quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

DO ENSINO DOMÉSTICO OU INDIVIDUAL

Foi ontem publicado o novo enquadramento legal do Ensino Doméstico e também do Ensino Individual uma área que poucas vezes merece atenção na agenda da educação.
Regista-se a subida significativa do número de crianças e jovens nesta situação, ensino doméstico ou individual (assegurado por docente habilitado), de 63 em 2012/2013 para 909 em 2017/2018.
Confirmando alguma informação e contrariamente à situação actual que apenas exige a informação à escola da área de residência, os pais deverão apresentar um pedido de autorização à direcção da escola da área de residência que o poderá recusar sem que se conheçam os critérios que informarão a decisão.
Passará a ser exigido o grau de licenciatura ao “Responsável educativo” – figura que de acordo com esta legislação será “o familiar do aluno ou a pessoa que com ele habita e que junto do aluno desenvolve o currículo”. Ao que parece só pessoas com pessoas licenciadas no contexto familiar as famílias poderão aceder a esta opção. Qual a justificação se, como é previsível, o processo académico da criança à medida que progride solicitará algum tipo de apoio em áreas curriculares?
É também exigido um estabelecimento de um Protocolo de Colaboração extenso e com carga de informação pouco “amigável” da sua operacionalidade e eficiência.
Tal como acontece actualmente, os alunos nesta situação realizarão provas de equivalência à frequência no final de cada ciclo, as provas de aferição quando for caso disso e os exames nacionais. Os seus resultados determinarão a transição como noutras modalidades de frequência.
Parece-me de referir que nesta modalidade, ensino doméstico ou individual, existem diferentes tipologias desde situações educativas em contexto familiar mais restrito até à criação de espaços de natureza alternativa onde em grupos muito pequenos e acompanhadas por profissionais as crianças realizam as actividades educativas e de aprendizagem.
É reconhecido que esta opção por parte de algumas famílias, para além de algumas razões de natureza logística menos significativas, radica em dimensões como a recusa ou reserva das famílias relativamente aos conteúdos curriculares centralizados e massificados gerados pela escolaridade obrigatória e universal, entendimento que também se associa por vezes a convicções religiosas, um quadro de valores e visão de educação ou de sociedade desejando algo de diferente para os seus e também a uma apreciação menos positiva dos ambientes escolares e dos seus eventuais impactos nas crianças e adolescentes.
É clara a legitimidade das opções familiares embora se saiba que em alguns países não é permitida e conheço e valorizo experiências positivas que acontecem neste universo e que vão sendo conhecidas. Aliás, quer por razões de legitimidade, quer por razões, aqui sim, relativas à liberdade de educação, ou de sustentação científica, tenho alguma dificuldade em atender aspectos como o pedido de autorização ao director da escola da área da residência para mais desconhecendo os critérios de decisão ou a exigência dirigida ao nível de escolaridade do “Responsável Educativo” que, aparentemente, não será o encarregado de educação.
Dito isto e agora em nome da liberdade de opinião algumas notas retomadas.
A melhor forma de proteger a liberdade de educação é uma fortíssima cultura de qualidade, rigor e exigência na escola pública e uma acção social escolar eficaz e oportuna.
Só a educação e a rede pública de qualidade podem promover equidade e igualdade de oportunidades.
Só a educação e a rede pública de qualidade podem ser verdadeiramente inclusivas e receber todos os alunos.
Só a educação e rede pública pode chegar a todos os territórios educativos e a todas as comunidades.
Só a educação e rede pública de qualidade promovem mobilidade social em circunstâncias de equidade no acesso.
Não cabe neste espaço uma análise mais profunda mas no que respeita ao ensino doméstico ou individual parece-me que apesar de ser um exercício de liberdade é uma resposta a que muitas famílias não poderão aceder pelo que retomo a importância de assegurar a qualidade da resposta que acolhe todos.
Por outro lado julgo que devem ser ponderadas questões como a densidade e natureza da rede social experienciada pelas crianças e adolescentes, a diversidade de actividades, o desempenho e contacto com diferentes papéis e diferentes contextos, a autonomia, os “limites” na acção didáctica (não educativa) dos pais que leva à necessidade de “orientadores” também conhecidos por “professores” embora num contexto físico diferente do mais habitual.
Por outro lado, o ensino doméstico ou individual tem como horizonte temporal toda a escolaridade obrigatória. Será ajustado pensar numa opção desta natureza até ao secundário?
Termino reafirmando o reconhecimento da resposta e da qualidade com que pode ser assegurada mas não posso deixar de afirmar que apesar do que conheço de positivo e menos positivo, a minha opção continua a ser a escola pública exigindo que ela cumpra com qualidade toda a sua imprescindível função.

Sem comentários: