Continuam verdadeiramente
preocupantes e aparentemente incontroláveis os casos de violência doméstica.
Para além dos episódio trágicos mais mediatizados, a morte de nove mulheres só em
Janeiro, existe um outro grupo de vítimas que, do meu ponto de vista, também não tem a
atenção e protecção que deveria, o das crianças envolvidas.
O caso trágico da criança morta
pelo pai num cenário de violência doméstica elucida esta preocupação, tanto
mais quando se sabe que algumas entidades foram avisadas da situação de risco
da criança.
Para além deste caso dramático os
dados disponíveis sugerem que em cada ano e em termos médios, 10 crianças ou
adolescentes ficam órfãs na sequência de um episódio de violência doméstica.
Muitos porque perdem a mãe por homicídio realizado por marido ou companheiro,
outros porque os pais foram presos ou se suicidaram após o crime. Não é
necessário sublinhar o impacto destas situações na vida de crianças e
adolescentes.
Para além desta situação
devastadora, julgo importante também chamar a atenção para o número de crianças
que assistem a cenas de violência doméstica e dos efeitos dessas vivências.
Como indicador recordo que
segundo o Relatório relativo a 2017 produzido pela Comissão Nacional de
Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças, é de 12,5% a percentagem de
casos sinalizados devido a exposição à violência doméstica.
Para além de sublinhar os danos
potenciais que esta exposição pode provocar nas crianças gostava de chamar a
atenção para um outro potencial efeito nas crianças que assistem a episódios,
por vezes violentos, de violência doméstica, os modelos de relação pessoal que
são interiorizados. Aliás, nos últimos anos tem-se verificado que a maioria das
queixas de violência doméstica é apresentada por mulheres jovens o que permite
pensar em crianças pequenas que assistirão a estes episódios.
Numa avaliação por defeito aos
casos participados de violência doméstica estima-se que cerca de metade serão
testemunhados por crianças. Se considerarmos que existem muitíssimas situações
não reportadas, pode concluir-se que estas testemunhas, por vezes também
vítimas, serão em número bem mais elevado.
Este quadro lembra o velho adágio
"Filho és, pai serás", ou seja, num processo de modelagem social
muitas crianças tenderão a replicar ao longo da sua vida, em adultos também, os
comportamentos a que assistiram e que, tal como podem produzir efeitos
traumáticos, poderão adquirir aos seus olhos, infelizmente, um estatuto de
normalidade.
Não é certamente por acaso que
estudos recentes em Portugal evidenciaram números elevadíssimos de violência em
casais de jovens namorados universitários, uma população já com níveis de
qualificação significativos.
Neste contexto e com o objectivo
de contrariar uma espécie de fatalidade em círculo vicioso, os miúdos assistem
à violência doméstica, replicam a violência, a sociedade é violenta, quando
crescem são violentos em casa, e assim sucessivamente, importa que os processos
educativos e de qualificação sublinhem a dimensão, a formação cívica e o quadro
de valores.
Não é nada de novo, a afirmação
desta necessidade.
A questão é que o próprio
discurso social e político sobre a escola e sobre os professores não me parece
contribuir para que se possa encarar a escola com a confiança necessária a que
possa cumprir o seu papel e contribuir para quebrar o círculo vicioso do
processo de modelagem social envolvido.
Acresce que a intervenção junto
das famílias e a tentativa de contrariar dinâmicas disfuncionais, violência
doméstica por exemplo, não dispõe dos meios e recursos suficientes.
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