Na habitual viagem diária pela
imprensa encontrei no DN a referência a uma experiência a decorrer numa escola
básica de Lisboa que achei interessante, ensinar os alunos do 1º ciclo a andar de bicicleta e com segurança. O responsável pelo programa de ensino referia que no
ano anterior trabalhou com uma turma de 4º ano com 25 alunos em que 80% não
sabia andar de bicicleta. A notícia também informa que a Assembleia da República
discute hoje uma proposta do CDS e do PEV no sentido do seguro escolar cobrir
acidentes com velocípedes.
A verdade é que por questões da segurança, a alteração da percepção de valores, equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos e, sobretudo, a mudança nos estilos de vida, o brincar na rua começa a ser raro.
Embora consciente de variáveis como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível
“devolver” os miúdos a circular e brincar na rua, talvez com
a supervisão de velhos que estão sozinhos as comunidades e as famílias
conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças por algum tempo fora das
paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.
Quantas histórias e experiências
muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de
formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.
Como muitas vezes tenho escrito e
afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a
autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala
Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente,
os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de
desenvolvimento e promoção dessa autonomia.
Curiosamente, se olharmos às
nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos
no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos
positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e
crescidos.
Talvez, devagarinho e com os
riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por
pouco tempo e não todos os dias.
Por outro lado, a notícia e as notas
que alinhei fizeram-me recordar com imensa ternura e nostalgia a minha
bicicleta de adolescente, lá muito para trás no tempo numa estória que já por aqui passou.
Tive a sorte de ter uma bicicleta
desde gaiato pequeno, oferta de tios generosos, por isso sempre me habituei a
bicicletas até porque foi o veículo de transporte familiar até à adolescência,
altura em que o orçamento lá de casa possibilitou a aquisição de uma motorizada
para a família e na qual todos nos revíamos embevecidos, continuávamos em duas
rodas é certo, mas sempre tinha motor.
Já mais crescido, a economia
familiar tinha limites apertados e não chegava para uma bicicleta nova de roda
28 pelo que desenvolvi um empreendedor plano. Recolhia cobre de fios velhos de
instalações eléctricas e latão, sobretudo dos casquilhos das lâmpadas, que
trocava no ferro-velho do Gato Bravo por peças para a minha bicicleta. O
quadro, as rodas, selim, o guiador, os travões, o dispositivo de iluminação com
o dínamo na roda e a minha bicicleta foi crescendo, linda, através do que se
poderia designar por um modelo pioneiro de “assembling”, com a ajuda sabedora e
companheira do meu pai, um conhecedor de bicicletas e, sobretudo, um
especialista em gente miúda. Não vos posso dizer a cor da minha bicicleta
porque teve várias, era uma bicicleta personalizada.
De vez em quando, conseguia outro
guiador, outro selim e a minha amada e invejada bicicleta sofria um
“restyling”, até mudanças ganhou. Grandes voltas percorremos nós, quase sempre
com o Zé Padiola, tantas idas à Costa da Caparica e à Fonte da Telha, sempre
por estradas que há quarenta anos ainda nos permitiam andar de bicicleta sem os
riscos actuais.
É certo que eu e ela também
testámos o chão, mas éramos solidários e amigos, quando eu caía, ela
acompanhava-me sem um queixume ou ponta de revolta.
Era uma diversão a sério. Que
saudades da minha bicicleta.
2 comentários:
"É certo que eu e ela também testámos o chão, mas éramos solidários e amigos, quando eu caía, ela acompanhava-me sem um queixume ou ponta de revolta."
Nós éramos 7 irmãos e os mais velhos ensinavam os mais novos- eu e mais dois - e a técnica era subirmos à bicicleta (muitas vezes nem chegávamos aos pedais), tirar os travões e empurrar-nos. Lá íamos e parávamos quando parássemos, então o melhor era mesmo aprendermos depressa :))
Já não há tantos irmãos nem o brincar na rua para aprender a andar de bicicleta. As consolas e os ecrãs estão mais à mão.
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