O Expresso tem um trabalho
curioso, “A minha escola”, para o qual pediu a algumas pessoas mais ou menos
conhecidas que escrevessem sobre o que foi a sua escola.
Achei piada e lembrei-me que também
já aqui escrevi sobre o que foi a minha escola.
Num tempo em que a escola, a
educação, está sob perante escrutínio, por boas e más razões, achei que poderia
recuperar o que foi a minha escola.
Não me esqueço, antes pelo
contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o resto, também tem
atravessado, atravessa e provavelmente sempre viverá dificuldades e problemas
sérios mas só a falta de memória, uma qualquer agenda ou o desconhecimento
sustentam o “antigamente era melhor”. Vejamos, pois, um pouco da escola do meu
tempo, conversa de velho, já se vê.
A minha escola lá para trás no
tempo não era grande, nem pequena, era triste. A maioria das pessoas que por lá
andavam era, naturalmente, triste. É claro que nós miúdos também nos
divertíamos e ríamos, como sabem os miúdos são resilientes.
As pessoas que mandavam na escola
estabeleciam o que toda a gente tinha de aprender, fazer, dizer e pensar. Quem
pensasse, dissesse ou fizesse diferente podia até sofrer algum castigo, mesmo
os professores, não eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as
pessoas contavam só histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os
professores, às escondidas, inventavam histórias novas.
Eu andei nesta escola lá para
trás no tempo.
E na escola do meu tempo nem
todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo,
ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava. Chegava.
Alguns outros, nem se entendia
que deveriam estar na escola, eram pessoas com deficiência, ainda não se tinha
inventado que tinham necessidades educativas especiais, que iriam fazer para a
escola.
E na escola do meu tempo os
rapazes estavam separados das raparigas.
E na escola do meu tempo havia um
só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.
E na escola do meu tempo
levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.
E na escola do meu tempo
ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que
fosse.
E na escola do meu tempo eu era
“obrigado” a ter catequese, religiosa e política.
E na escola do meu tempo
aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e
dos filhos.
E na escola do meu tempo não
aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o
campo”. Quanto menos estudassem, menos perguntas e dúvidas teriam.
E na escola do meu tempo não se
falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal
cinzento e pequenino.
Na escola do meu tempo eu era
avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso.
Quem mandava no país achava que
muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram
porque me tinha posto a estudar depois da quarta classe, não era frequente
naquele meio, para ser serralheiro como ele não precisava de estudar mais.
Sim, eu sei, não precisam de me
dizer que a escola deste tempo tem muitas coisas, embora com outras vestes e
discursos, que nos recordam a escola do meu tempo. Mas o caminho é melhorar a
escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.
Eu andei naquela escola lá para
trás no tempo.
Por isso, quando falam da escola
hoje, penso, nunca mais voltarei a andar naquela escola. E não quero que os meus netos e os outros miúdos andem numa escola como aquela, a minha escola, lá para
trás no tempo.
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