O Observador apresenta um extenso e interessante trabalho sobre
o mundo dos carteiristas, uma fauna que faz parte de Lisboa e dos pesadelos de
alguns turistas e nacionais que lhes passam à beira e lhes aguçam o engenho. É
um mundo com o qual, alguns de nós, estabelecemos uma relação ambígua, achamos
curiosa e "profissional" a sua actividade e ficamos possessos e a
exigir uma pena pesadíssima quando nos toca pela porta.
O mundo dos carteiristas de Lisboa divide-se entre os
"trabalhadores" nacionais e, a livre circulação e a globalização têm
destas coisas, os "trabalhadores" internacionais.
O trabalho é muito interessante, rico em histórias de vida,
designadamente, dos profissionais portugueses, das suas técnicas e da sã
camaradagem que estabelecem com a polícia que, conhecendo-os muito bem, acabam
por se envolver num jogo de gato e rato com regras conhecidas por todos e repetidamente
"jogado".
Achei particularmente interessante o facto de os carteiristas
portugueses preferirem "fazer" carteiras aos turistas pois os
portugueses "já têm muitas coisas para pagar". É bonita a solidariedade.
Pareceu-me ainda verdadeiramente curioso o facto do
carteirista considerado como o mais velho "profissional" em
actividade em Lisboa, tem 77 anos, ser conhecido pelo "Aníbal dos Transportes".
Provavelmente, a sua reforma não lhe dará para as despesas diárias pelo
que ainda se dedica à arte de fazer a "montada".
No entanto, o trabalho do Observador está, por assim dizer,
amputado, não aborda os carteiristas fiscais que praticam um carteirismo
fiscal, bem menos selectivo que os carteiristas de Lisboa, bastante mais
rentável e com a enorme vantagem de ser uma actividade legal.
Como algumas vozes clamam e quase todos sentimos, a todo o
momento e circunstância, alguém está a fazer a "montada", a meter os
dedinhos, os "baios" nas nossas carteiras, as "chatas", num
verdadeiro assalto legal.
A linguagem deste carteirismo fiscal também diferente e bem
menos interessante que a dos pilha galinhas, usa termos como, sacrifícios,
défice, austeridade, recuperação, recessão, impostos, restrição orçamental,
cortes, despesa, rigor, exigência, troika, etc., etc.
Uma outra diferença é de escala e recursos, o carteirismo
fiscal trabalha com modelos bem mais actuais e com recursos bastante mais
sofisticados que o artesanal carteirismo de bairro ou transportes
públicos. Tudo se transforma e como se sabe as actividades artesanais estão em
desaparecimento e a atrair menos pessoas, são pouco rentáveis. O
carteirismo fiscal ou de outra natureza mas a uma escala maior é na verdade
muito mais rentável, permitindo ainda ganhos colaterais, sempre do lado certo
da lei e, frequentemente, com algumas habilidades que alguns sabem como usar, do
lado errado da ética e da moral.
Ficou por fazer uma abordagem a este outro lado do
carteirismo.
Sem comentários:
Enviar um comentário