Vários dos acontecimentos dos
últimos tempos levaram-me a recordar, a trama de que se tece a memória é muito
curiosa, uma das expressões que em miúdo mais ouvia ao meu pai, “pisar o risco”.
Empregava-a com frequência, em
diferentes circunstâncias e dirigida a mim ou empregue para apreciações a
comportamentos ou atitudes de outras pessoas. Percebi com o tempo que era uma
expressão de uso vulgar, não exclusiva do meu pai.
Com a fórmula do “pisar o risco”
procurava, sobretudo comigo, que percebesse a necessidade do “risco”, hoje é
mais comum chamar regras, e como, sabendo qual era o risco, perceber se
deveria, ou não, ser pisado, e as consequências que eventualmente adviriam de
“pisar o risco”.
Neste contexto, cresci como
todos, quase, da minha geração, a tentar evitar “pisar alguns riscos”, umas
vezes com sucesso outras nem por isso, e a decidir, com toda a intenção, que
havia riscos que era preciso pisar.
Hoje, sem parecer demasiado
pessimista, quando olho à volta, fico com a sensação que a gente pisa, mas já
não tem muita noção de qual é o risco e onde está. Atropelamo-nos diariamente
nas relações sociais e profissionais e na vida em comunidade, assistimos a comportamentos
completamente despudorados de gente que não deveria “pisar o risco” até pelo
peso social que tem. Pisamos o risco em matéria de valores, ética e dignidade.
Embora saiba que não é fácil definir qual é o "risco", talvez a disponibilidade
para perceber o ponto de vista do outro ajude.
Os mais novos, muitos, andam
perdidos sem a noção de que pisam o risco, ou pisam o risco com intenção mas
agarrados à ideia de que a vida está no “pisar o risco”.
Os direitos das pessoas, risco
que nunca poderia ser pisado, são esquecidos com frequência, etc.
No entanto, como sempre, há
riscos que continuam a precisar de ser pisados. Mudam de forma, mas não mudam
de conteúdo.
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