Foram conhecidos dados do
Projecto Rede Care da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima direccionado para
a situação de abusos sexuais dirigidos a crianças e adolescentes no período
entre 2016 e Maio de 2019. No total foram apoiadas 881 crianças e adolescentes
vítima deste tipo de violência.
O número de situações que chegam
à APV tem vindo aumentar durantes este período, em 2016 recebeu 195 novos
pedidos de ajuda, em 2017 foram 251, em 2018 registaram-se 301 e até Maio de
2019 já se registar 131 novas situações o que dá uma média mensal superior à
dos anos anteriores.
De acordo com a responsável por esta
área de investigação “Tem havido muito mais participações. Vêm sobretudo da
família das vítimas mas também das escolas e comissões de menores."
Na verdade continua com uma
regularidade impressionante a revelação de casos de abusos sexuais sobre crianças
e adolescentes. Como os estudos nesta área sempre reconhecem a maioria dos
abusos sexuais sobre crianças ocorre nos contextos familiares e envolve família
e amigos, não em instituições que, provavelmente na sequência do caso Casa Pia,
até se terão tornado mais atentas e eficazes na prevenção de abusos, embora
continuem, evidentemente, a acontecer como tem sido divulgado.
Os dados agora conhecidos
reportam que maio maioria dos crimes, 54,1% ocorre em contexto familiar e
quando fora deste contexto, 39.9% a maioria dos agressores é alguém conhecido
da vítima. Dito de outra maneira na maior parte dos casos de abuso é da
responsabilidade de pessoas que a criança ou adolescente conhece e, em
princípio, confia.
Apesar das mudanças verificadas
em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada na criação de
uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam
expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com
base num sentimento de posse e usufruto quase medieval.
Muitas crianças em situação de
abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da
denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de
que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual
das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se
sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar ou
ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos
que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais
casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da
eficiência dos sistemas de justiça e apoio, continua a ser absolutamente necessário que
as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da
educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo
de menos positivo se passa com eles.
Esta atitude de permanente,
informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do
meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre
as crianças e o enorme sofrimento provocado.
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