quarta-feira, 29 de maio de 2019

QUERIDA FAMÍLIA, AMIGOS E CONHECIDOS


Foram conhecidos dados do Projecto Rede Care da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima direccionado para a situação de abusos sexuais dirigidos a crianças e adolescentes no período entre 2016 e Maio de 2019. No total foram apoiadas 881 crianças e adolescentes vítima deste tipo de violência.
O número de situações que chegam à APV tem vindo aumentar durantes este período, em 2016 recebeu 195 novos pedidos de ajuda, em 2017 foram 251, em 2018 registaram-se 301 e até Maio de 2019 já se registar 131 novas situações o que dá uma média mensal superior à dos anos anteriores.
De acordo com a responsável por esta área de investigação “Tem havido muito mais participações. Vêm sobretudo da família das vítimas mas também das escolas e comissões de menores."
Na verdade continua com uma regularidade impressionante a revelação de casos de abusos sexuais sobre crianças e adolescentes. Como os estudos nesta área sempre reconhecem a maioria dos abusos sexuais sobre crianças ocorre nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em instituições que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão tornado mais atentas e eficazes na prevenção de abusos, embora continuem, evidentemente, a acontecer como tem sido divulgado.
Os dados agora conhecidos reportam que maio maioria dos crimes, 54,1% ocorre em contexto familiar e quando fora deste contexto, 39.9% a maioria dos agressores é alguém conhecido da vítima. Dito de outra maneira na maior parte dos casos de abuso é da responsabilidade de pessoas que a criança ou adolescente conhece e, em princípio, confia.
Apesar das mudanças verificadas em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada na criação de uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com base num sentimento de posse e usufruto quase medieval.
Muitas crianças em situação de abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar ou ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da eficiência dos sistemas de justiça e apoio, continua a ser absolutamente necessário que as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo de menos positivo se passa com eles.
Esta atitude de permanente, informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre as crianças e o enorme sofrimento provocado.

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