Num destes dias encontrei na
imprensa on-line, não consigo lembrar-me em que título, mais um trabalho em que
se reafirmava as múltiplas vantagens para as crianças que assume o brincar e o brincar na rua.
Muitas vezes aqui abordo esta
questão mas nunca é demais chamar a atenção para o papel central do brincar na
vida dos mais novos.
Recordo que em relatório recente,
a Academia Americana de Pediatria recomendou aos pediatras que na sua prática
clínica prescrevam “tempo para brincar”, um bem de primeira necessidade para o
bem-estar dos mais novos com impacto em diferentes dimensões.
Insistem que não se trata de uma
ideia “frívola” e os actuais estilos de vida de muitas famílias, por diferentes
razões, tornam ainda mais importante que se reafirme a importância de brincar.
Felizmente, nos últimos tempos começam a ouvir-se muitas vozes nesse sentido.
Os que por aqui vão passando reconhecerão a frequência com que aqui refiro esta
questão.
Durante os últimos anos foi-se
instalando a ideia que o brincar é supérfluo, é perda de tempo, o foco deve ser
em trabalhar, em rendimento e resultados, em nome da competitividade e da
produtividade, condição para a felicidade.
Com esta visão foram retirando
aos miúdos o tempo e o espaço que nós tínhamos e empregam-nos horas sem fim nas
fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério, a
tempo inteiro, dizem, pois só assim serão grandes a sério, dizem também.
Às vezes, alguns miúdos ainda
brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade quase
clandestina que só pais ou professores “românticos”, “facilitistas”,
“eduqueses” ou “incompetentes” acham importante.
Muitos outros miúdos vão para
umas coisas a que chamam “tempos livres”, que de livres têm pouco, onde,
frequentemente, se confunde brincar com entreter e, outras vezes, acontece a
continuação do trabalho que se faz na fábrica de pessoas, a escola.
Também são encaixados em dezenas
de actividades fantásticas, com nomes fantásticos, que promovem competências
fantásticas e fazem um bem fantástico a tudo e mais alguma coisa.
O brincar da infância vai-se
encurtando, algum dia os miúdos vão nascer crescidos para já não precisarem de
brincar.
Era bom escutar os miúdos. Se
lhes perguntarem (das diferentes formas de fazer perguntas) vão ficar a
saber que brincar é a actividade mais séria que realizam, em que põem tudo o
que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser e a saber.
No caso mais particular mas
também essencial do brincar na rua sabemos que as questões da segurança e,
sobretudo dos estilos de vida e a mudança verificada nos valores e nos
equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos, o brincar na rua começa a
ser raro.
Embora consciente das questões
como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível
alguma oportunidade de “devolver” aos miúdos o circular e brincar na rua,
talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos as comunidades e as
famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças por algum tempo
fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.
Ao reescrever estas notas
lembrei-me com enorme nostalgia dos tempos em que jogava ao berlinde. Há muitos
anos.
Lembro-me da minha bela colecção
sempre em actualização, com os berlindes, também lhes chamávamos bilas ou
carolos, as esferas de metal, os abafadores, as leiteiras, as pilecas, os
olho-de-boi, etc., numa variedade de cores e valores que serviam de moeda de
troca para gerir as colecções ou se perdiam e ganhavam no jogo das covas.
Não era um jogador de excelência
mas tinha um divertimento excelente. A minha mediana pontaria não chegava para
bater o genial Xico, o imbatível cromo do berlinde na minha rua.
Nos jogos com o Xico as apostas
tinham que ser pelo mínimo, caso contrário arriscávamos um rombo sério na
colecção. Tentávamos compensar escolhendo adversários mais acessíveis, com um
ranking mais baixo como hoje se diria, que nos davam alguma garantia de acabar
a sessão com mais uns berlindes no saco.
Usava os berlindes nuns sacos
pequeninos de pano que a minha mãe, costureira, fazia aproveitando as sobras do
trabalho dela. Um saco de berlindes e uma fisga constituíam o equipamento de
saída para a rua, o cenário de todas as brincadeiras. É verdade, já houve
tempos em que se brincava na rua.
Os renhidos jogos eram pretexto
para acaloradas discussões, às vezes, mais do que discussões, mas crescíamos
assim, percebendo limites e fronteiras para além, deve dizer-se, do peso das
mãos dos outros que, à vez, eram nossos amigos ou nossos adversários. Nas mais
das situações os conflitos surgiam da excessiva “elasticidade” com que medíamos
o palmo, o ganso como lhe chamávamos, que nos levava a ficar mais perto do berlinde
inimigo, facilitando a tarefa de lhe acertar. Lembro-me de a importância de, ao
aceitar ou fazer um desafio para um jogo, gritar primeiro “marralhos p’ró
carolo ao ganhas” que nos assegurava ser os últimos a iniciar o jogo e já ter
os berlindes adversários no teatro de operações, como agora falam e escolher a
táctica.
Na minha terra, há já alguns anos
que não vejo os miúdos a jogar ao berlinde, devem, seguramente, estar a fazer
outras tarefas que dão mais resultado e são boas para mais áreas do seu desenvolvimento,
não podem perder tempo com actividades estúpidas e antigas.
Na verdade, também já não podem
brincar na rua, é perigoso e a rua também já não permite as covinhas, só em
zonas de terra.
Na verdade, também já quase não
brincam.
Mas o futuro é risonho e feliz.
Produzem e aprendem coisas fantásticas desde pequenos, para não perder tempo.
Tempo é dinheiro.
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