Em dia de S. Valentim e sem querer bulir com a simpatia terna que nos merece a referência ao enamoramento consideremos as relações de namoro mas no seu lado B, sim, existe o lado B
desta relação que deveria ser bonita. Tem como face as diversas formas de
violência presentes nas relações entre gente que namora.
Foi agora conhecida uma nova
actualização do estudo sobre a Violência no Namoro 2019, que a União de
Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) tem vindo a realizar nos últimos anos tendo
como participantes jovens.
O número de jovens, que namoram
ou já namoraram que refere ter sofrido pelo menos uma forma de violência por
parte do parceiro(a) é de 58% sendo que em 2018 era de 56%. Um dado ainda mais
inquietante é manutenção de taxa dramaticamente elevada de jovens que que
entendem estas práticas como “normais”, 67% no inquérito deste ano e 68,5% no
estudo anterior.
Os comportamentos considerados
envolvem difamação, o recurso às redes sociais para chantagear o outro, o
hábito de intromissão no telemóvel ou nos bolsos, as agressões físicas e a
coacção para práticas sexuais não desejadas, etc.
Um outro trabalho também agora
divulgado, “Violência no Namoro em Contexto Universitário: Crenças e Práticas”,
promovido pela Associação Plano i mas envolvendo apenas jovens e jovens adultos
com frequência ou formação universitária” confirma os indicadores do trabalho
desenvolvido pela UMAR, 54,7% dos jovens em Portugal já sofreram pelo menos um
acto de violência no namoro. Sublinho que estamos a falar de estudantes
universitários o que tora tudo ainda mais preocupante.
O que ainda me parece mais
dramático é a manutenção sem grandes alterações destes indicadores ao longo dos
anos o que talvez ajuda a perceber como a violência doméstica parece
indomesticável.
Também hoje, Dia dos Namorados, o
Governo divulga uma campanha, #NamorarMemeASério, com o objectivo de eliminar a
violência no namoro identificando as suas diferentes forma e o seu entendimento
como “natural”.
Os dados convergem no indiciar do
que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais. Acresce que
boa parte das situações de abuso não são objecto de queixa.
Este conjunto de dados é
preocupante, gostar não é compatível com maltratar, mas creio que não é
surpreendente. Os dados sobre violência doméstica em adultos que permanece
indomesticável deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que
suporta os dados destes e de outros trabalhos. Aliás, nos últimos anos a
maioria das queixas de violência doméstica registadas pela APAV foram de
mulheres jovens.
Os sistemas de valores pessoais
alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e
obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época. De facto, e
reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é criticamente relevante a
percentagem de jovens, incluindo estudantes universitários, que afirmam um
entendimento de normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente
significam relações de abuso e maus-tratos.
Como todos os comportamentos
fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e
convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais,
mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância,
torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e
educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de
comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites
numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes
de protecção e apoio a eventuais vítimas.
Só uma aposta muito forte na
educação, escolar e familiar, pode promover mudanças sustentadas nesta matéria.
É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares.
Entretanto e enquanto não muda,
"só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?"
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