Um trabalho interessante e sempre relevante sobre o bem-estar
dos mais novos leva-me, de novo e sempre, a retomar a questão. Um conjunto de
estudos realizados entre Setembro de 2011 e Setembro de 2014, sobre as
condições de trabalho das equipas do Núcleo de Infância e Juventude do Centro
Distrital de Segurança Social do Porto mostrou as dificuldades sentidas no
desempenho das funções dos técnicos que integram estas equipas bem como os
potenciais efeitos para as crianças e adolescentes acompanhados por essas
equipas. Os resultados são preocupantes o que me leva, de facto, a notas
repetidas.
Em Dezembro de 2014, os técnicos a intervir na área da
protecção de crianças e jovens em risco manifestavam a sua preocupação com o
aumento de casos e o impacto nos recursos humanos disponíveis da redução de
técnicos da Segurança Social que integram as Comissões. Fi na altura divulgado
que existem Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco em que um
técnico é responsável pelo acompanhamento de 100 crianças, ou seja, 100
famílias, tarefa manifestamente impossível de ser realizada de forma eficiente
e efectivamente protectora das crianças e jovens.
Recordo que o Relatório da Actividade
das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em
Risco relativo a 2013 mostrava o aumento do número de casos, foram
acompanhadas 71.567 crianças, mais 2560 do que em 2012.
A exposição a situações de violência doméstica, a
negligência e casos relativos ao direito à educação (abandono, absentismo ou
insucesso escolar) são as situações com maior incidência. É ainda relevante que
os casos de crianças abandonadas ou entregues a si próprias quase duplicaram.
Verificou-se ainda o aumento do número de situações de
consumos, álcool e droga, bem como de indisciplina severa.
Merece registo positivo a diminuição de casos envolvendo
negligência, abuso sexual, maus-tratos psicológicos, abandono, mendicidade e
trabalho infantil.
Em termos globais e como habitualmente refere o Juiz Armando
Leandro, presidente da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em
Risco, importa ainda considerar que "nem todos os casos chegam
às Comissões de Protecção".
Embora não possa ser estabelecida de forma ligeira nenhuma
relação de causa as dificuldades severas que muitas famílias atravessam e a
insuficiência de apoios sociais não serão alheias a muitas das situações de
risco em que crianças e jovens estão envolvidos pois os estudos mostram que
crianças e velhos constituem justamente os grupos mais vulneráveis.
De há muito e a propósito de várias questões, que afirmo que
em Portugal, apesar de existirem vários dispositivos de apoio e protecção às
crianças e jovens e de existir legislação no mesmo sentido, sempre assente no
incontornável “supremo interesse da criança", não existe o que me parece
mais importante, uma cultura sólida de protecção das crianças e jovens de que
temos exemplos com regularidade. Poderíamos citar a insuficiência e falta de
formação de juízes que se verifica nos tribunais de Família com enorme
morosidade na resolução de situações de regulação para além de surgirem com
alguma regularidade decisões incompreensíveis em casos de regulação do poder
parental ou o silêncio face a situações conhecidas, etc.
Por outro lado, as condições de funcionamento as Comissões
de Protecção de Crianças e Jovens ou dos Núcleos de Infância e Juventude do
Centro Distritais de Segurança Social que procuram fazer um trabalho eficaz
estão longe de ser as mais eficazes e operam em circunstâncias difíceis como o
trabalho hoje divulgado com vários exemplos mostra claramente.
Na sua grande maioria as Comissões têm
responsabilidades sobre um número de situações de risco ou comprovadas que
transcendem a sua capacidade de resposta. A parte mais operacional das
Comissões, a designada Comissão restrita, tem muitos técnicos a tempo parcial.
Tal dificuldade repercute-se, como é óbvio, na eficácia e qualidade do trabalho
desenvolvido, independentemente do esforço e empenho dos profissionais que as
integram.
Este cenário permite que ocorram situações, frequentemente
com contornos dramáticos, envolvendo crianças e jovens que, sendo conhecida a
sua condição de vulnerabilidade não tinham, ou não tiveram, o apoio e os
procedimentos necessários. Sublinho que neste universo intervêm diferentes
entidades. Ainda acontece que depois de alguns episódios mais graves se oiça
uma expressão que me deixa particularmente incomodado, a criança estava
“sinalizada” ou “referenciada” o que foi insuficiente para a adequada
intervenção. Em
Portugal sinalizamos e referenciamos com relativa facilidade, a grande
dificuldade é minimizar ou resolver os problemas das crianças
referenciadas ou sinalizadas.
Por isso, sendo importante registar uma aparente menor
tolerância da comunidade aos maus tratos aos miúdos e ao seu mal-estar, também será fundamental
que desenvolva a sua intolerância face à ausência de respostas.
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