Peço
desculpa, mas talvez sejam os efeitos do meu estado de saúde, aguardo com alguma
ansiedade uma intervenção cirúrgica na coluna que me livre das intensas dores minhas
companheiras inseparáveis das últimas semanas, mas só me ocorrem crónicas
amargas.
O Público de
hoje apresenta um trabalho interessante sobre o que tem acontecido em todo o
país aos estabelecimentos escolares que as variações demográficas, mas,
sobretudos, as políticas educativas e manhosa utilização dos dados demográficos,
têm vindo a encerrar.
Não vou abordar a questão do encerramento e dos processos ética e cientificamente pouco recomendáveis que foram seguidos, criando mega-agrupamentos que se transformaram em mega- problemas para além dos efeitos do encerramento das escolas nas comunidades a que pertenciam.
Vou partir do trabalho em que se aborda o que tem sido feito com as escolas que foram encerradas mas, sobretudo,reflectir um pouco sobre o trabalho que tem sido feito com as que se mantêm abertas.
Na verdade,
as antigas escolas estão a ser aproveitadas e reutilizadas com uma enorme criatividade
servindo mesmo para, em alguns casos, servirem a revitalização das comunidades em
que se inserem. Por questões de espaço poupo os exemplos mas recomendo a
leitura do trabalho.
No entanto o
que verdadeiramente me preocupa é a utilização das escolas que ficam abertas “por
assim dizer”, dito de outra maneira, estão a servir para quê e como.
Deixem-me recordar uma entrevista de um insuspeito ex-apoiante de Nuno Crato (um dos muitos,
certamente), o Professor Marçalo Grilo em Fevereiro de 2014.
Afirmava o
Professor Marçalo Grilo sentir uma profunda amargura e preocupação pelos tempos
que actualmente se vivem na educação. Entre outros aspectos, sublinhava a definição
de um modelo de educação e de escola estão bem longe da visão de Nuno
Crato.
Afirmava
Marçal Grilo, "Mas lembro que na escola há três áreas
fundamentais: os conhecimentos de base, os comportamentos e atitudes e a área
dos valores. Nos valores, há imenso a fazer, se há algo que o país e o mundo
perderam, foi a ética, parece varrida do comportamento das pessoas. Em
Portugal, há hoje uma ideia de que o que é legal é ético, quando há coisas que
sendo legais não são éticas! Não são legítimas, ponto! Não se devem fazer,
mesmo sendo legais. Longe de mim desprezar os conhecimentos de base, já falei
do grande orgulho na minha formação de engenheiro, com Matemática, Física,
Química, estruturas, resistência dos materiais, etc. Sucede porém que a escola
não é só isto. E é aqui que eu penso que o ministro não tem sabido
mobilizar os professores, os alunos e os pais para a ideia de que há mais vida
para além do que se estuda nos livros para responder nos exames e satisfazer os
testes internacionais."
Trata-se, na
verdade, de uma outra visão da educação e da escola que Nuno Crato e seguidores
não irão compreender, nunca. É na verdade esta a minha preocupação com as
escolas que ficam.
Está em curso uma ideia preocupante de “municipalização das
escolas”, o reforço do ensino dual, a velha ideia da "liberdade de
escolha" em diferentes modalidades, do cheque-ensino, aos contratos de
associação em novos moldes até às escolas públicas geridas por professores.
De forma determinada o Ministro Nuno Crato vai, assim,
cumprindo a sua agenda cada vez mais explícita, o financiamento do ensino
privado à custa da degradação e desinvestimento do ensino público sob o
princípio da liberdade de escolha, ou seja, um forte apoio ao negócio da
educação.
A experiência do que têm sido tais práticas de
liberalização noutra paragens e o conhecimento dos territórios educativos
portugueses sugerem que na verdade percorremos um caminho de privatização da
educação transformando-a num serviço que as famílias compram de acordo com as
suas possibilidades económicas para os verdadeiros destinatários desse serviço,
os seus filhos.
Aliás, parece-me claro que a cultura mais generalizada
entende os estabelecimentos de ensino privado como exclusivos e muitos deles
são profundamente selectivos na população que acolhem, o que leva, justamente,
muitos pais a escolher "comprar", por assim dizer, essa exclusividade,
que só por existir já é um negócio, um bom negócio.
A questão, óbvia, é que a maioria das famílias
irá, evidentemente, manter os seus filhos nas escolas públicas que sofrendo
forte desinvestimento terão menos recursos, apoios e autonomia e em que os
professores serão obrigados a funcionar num registo de "contents
delivery" a turmas enormes de alunos que através de sucessivos exames
passarão por uma espécie de "darwinismo educativo" sobrevivendo os "clientes "mais fortes, sendo os mais fracos enviados para o "trabalho
manual" em modo Crato e os menos dotados para instituições “adequadas”.
Sopram ventos adversos, são os mercados a funcionar, dizem,
também na educação. Os clientes mais "favorecidos", para utilizar um
eufemismo frequente, comprarão bons serviços educativos e os menos
"favorecidos" ... assim continuarão.
É o destino.
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