Portugueses apostam seis vezes mais na raspadinha do que antes da crise
Segundo dados da
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, os portugueses apostam seis vezes mais na “raspadinha”
nesta altura, que no início da crise, chamemos-lhe assim.
Em 2010, a lotaria
instantânea, mais conhecida por “raspadinha”, teve 105 milhões de receitas
brutas. Nos primeiros 11 meses de 2014, o valor chegou aos 625 milhões de
euros, e estima-se que no final atinja 680 milhões. De facto, em quatro
anos o investimento dos portugueses na “raspadinha” subiu cerca de 550%, sendo
de considerar que nestes quatro anos o rendimento das famílias portuguesas
baixou significativamente.
Como é óbvio, os portugueses, sem perspectivas de futuro, viraram-se
para a busca da “sorte” e assim o país transformou-se num país de raspadores, uns
raspam-se daqui para fora, à procura do futuro que por cá não mora, os que
ficam desataram a raspar à cata de uns euros que contribuam para a
sobrevivência.
Parece que mais do que nunca o futuro está na sorte, no
raspar, no jogar. No entanto, acho curiosa esta atitude e a justificação que se
ouve recorrentemente.
Na verdade, julgo que se pode afirmar que em muitos lares
portugueses, e não só, hoje mais do que nunca, uma das frases mais ouvidas é
“nunca mais me sai o euromilhões, para deixar de trabalhar”. Cada um de nós já
ouviu, pensou ou disse esta expressão alguma vez ou vezes. Creio também que não
é usada apenas pelos cidadãos com maiores dificuldades. Acho curiosa a sua
utilização. Entendo, naturalmente, a ideia subjacente à primeira parte. Um
prémio de valor substantivo representaria, seguramente, a hipótese de acesso a
um patamar superior de bem-estar económico, desejado, naturalmente, por toda a
gente. O que de facto me parece mais interessante é o complemento “para deixar
de trabalhar”. É certo que nem todas as expressões devem ser entendidas no seu
valor “facial”, mas é também verdade que a recorrente afirmação deste desejo
acaba por ilustrar a relação que muitos de nós estabelecemos com o lado
profissional da nossa vida, isto é, “quero livrar-me dele o mais depressa
possível”. Não será grave, mas é um indicador que possibilita várias leituras.
Sabem qual é a minha inquietação? É se os miúdos,
considerando a agitação que vai pelo seu mundo “laboral”, desatam a pedir um
aumento de mesada que lhes permita apostar no euromilhões para … deixar de ir à
escola.
Já estivemos mais longe.
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