Sem surpresa, apesar da mudança de posição do PCP, o que se regista, o Parlamento rejeitou a adopção de
crianças por casais homossexuais. Assim sendo, mais uma vez, as vezes
necessárias.
Na verdade, esta matéria é um bom exemplo do tipo de questões que
estarão permanentemente em aberto na medida em que mais do que considerações de
natureza científica envolvem valores.
Na verdade, para além dos discursos anónimos ou identificados, mais ou
menos equilibrados, mais ou menos boçais, mais ou menos ignorantes, mais ou
menos sofisticados e assentes, aparentemente, em ciência, ficarão sempre os
valores e a forma como se olha o mundo. Não é grave, pelo contrário, parece-me
normal e legítimo mas importa assumir que se trata de valores e não
de ciência.
Se estão recordados, há algum tempo a Ordem dos Advogados, era Marinho
Pinto o bastonário, divulgou um parecer contra a proposta de permitir a
co-adopção e adopção fundamentando na ideia de "família
natural" o que faz pressupor para a Ordem dos Advogados que numa situação
em que uma mãe jovem fique viúva e decida viver com a sua mãe, ficando assim a
sua filha ou filho a viver com duas mulheres, teremos uma família "não
natural" que, eventualmente, colocará a criança em risco. É fraco o
argumento que aliás motivou uma tomada de posição de alguns advogados pouco
confortáveis com a pobreza da argumentação e posição da Ordem. Um artigo do de
Marinho Pinto posteriormente divulgado no JN tornou-se uma peça antológica no
que respeita a preconceito e desinformação.
Também há já bastante tempo foi referenciado por alguma imprensa em
Portugal uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que entendeu que
a Áustria violou a Convenção Europeia dos Direitos do Homem por não ter
permitido a adopção co-parental a um casal homossexual. Na sua decisão, o
Tribunal citou Portugal como um dos países com o mesmo entendimento que a
Áustria.
Parece-me de referir que o Tribunal Europeu considerou que o Governo
austríaco não apresentou provas sólidas de que seria “prejudicial para uma
criança ser adoptada por um casal homossexual ou ter legalmente duas mães ou
dois pais”.
Vale a pena retomar o argumentário contra a adopção e que se organiza
em torno de três grandes ideias, e que são a eventual dificuldade da criança em
lidar com a sua orientação sexual, a vulnerabilidade psicológica e o risco de
problemas de comportamento e também o risco acrescido de serem alvo de
discriminação, por exemplo, em contextos escolares.
Como foi afirmado numa conferência realizada em Lisboa sobre a
homoparentalidade, uma revisão de algumas dezenas de estudos sobre este
conjunto de razões realizada pela Associação Americana de Psicologia, motivou
uma resolução da Associação, em 2004, que não confirma nenhuma destas
preocupações o que também transpareceu em alguns testemunhos expressos num
trabalho que o Público realizou na altura.
Parece ainda de registar que em 2010, a Associação Americana de
Psiquiatria afirmava "apoiar as iniciativas que permitam a casais do mesmo
sexo adoptar e co-educar crianças".
Também em 2014 a Ordem dos Psicólogos de Portugal referiu em parecer
que "os resultados das investigações psicológicas apoiam a possibilidade
de co-adopção por parte de casais homossexuais, uma vez que não encontram
diferenças relativamente ao impacto da orientação sexual no desenvolvimento da criança
e nas competências parentais". Na mesma linha foi divulgada mais
recentemente uma outra revisão de estudos sobre esta matéria mostrando que a
homoparentalidade não afecta o desenvolvimento das crianças.
Podemos também lembrar que a maioria das pessoas homossexuais terá sido
educada em famílias heterossexuais, que existem muitas crianças com sérios
problemas emocionais e vulnerabilidade psicológica, a experimentarem condições
de mal-estar devastador integrando situações familiares heterossexuais ou,
finalmente, que existem múltiplos casos de crianças discriminadas por variadas
razões em contexto escolar o que não nos faz retirar, por princípio, as
crianças da escola mas, pelo contrário, combater a discriminação, sejam quais
forem as circunstâncias.
Do meu ponto de vista e de uma forma propositadamente simples, a
questão central é que o que faz com toda a certeza mal às crianças, é serem
maltratadas e os maus tratos não decorrem do tipo de famílias, mas da
competência humana e educativa, por assim dizer, de quem delas cuida, pais,
mães ou educadores.
Quando as crianças são bem tratadas e crescem com adultos
que gostam delas, as protegem e as ajudam a crescer, elas encontram caminhos
para lidar com dois pais ou com duas mães.
Insisto, o que as crianças terão dificuldade em resolver é ter por
perto adultos, heterossexuais ou homossexuais, que não gostam delas, que as
maltratam, negligenciam, abandonam, etc. Isso é que faz mal às crianças.
O resto é uma discussão não conclusiva, assente em valores de que não
discuto a legitimidade, mas que não podem ser confundidos com ciência ou com um
discurso de defesa das crianças de males que estão por provar.
Parece bem mais importante defendê-las dos males comprovados e que
todos os dias desfilam aos nossos olhos.
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