço, a
educação, tantas vezes me confronto com este modelo. Tantos interlocutores me
dizem com a maior tranquilidade que quando os estudos ou a experiência não vão ao encontro das suas ideias, certas e pragmáticas, os estudos são mal feios e
contaminados pela ideologia ou que a experiência não serve de argumento. Quando discordo, o meu discurso
é ideológico e o do interlocutor é correcto, asséptico do ponto de vista
ideológico, obviamente, suportado com a evidência científica que ao meu é
negado porque os estudos … são ideológicos. Sim, o que penso tem uma carga
ideológica, é assim que entendo o mundo.
Na verdade, não acredito em visões
de sociedade sem arquitectura ideológica. Isso não existe, só por desonestidade
intelectual se pode afirmar tal.
Há décadas que não tenho qualquer
espécie de filiação partidária, não me orgulho nem me queixo, é assim que
penso. Mas tenho posições que são de natureza ideológica sobre o que me rodeia
e o que respeita à vida da gente. Não as entendo como únicas, imutáveis ou
exclusivas, aliás, gosto mais de discutir e aprender com alguém que também
assim se posiciona, sem manha, sem a falsidade do “não tenho ideologia” como se
isso fosse uma fonte de autoridade.
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