No DN aparece uma peça que coloca
uma questão típica dos tempos que vivemos, a hipervalorização das novas
tecnologias. No caso é referida a existência de múltiplas aplicações para
ajudar os pais no “controlo parental”. Há algum tempo talvez se dissesse “educação
dos filhos” em vez de “controlo parental” que me parece destinado a ficar (quase)
vazio de conteúdo.
É divulgado um elenco de
ferramentas que podem ser mais menos “invasivas” com diferentes preços e
mensalidades, com diferentes níveis de personalização e com funcionalidades
como capacidade para fazer ‘tracking’ de GPS para saber da movimentação dos
filhos ou a capacidade para bloquear como sites de pornografia por exemplo. É
também possível ter parâmetros para monitorização de tempo passado em jogos e
redes sociais ou a utilizar o telefone ou tablet.
Como também seria previsível já
existem sites e informação disponíveis na net que … permitem “enganar” este tipo de aplicações do “controlo
parental”.
Como ainda ontem escrevi a
propósito do uso de computadores na sala de aula parece-me importante afirmar
que todas as ferramentas podem ser úteis mas … não passam de ferramentas, não
são uma “poção mágica” nem podemos correr o risco dos pais delegarem nas apps
uma função que só eles podem exercer, a educação dos seus filhos.
Não esqueço que nos estilos de
vida actuais, desde logo por questões de
logística e funcionalidade mas também por mudanças nos valores, o tempo familiar para as crianças encolheu de forma
dramática, os miúdos passam tempos infindos na escola sob um princípio a que
até o ME se lembrou de chamar de forma infeliz “Escola a tempo inteiro” a que acresce para muitas crianças e adolescentes um conjunto de actividades fantásticas e os centros de estudo.
As
famílias expressam uma enorme dificuldade em compatibilizar o que ainda
entendem ser o seu papel educativo com a pressa e o pouco tempo que assumem ter
para o realizar. Tenho conhecido dezenas de pais que se sentem culpados e
fragilizados por entenderem que não têm para os filhos a disponibilidade de
tempo e atitude que julgam necessária. Esta culpa e fragilidade é, com
frequência, a base inconsciente que impede alguns pais de serem consistentes e
firmes na definição de regras e limites imprescindíveis às crianças, pois
“temem estragar” o pouco tempo que têm com elas devido a um eventual conflito.
Também sei que apesar da
proliferação de materiais que parecem querer assumir este papel não existem,
nem irão existir e ainda bem “manuais de instrução” para a educação familiar.
Neste contexto e considerando as
dificuldades não acreditando na educação perfeita da criança perfeita acredito
num princípio fundador da educação familiar, a promoção da autonomia e da
auto-regulação desde bebé, sim desde bebé, até … sempre.
Neste sentido e de há muito,
sempre que penso ou falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros
em que se afirma "... queria que me ajudassem para que fosse eu o dono de
mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de
si". Este enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da
educação, seja familiar ou escolar, em qualquer idade como, aliás, aqui
reafirmei recentemente.
Um processo educativo terá com
eixo estruturante a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da
forma adequada à idade e à função, actividade ou contexto em que se encontra.
Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das
crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no
fundo, a velha ideia de, "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Parece-me fundamental que
adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens.
No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de
vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das
sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos
miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua
autonomia e auto-regulação.
A rua, a abertura, o espaço, o
risco (controlado obviamente), os desafios, os erros, os limites, as
experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa
autonomia.
Tenho também a convicção de que
os pais são, de uma forma geral, intuitivamente competentes. Mais
"asneira", menos "asneira", mais uma "festinha",
menos um "ralhete" e o caminho cumpre-se sem grandes problemas. Um
discurso social excessivo em torno da "psicologização" ou induzindo a
ideia de que só indo a uma "escola de pais" e lendo vários
"manuais de instruções" poderemos ser bons pais, pode ser mais fonte
de inquietação que de ajuda.
Parece-me sobretudo importante
que os pais falem entre si sobre as suas experiências, sem receio de que os
julguem maus pais. Importa inda que na relação com os técnicos ligados à
educação as conversas não incidam quase que exclusivamente sobre "se está
bem ou mal na escola", mas que se abordem as questões educativas também no
contexto familiar de forma aberta e serena. Os "manuais de instruções"
não são a solução, são, alguns, apenas mais uma ajuda.
Pais atentos, pais confiantes,
são pais que educam sem especiais problemas. Paradoxalmente, alguns
"manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a
insegurança e a ansiedade de alguns pais.”
As apps de “controlo parental”
para além de se tornarem rapidamente ineficientes face às capacidades tecnológicas
e motivações dos mais novos podem ser uma tentação e até ter alguma utilidade
mas não são uma solução.
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