domingo, 10 de fevereiro de 2019

FALTA DE PROFESSORES, ESTAVA ESCRITO NAS ESTRELAS


No Expresso começa a escrever-se uma crónica de um problema anunciado mas negligenciado, a falta de professores.
Muitos directores reportam a enormes constrangimentos no funcionamento das escolas em condições normais devido à extrema dificuldade de substituição de docentes em situação de baixa, um número crescente. As dificuldades decorrem das condições de precariedade e carreira ou da falta de docentes em alguns grupos.
Recordo que em meados de 2018 e segundo a Fenprof existiriam perto 12000 docentes em situação de baixa médica sendo que em Março, de acordo com a ADSE estavam mais de seis mil professores com baixa médica há mais de sessenta dias a aguardar pela realização de junta médica.
Por curiosidade relembro que também em 2018, em Março, se realizou em Lisboa um encontro internacional organizado pelo ME, OCDE e pela organização Internacional da Educação em que o tema central da cimeira foi o bem-estar dos professores pois “Não se deve perder a oportunidade de colocar o bem-estar dos professores no centro das políticas de todos os países que participam nesta cimeira”, afirmou a propósito o secretário-geral da IE, David Edwards e o bem-estar dos professores terá de ser percebido pelos Governos como “um tema político de primordial importância”. Sabe-se que se os docentes “se sentem bem com eles próprios podem fazer uma diferença positiva no ensino dos seus alunos” lia-se na nota de imprensa.
Em Dezembro escrevi aqui um texto sobre esta questão que de há muito se anuncia a que chamei “Mayday, Mayday” tendo retirado o título de um artigo histórico de um dos meus Mestres, o Professor Joaquim Bairrão Ruivo que também o usou com o sentido que tem na aviação. A situação é mesmo grave.
Num trabalho divulgado no final de 2018 pela OCDE, “Reviews of School Resources: Portugal 2018” retoma-se algo que tem vindo ser questionado nos últimos anos, designadamente nos dados divulgados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência e em estudos do CNE, o envelhecimento brutal da classe docente e as potenciais consequências negativas e que se agrava a cada ano que passa. Como escrevi várias vezes a este propósito, num país preocupado com o futuro o cenário existente faria emitir, como agora se usa, um alerta vermelho e agir em conformidade.
Ao perfil dos docentes profundamente  inquietante em termos de idade acresce que como é reconhecido em qualquer país, a profissão docente e altamente permeável a situações de burnout, estado de esgotamento físico e mental provocado pela vida profissional, associado a baixos níveis de satisfação profissional. Também o estudo da OCDE refere aspectos desta natureza e numa classe envelhecida o risco é, obviamente, mais elevado.
Dados já conhecidos do estudo realizado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova em parceria com a Fenprof sobre as condições pessoais dos professores considerando dimensões relativas ao “desgaste emocional, “burnout” incluído”, e sobre as condições em que estes trabalham - se há cansaço, desânimo, desmotivação ou, pelo contrário, alegria” em que responderam perto de 16000 docentes e os resultados são elucidativos e inquietantes. Quase metade dos docentes que responderam revela sinais preocupantes de “exaustão emocional”, (20,6% mostram sinais “preocupantes”, 15,6% apresentam “sinais críticos” e 11,6% têm já “sinais extremos” de esgotamento) e mais de 40% não se sentem profissionalmente realizados.
Foram identificados alguns factores explicativos dos resultados, a idade dos docentes, as questões relativas à carreira, organização (burocracia na escola e gestão hierarquizada das escolas) e o comportamento indisciplinado dos alunos.
Na verdade, os dados só podem surpreender quem não conhece o universo das escolas, como acontece com boa parte dos opinadores que pululam pela comunicação social perorando sobre educação e sobre os professores. Aliás, esta situação verifica-se noutros países, sendo que para além dos professores, os profissionais de saúde e de apoios sociais também integram os grupos profissionais mais sujeitos a stresse e burnout.
Este quadro é inquietante, uma população docente envelhecida e a revelar preocupantes sinais de desgaste.
Também se sabe que as oscilações da demografia discente não explicam a saída de milhares de professores do sistema, novos e velhos, como também não explicam a escassíssima renovação, contratação de docentes novos. Sem estranheza, no universo do ensino privado é bastante superior a presença de docentes mais jovens. Não esqueçamos ainda a deriva política a que o universo da educação tem estado exposto nas últimas décadas, criando instabilidade e ruído permanente sem que se perceba um rumo, um desígnio que potencie o trabalho de alunos, pais e professores. Acresce que sucessivas equipas ministeriais têm empreendido um empenhado processo de desvalorização dos professores com impacto evidente no clima das escolas e nas relações que a comunidade estabelece com estes profissionais.
Sabemos que os velhos não sabem tudo e os novos nem sempre trazem novidade. Mas também sabemos que qualquer grupo profissional exige renovação pelas mais variadas razões incluindo emocionais, de suporte, partilha de experiência ou pela diversidade.
As salas de professores são cada vez mais frequentadas, quando há tempo para isso, por gente envelhecida, cansada e pouco apoiada que muitas vezes pergunta "Quanto tempo é que te falta?"
Na verdade, ser professor é uma das funções mais bonitas do mundo, ver e ajudar os miúdos a ser gente, mas é seguramente uma das mais difíceis e que mais respeito e apoio deveria merecer. Do seu trabalho depende o nosso futuro, tudo passa pela educação e pela escola.
Como já estamos a sentir com as situações de baixa médica e de forma mais aguda com a previsível aposentação de milhares de professores num prazo relativamente curto teremos falta de docentes. O problema é que muito pelo contributo de opinadores e por efeitos de algumas das políticas públicas e matéria de educação a profissão de professor perdeu capacidade de atracção.
Seria desejável que não nos esquecêssemos que os sistemas educativos com melhores resultados são, justamente, os sistemas em que os professores são mais valorizados, apoiados e reconhecidos.

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