quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

A ROTULAGEM DOS MIÚDOS


O DN republica hoje um trabalho que já tinha divulgado em Novembro com o sugestivo título, “Hiperativo, com défice de atenção, deprimido: a paixão pelos rótulos”. Considerando a pertinência e actualidade da questão em apreço, “republico” o texto que na altura aqui coloquei.
Partindo de uma referência ao livro “Niñ@s hiper: Infâncias Hiperactivas, Hipersexualizadas, Hiperconectadas” de de Ramón Ubieto e de Pérez Álvarez, o DN tem uma peça que merece reflexão séria. Os autores abordam o que aparece designado por “naming”,  a preocupação em encontrar um nome para dar a qualquer comportamento observado numa criança que seja considerado não adequado ou não “normal”.
De acordo com o que se tem como expectativa de comportamento, capacidades e competências e desempenho adequados,  muitas crianças são “rotuladas” com uma qualquer designação quando tal expectativa não se verifica.
Este processo pode envolver o contexto escolar, familiar ou a intervenção de diferentes técnicos e exige uma extrema prudência e competência. Por vezes até pode acontecer com a ajuda do Dr. Google e das redes sociais que sempre disponibilizam um extenso de volume de informação sobre o que quer que seja.
A “rotulagem”, por assim dizer, acaba por cumprir um papel justificativo, explicativo, do comportamento observado, a criança é “assim” porque tem “isto” o que, aparentemente pode descansar os que lidam com a criança. No entanto, para muitas crianças pode ser algo de profundamente negativo.
Muitas vezes tenho referido esta questão no Atenta Inquietude e retomo algumas notas.
De facto, a forma como olhamos, intervimos e exigimos dos comportamentos e resultados escolares dos mais novos mostram que de há uns tempos para cá uma boa parte dos miúdos e adolescentes parece ter adquirido uma espécie de prefixo na sua condição, o "dis", passam a "dismiúdos".
Se bem repararem a diversidade é enorme, ao correr da lembrança temos os meninos que são disléxicos em gama variada, disgráficos, discalcúlicos, disortográficos ou até distraídos.
Temos também as crianças e adolescentes que têm (dis)túrbios ou perturbações. Estes também são das mais diferenciadas naturezas, distúrbios do comportamento, distúrbio do desenvolvimento, distúrbios da atenção e concentração, distúrbios da memória, distúrbios da cognição, distúrbios emocionais, distúrbios da personalidade, distúrbios da actividade, distúrbios da comunicação, distúrbios da audição e da visão, distúrbios da aprendizagem ou distúrbios alimentares.
Como é evidente existem ainda os que só fazem (dis)parates e aqueles cujo ambiente de vida é completamente (dis)funcional ou se confrontam com as (dis)funcionalidades em muitos contextos escolares, número de alunos por turma excessivo, currículos desajustados, falta de apoios, etc.
Pois é, há sempre um "dis" à espera de qualquer miúdo e senão, inventa-se, "ele tem que ter qualquer coisa".
De forma propositadamente simplista costumo dizer que algumas destas crianças não têm perturbações do desenvolvimento ou dificuldades de aprendizagem, experimentam perturbações no envolvimento e sentem dificuldades na “ensinagem”.
Agora um pouco mais a sério, sabemos todos que existe um conjunto de problemas que pode afectar crianças e adolescentes, esses problemas devem ser abordados, diagnosticados e, se necessário, recorrer a medicação mas, felizmente, não são tantos as situações como por vezes parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos "diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza uma perigosa indiferença ou falsas explicações sobre o que se observa nos miúdos.
As consequências podem ser graves.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

OS CONSUMOS DE ADOLESCENTES E JOVENS


Um relatório hoje apresentado na Assembleia da República produzido pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências refere o aumento do número de jovens referenciados nas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens devido a problemas com o consumo de álcool.
Em 2016 e 2017 foram sinalizados 607 casos, um número bem acima do verificado em anos anteriores.
Recordo ainda que durante 2017 o INEM respondeu a 1270 casos de menores em coma alcoólico e, nestas como noutras matérias, o número de casos reportados é significativamente inferior à prevalência real.
A questão dos consumos de diferentes substâncias é uma preocupação sempre presente nas comunidades e começa cedo, durante a adolescência.
No que respeita ao álcool que ”beneficia” de uma representação social mais amigável sobre o seu consumo mais amigável sabe-se que este tem vindo a crescer alterando-se também os padrões de consumo, beber na rua (é bastante mais barato) e o consumo excessivo e rápido (binge drinking) são duas características presentes. Segundo alguns especialistas, a embriaguez parece deixar de ser uma consequência do consumo excessivo para passar a ser um objectivo em si mesmo. Este padrão tem vindo a ser sublinhado por diferentes estudos sobre os hábitos dos adolescentes e jovens portugueses. Algumas notas.
Um primeiro aspecto a considerar é o facto de que apesar de alguns ajustamento legislativos os adolescentes continuam a adquirir facilmente cerveja e outras bebidas, as “litrosas” ou os shots, como lhes chamam, no comércio mais habitual, lojas de conveniência ou pequenos estabelecimentos de bairro, a um preço bem mais acessível que nos estabelecimentos que frequentam na noite e recorrendo à “toma” simples ou com misturas ao longo da noite, comprida aliás. A presente legislação restringe o comércio e estabelece multas bem mais pesadas mas o efeito prático não é o desejável pois em diferentes domínios a restrição devido à idade nem sempre é respeitada.
O consumo em quantidade e em grupos, sobretudo ao fim-de-semana, é muitas vezes entendido e sentido como o factor de pertença ao grupo, potenciando a escalada do consumo, juntos bebemos mais do que sós, como é óbvio e o estado que se atinge é sentido como um "facilitador" relacional e como é reconhecido o controlo das idades de quem compra seja ineficaz e facilmente ultrapassado.
Muitos adolescentes e jovens ouvidos em estudos nesta matéria, referem ainda a ausência de regulação dos pais sobre os gastos, sobre os consumos ou sobre as horas de entrada em casa, que muitas vezes tem que ser discreta e directa ao quarto devido ao “mau estado” do protagonista. Ainda não há muito tempo se noticiava a detecção por parte da PSP de algumas dezenas de adolescentes com menos de 16 anos identificados nas ruas durante a madrugada em Lisboa que "passeiam" sem supervisão parental.
É preciso que a comunidade esteja atenta a estes adolescentes que logo desde os 13 ou 14 anos “acedem” às “litrosas” e aos shots e também aos seus pais que muitas vezes estão tão perdidos quanto eles.
Apesar de se poder vir a legislar no sentido de apenas aos 18 anos ser permitida a aquisição de qualquer tipo de álcool, parecem-me imprescindíveis a adequada fiscalização e a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes e jovens que minimizem o risco do consumo excessivo.
A proibição, como sempre, não basta, restringir a publicidade só por si não adianta.
Como muitas vezes tenho afirmado, existem áreas de problemas que afectam as comunidades em que os custos da intervenção são claramente sustentados pelas consequências da não intervenção, ou seja, não intervir ou intervir mal é sempre bastante mais caro que a intervenção adequada em tempo oportuno.
A toxicodependência e o consumo do álcool por parte de adolescentes e jovens são exemplos dessas áreas. 
Quadros de dependência não tratados desenvolvem-se habitualmente, embora possam verificar-se excepções, numa espiral de consumo que exigem cada vez mais meios e promove mais dependência. Este trajecto potencia comportamentos de delinquência, alimenta o tráfico, reflecte-se nas estruturas familiares e de vizinhança, inibe desempenho profissional, promove exclusão e “guetização” para além de outros efeitos graves na saúde, física e mental, ou nos comportamentos, veja-se a notícia sobre o volume de acidentes em que as pessoas envolvidas acusam consumos, diferentes consumos. Este cenário implica por sua vez custos sociais altíssimos, persistentes e difíceis de contabilizar.
Os consumos, de diferentes substâncias, por parte dos adolescentes e jovens podem relacionar-se com alguma negligência paternal mas na maioria dos casos trata-se de pais que sabem o que se passa, “apenas fingem” não perceber, desejando que o tempo “cure”, sentem-se tremendamente assustados, sem saber muito bem o que fazer e como lidar com a questão. De fora parece fácil produzir discursos sobre soluções, mas para os pais que estão “por dentro” a situação é muitas vezes sentida como maior que eles, justificando-se a criação de programas destinados a pais e aos adolescentes que minimizem o risco do consumo excessivo.
Costumo dizer em muitas ocasiões que se cuidar é caro, façam as contas aos resultados do descuidar.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

A FALTA DE ASSISTENTES OPERACIONAIS, PERDÃO, DE AUXILIARES DE EDUCAÇÃO


Segundo o DN a Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas irá realizar um Públicas decidiu abrir um inquérito aos 811 agrupamentos do país no sentido de conhecer a realidade relativa aos constrangimentos por falta de auxiliares de educação, recuso designar estes profissionais por assistentes operacionais.
Apesar do reforço que se terá verificado e por razões diversas, incluindo uma elevada taxa de baixas médicas, algumas escolas sentem nesta matéria, apenas mais uma fonte de dificuldades.
Também importa referir que segundo a imprensa muitas das contratações são em regime de precariedade que este modelo, contratação de tarefeiros, pode comprometer a qualidade do importante trabalho dos auxiliares de educação, nem sempre valorizado, pois a estabilidade, experiência e conhecimento das crianças e do meio são essenciais.
Vou repetir-me mas nunca é demais enfatizar o papel essencial que estes profissionais desempenham nas escolas e a necessidade de rácios adequados, qualificação, segurança e carreira que minimizem problemas que têm vindo a ser regularmente colocados por pais, professores e directores.
Seria desejável que a gestão desta matéria considerasse as especificidades das comunidades educativas e não se seguissem critérios cegos de natureza administrativa que são parte do problema e não parte da solução.
Para além da variável óbvia, número de alunos, é necessário que se contemplem critérios como tipologia das escolas, ou seja, o número de pavilhões, a existência de cantinas, bares e bibliotecas e a extensão dos recreios ou a frequência de alunos com necessidades especiais.
Por outro lado a colocação de muitos destes profissionais através do Contrato Emprego-Inserção para além das questões de precariedade, descontinuidade e salário levanta fortes problemas de perfil desadequado ao exercício de funções, pessoas sem qualquer tipo de motivação ou competência para estas funções e, pelo contrário, quem as revela não pode continuar.
Na verdade e mais uma vez, os auxiliares de educação, insisto na designação, desempenham e devem desempenhar um importante papel educativo para além das funções de outra natureza que também assumem e que exige a adequação do seu efectivo, formação e reconhecimento. No caso mais particular de alunos com necessidades educativas especiais e em algumas situações serão mesmo uma figura central no seu bem-estar educativo, ou seja, são efectivamente auxiliares de acção educativa.
A excessiva concentração de alunos em centros educativos ou escolas de maiores dimensões não tem sido acompanhada pelo ajustamento adequado do número de auxiliares de educação. Aliás, é justamente, também por isto, poupança nos recursos humanos, que a reorganização da rede, ainda que necessária, tem sido feita com sobressaltos e com a criação de problemas.
Os auxiliares educativos cumprem por várias razões um papel fundamental nas comunidades educativas que nem sempre é valorizado incluindo na estabilidade da sua contratação e formação.
Com frequência são elementos da comunidade próxima das escolas o que lhes permite o desempenho informal de mediação entre famílias e escola, têm uma informação útil nos processos educativos e uma proximidade com os alunos que pode ser capitalizada importando que a sua acção seja orientada, recebam formação e orientação e que se sintam úteis, valorizados e respeitados.
Os estudos mostram também que é nos recreios e noutros espaços fora da sala de aula que se regista um número muito significativo de episódios de bullying e de outros comportamentos socialmente desadequados. Neste contexto, a existência de recursos suficientes para que a supervisão e vigilância destes espaços seja presente e eficaz. Recordo que com muita frequência temos a coexistir nos mesmos espaços educativos alunos com idades bem diferentes o que pode constituir um factor de risco que a proximidade de auxiliares de educação minimizará.
Considerando tudo isto parece essencial e um contributo para a qualidade dos processos educativos a presença em número suficiente de auxiliares de educação que se mantenham nas escolas com estabilidade e que sejam orientados e valorizados na sua importante acção educativa.

COMBATE À CORRUPÇÃO. NÃO É NÃO QUERER, É NÃO PODER

Os indicadores relativos a 2018 do Barómetro Global da Corrupção, da responsabilidade da Transparency International, a rede global de Organizações Não-Governamentais que em Portugal é representada pela Transparência e Integridade mostram que Portugal permanece a meio da tabela do índice de percepção da corrupção tendo praticamente estagnado o que segundo a Transparência e Integridade evidencia a inexistência de uma estratégia de combate à corrupção.
Na sequência de relatórios anteriores os dados são devastadores. Sabe-se também que na grande maioria dos casos registados e investigados não resultam condenação, são frequentes as referências à falta de meios e recursos humanos no sistema judicial mas a coisa não se altera significativamente.
Recordo que já em Fevereiro de 2016 a Comissão Europeia afirmava num relatório que em Portugal “não existe uma estratégia nacional de luta contra a corrupção em vigor”.
No entanto, está sempre presente nos discursos partidários, sobretudo à entrada de cada novo governo, a retórica que sustenta o fingimento da luta contra a corrupção e a promoção da transparência na vida política portuguesa e, regularmente, emergem umas tímidas propostas que mascaram essa retórica, entram na agenda e rapidamente desaparecem até ao próximo fingimento.
Do meu ponto de vista, nenhum dos partidos do chamado “arco do poder” ou que a ele pretendem aceder, está verdadeiramente interessado na alteração da situação actual, o que, aliás, pode ser comprovado pelas práticas desenvolvidas enquanto poder. A questão, do meu ponto de vista, é mais grave. Os partidos, insisto no plural, mais do que não querer mexer seriamente na questão da corrupção e do seu financiamento, não podem e vejamos porque não podem.
Nas últimas décadas, temos vindo a assistir à emergência de lideranças políticas que, salvo honrosas excepções, são de uma mediocridade notável. Temos uma partidocracia instalada que determina um jogo de influências e uma gestão cuidada dos aparelhos partidários donde são, quase que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração pública e instituições e entidades sob tutela do estado. Esta teia associa-se à intervenção privada sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem interesses em ligação com o estado, a banca e as obras públicas são apenas exemplos. Os últimos anos foram particularmente estimulantes nesta matéria. O recentemente conhecido relatório preliminar da auditoria à CGD e os casos em julgamento e os que nem aí chegam são dramaticamente elucidativos e com custos brutais para toda a comunidade.
A manutenção deste quadro, que nenhum partido estará verdadeiramente interessado em alterar, exige um quadro legislativo adequadamente preparado no parlamento e uma actividade reguladora e fiscalizadora pouco eficaz ou, utilizando um eufemismo, “flexível”. Assim, a sobrevivência dos partidos, tal como estão e da praxis que desenvolvem, exigem a manutenção da situação existente pelo que, de facto, não podem alterá-la. Quando muito e para nos convencer de que estão interessados, introduzem algumas mudanças irrelevantes e acessórias sem, obviamente, mexer no essencial. Seria um suicídio para muita da nossa classe política e para os milhares de boys de diferentes cores que se têm alimentado, e alimentam do sistema.
O combate à corrupção, parece, assim, um problema complicado e fortemente dependente da criação de uma pressão cívica que obrigue à mudança. De quem faz parte do problema, não podemos esperar a solução. E assim se cumpre a pantanosa pátria nossa amada.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

UM QUILO DE CHUMBO, UM QUILO DE ALGODÃO


Quando era miúdo acontecia com alguma frequência os adultos quererem colocar-nos questões que nos deveriam embaraçar ou, o maior desejo, levar-nos ao engano para então se rirem da ingenuidade e ou do erro, coisas de adultos, como sabem.
Uma das perguntas mais usadas neste contexto era a conhecidíssima “O que pesa mais, um quilo de chumbo ou um quilo de algodão?”. Já não me lembro mas, provavelmente, como todos, durante algum tempo, respondi errado e posteriormente, com um ar de puto inteligente que não se deixa apanhar na curva, já respondia que era uma pergunta um bocado estúpida para se fazer a gente tão sabedora e esclarecida.
Passados estes anos, sem vislumbrar porque me lembrei disto, chego à conclusão de que, embora não fosse certamente a intenção dos adultos a pergunta faz todo o sentido, um quilo não pesa sempre um quilo. Vou tentar explicar esta ideia, no mínimo, disparatada.
Se pegarmos na vida de muitas pessoas que andam à nossa beira, um quilo de vida não pesa o mesmo para todos. Há gente para quem um quilo da sua vida é um fardo insuportável de tanto peso. Por outro lado, também existem pessoas para quem uma tonelada da sua vida é de uma enorme leveza que se carrega sem esforço.
Se olharmos para os mais pequenos a situação ainda fica mais óbvia. Temos miúdos que desde de que nasceram, cada quilo da sua vida tem um peso que não conseguem carregar de tanto sofrimento e que os deixa amachucados debaixo de tamanha dimensão. Outros miúdos, felizmente a maioria, carregam cada quilo da sua vida com a leveza de um berlinde no bolso.
Com o tempo das pessoas a questão põe-se da mesma forma disparatada, uma hora não é sempre uma hora. Todos nós já tivemos horas que duraram uma eternidade e, noutras circunstâncias, tivemos horas que passaram num segundo.
Pois é, agora, que já não me fazem a pergunta, é que eu era capaz de dar a resposta que certamente embaraçaria o perguntador, ou seja, depende do algodão e depende do chumbo.

domingo, 27 de janeiro de 2019

ALTERAÇÃO DO DL 54/2018


Li há pouco, tinha-me passado despercebido numa semana de lida bastante pesada, que o PCP, o BE com o apoio do PSD e do CDS-PP e contra o entendimento do PS, levarão proximamente a discussão na AR algumas propostas de revisão do DL 54/2018. Não sei se este processo também envolverá a revisão do DL 55/2018, dado que se articulam e entraram em vigor na mesma altura, este ano lectivo.
Espero para ver, a contaminação do universo da educação pela agenda partidocracia e das agendas partidárias é uma constante de há décadas. No entanto algumas notas.
Como tantas vezes aqui escrevi o DL 3/2008 carecia de revisão desde que apareceu.
Também entendo que o quadro de princípios estabelecido pelo novo quadro legislativo é representa um progresso que registo embora defenda que um normativo não tem que integrar doutrina científica ou modelos mas, fundamentalmente, princípios, orientações, definição de recursos e dispositivos de regulação.
É verdade que todos os processos de mudança estão sujeitos a dúvidas e sobressaltos pelo que a gestão das políticas públicas deve ter isso em consideração. A forma como foi colocado em campo só podia criar dificuldades, constrangimentos e dúvidas correndo o sério risco de hipotecar o potencial de mudança.
Como há dias aqui escrevi, uma das mais significativas maiores alterações apontadas ao 54/2018 seria, criar um novo paradigma, e acabar com a “categorização”. Não teríamos mais referências a “CEIs”, os “NEEs” ou os “redutores”. No entanto, ouvir e ler regularmente que alguém trabalha com 5 “adicionais” e dois “selectivas” ou com 6 “universais” ou ainda “Olá, alguém tem adaptações curriculares não significativas da Disciplina A e Disciplina B do x° ano?” ilustra o novo paradigma que eliminou a categorização.
O mantra é a flexibilização mas parece continuar a azáfama “grelhadora” que burocratiza e desgasta sem que o benefício pareça compensar o custo.
Os testemunhos conhecidos em vários espaços e de diferentes formas sobre o que vai acontecendo pelas escolas nesta matéria ilustram com muita clareza a enorme sombra de dúvidas sobre o processo que mostram todos os intervenientes, professores do ensino regular, docentes de educação especial, técnicos e pais que estão genuinamente empenhados em que todo corra o melhor possível.
Às dúvidas, muitas, surgem respostas que com frequência começam por “eu acho …”, “nós decidimos …”, “na minha escola”, “no meu grupo …”, etc.
Sim, também sei, há gente e escolas a realizar trabalhos notáveis como sempre aconteceu. Merecem divulgação e reconhecimento.
Não, não se verificam apenas pontuais incidentes próprios dos processos de mudança, não me digam que estamos na antecâmara da educação de qualidade para todos. Não é o mesmo que uma sala de aulas para todos.
Continuo a entender que o processo de mudança ganharia se durante algum tempo, antes da publicação, o normativo estivesse em discussão e trabalho nas escolas, identificando e antecipando os processos decorrentes da mudança, as dificuldades e as necessidades em matéria de ajustamento de recursos, organização e procedimentos. Teria estimulado uma apropriação envolvida e permitiria construir alguma coerência e maior tranquilidade no trabalho a desenvolver pelas equipas das escolas quando, de facto, entrasse em vigor.
Temo que avançar já para mudanças legislativas e eventualmente apressadas pelas agendas partidárias possa ser mais um problema que uma solução. Preferiria a construção nas escolas de uma massa crítica sólida e fundamentada que, então sim, sustentasse o ajustamento do quadro legislativo.
A ver vamos.

sábado, 26 de janeiro de 2019

ENTRADA NA ESCOLA


No DN encontra-se uma peça sobre uma matéria que regularmente reentra na agenda, a idade mais ajustada para a entrada na escola. A este propósito algumas notas.
De acordo com a lei em Portugal a entrada na escola é obrigatória para as crianças completem seis anos de idade até 15 de Setembro. As crianças que completam os seis anos entre 16 de Setembro e 31 de Dezembro, já depois do início do ano lectivo, podem matricular-se de forma condicional, ou seja, frequentam se existir vaga na escola. Existe ainda a possibilidade legal, com autorização específica, de que uma criança possa ver antecipada ou adiada em um ano a sua entrada na escola. Nestas circunstâncias colocam-se desde logo dúvidas relativas à idade adequada, sobretudo relativamente às crianças que entram com 5 anos, seja através da situação de condicional ou através de um pedido de antecipação.
De uma forma geral parece ser entendimento e prática em muitos países que os seis anos parecem ser uma idade ajustada para o início da escolaridade. Aliás, as opiniões expressas na peça do DN vão sesse sentido. Considerando a diversidade entre as crianças pode aceitar-se em alguns casos bem analisados que entrem mais cedo ou mais tarde. No entanto, creio que o melhor para a criança é que não se “acelere” este processo, tentação de muitos pais que assim antecipam vantagens futuras mas que na verdade podem implicar alguns riscos para a criança que, naturalmente, devem ser acautelados.
Em primeiro lugar importa sublinhar a importância de uma boa experiência de educação pré-escolar que é bastante mais que a “preparação” para a escola e não deve enredar-se no entendimento de que é uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no trajecto escolar.
Na verdade, as crianças estão a preparar-se para a vida, para crescer, para ser. A educação pré-escolar num tempo em que as crianças estão menos com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que têm um valor por si e deve ser entendida como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escolar.
Este período, a educação pré-escolar, cumprido com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da formação institucional de cidadãos. Esta formação é global e essencial para tudo que virão a ser e a fazer no resto da sua vida pelo que deve resistir-se à tentação de a acelerar.
Por outro lado, a "entrada" na escola, ou melhor, o processo de início da escolaridade obrigatória, continua a ser uma experiência fundamental para o lançamento de um percurso educativo com sucesso.
O início da escolaridade envolve na verdade um conjunto de circunstâncias irreversíveis na vida dos miúdos, ou seja, quando corre mal já não é possível voltar atrás e recomeçar com a esperança de que a situação vá correr melhor. Por isso se torna imprescindível que o começo seja positivo e em tempo oportuno. Para isso, importa que seja pensado e orientado, que crie as rotinas, a adaptação e a confiança em miúdos e em pais indispensáveis à aprendizagem e ao desenvolvimento bem-sucedidos.
Por outro lado, de há algum tempo a esta parte e como tenho constatado em muitas conversas com pais mas também em contextos escolares, tem emergido com progressiva regularidade discursos e comportamentos que sugerem a instalação nem sempre muito consciente de uma enorme pressão sobre os miúdos para a excelência do seu desempenho e em múltiplos aspectos.
Na verdade, fruto dos estilos de vida, de alterações nos valores e cultura e das dificuldades genéricas que enfrentamos, tem vindo a instalar-se de mansinho em muitos pais, e também dentro das instituições educativas, uma atitude e um discurso de exigência e de pressão para a excelência no desempenho dos miúdos, a começar pelos resultados escolares.
A questão não tem, evidentemente, a ver com a natural atitude de exigência mas um sim com a pressão muito forte para a produção e alto nível de rendimento e cada vez mais cedo pois, supõe-se, ganharão vantagens. E recoloca-se a questão da idade adequada.
Por outro lado, o clima instalado relativamente à pressão para resultados e para excelência e à forma como o sistema educativo tem sobrevalorizado a medida contribui para alimentar de um ambiente educativo competitivo e selectivo que cria em muitas crianças uma pressão fortíssima para a excelência dos resultados. Não é raro, antes pelo contrário e de acordo com as disponibilidades das famílias, que a seguir à escola muitas crianças caminhem para os centros de explicações que acabam por funcionar como AAE, Ateliers de Actividades Escolares respondendo como 2 em 1, tomam contas das crianças e melhoram, espera-se, o seu rendimento escolar.
Acresce que esta excelência que é exigida é extensiva a todas as áreas em que os miúdos se envolvem, devem ser excelentes a tudo tendo muitas crianças a sua vida transformada numa espécie de agenda, saltando de actividade em actividade numa agitação sem fim.
Acontece que algumas crianças, por questões de maturidade ou funcionamento pessoal, suportam de forma menos positiva esta pressão o que poderá gerar o risco de disfuncionamento, rejeição escolar e, finalmente, insucesso.
Também sei que em muitas destas actividades estará presente uma genuína preocupação dos seus responsáveis pela qualidade e adequação do trabalho que realizam com os miúdos. A questão é que esse trabalho é apenas um dos mil trabalhos com que se vai enchendo a vida dos miúdos.
A melhor forma de preparar os miúdos para o futuro é cuidar bem deles no presente, desejavelmente sem faltas, mas também sem excessos.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

DA DIFERENCIAÇÃO EM EDUCAÇÃO


Ainda pelos Açores e sempre a conhecer, desta vez as escolas dos concelhos de Povoação e Nordeste, um pequeno intervalo que permite este texto. Para além da realização de reuniões com os auxiliares de educação, como tenho dito recuso designá-los por assistentes operacionais, dedicadas à importância do seu trabalho, desenvolvemos com os docentes algum trabalho em torno de uma matéria tão importante quanto difícil e sujeita a equívocos, a diferenciação, quer na sala de aula quer em dimensões como percursos educativos capazes de responder à necessidade de construir projectos de vida positivos e com qualificação para todos os alunos.
Nestes encontros surgem sempre conversas interessantes. Um professor contou que na condição de presidente do Conselho Pedagógico e querendo promover uma discussão sobre diferenciação começou a reunião colocando num leitor um CD sobre educação falado em alemão.
Poucos minuto após o começo e passada a surpresa a maioria dos colegas começa a referir que não percebe. Foi a altura do professor explicar que muito provavelmente é o que se passa como alguns alunos, não percebem bem o que se passa na aula, daí a necessidade de recorrer a metodologias que os possam “agarrar”.
É uma forma de começar. De facto, a característica mais evidente de qualquer sala de aula ou escola é a diversidade. Em muitas conversas que realizo com pais pergunto aos corajosos que têm mais que um filho se os tratam da mesma maneira. Nunca alguém me responde que sim e se pergunto porquê, respondem com um ar óbvio qualquer coisa como “então, eles são diferentes”.
Esta é questão central, com grupos diversos e escolas diversas a resposta deve, tem que ser, diferenciada sob pena de não acomodar as diferenças entre os alunos comprometendo a qualidade, o sucesso e a inclusão.
Todo o sistema educativo e as políticas educativas devem servir de suporte a esta visão.
Indo um pouco mais longe nas práticas pedagógicas e como nestas se traduz um princípio de diferenciação umas notas breves sublinhando que alterar alguns aspectos não tem a ver com “inovação”, termo cuja utilização frequente me irrita um bocado. A questão central pode ser alterar e não inovar, são de há muito conhecidas boas práticas que diariamente são mobilizadas em muitas escolas quase sempre com pouca divulgação, até mesmo interna.
Uma primeira nota sobre o equívoco habitual de que diferenciação é sinónimo de trabalho individual. Considerando as dificuldades (e o desajustamento) de fazer assentar o trabalho educativo no trabalho individual, encontra-se assim um suposto “impedimento” à diferenciação. De facto, diferenciar não é igual a trabalho individualizado, pelo contrário, implica muito fortemente a aprendizagem cooperada e a cooperação entre professores. Aliás, verificando-se desejavelmente a aprendizagem individual por parte de cada aluno a sua construção é social pelo que mesmo que fosse possível o recorrer exclusivamente ao trabalho individual, (o que nem com turmas mais pequenas aconteceria) não seria a melhor forma de trabalhar.
Assim, só o desenvolvimento de formas diferenciadas de organizar os processos educativos, de gerir a sala de aula, de avaliar, de gerir a estrutura curricular ela própria com uma concepção e conteúdos que sejam amigáveis desta diferenciação, de comunicar, de cooperar com pais e encarregados de educação, etc., poderá permitir responder tão bem quanto possível à diversidade dos alunos e contextos.
Mas para que isto seja consistente e não localizado também sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, com a valorização do trabalho dos professores, com práticas de diferenciação e expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer para professores quer para alunos, etc.
Sabemos tudo isto. Nada é novo.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

A SÉRIO!?


A sério?!
Li e fiquei perplexo. O Presidente da República convidou para presidente da comissão organizadora das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas o opinador João Miguel Tavares.
Como é evidente esta minha perplexidade não decorre de qualquer juízo de natureza pessoal. Decorre da fundamentação da escolha.
João Miguel Tavares é reconhecidamente e assumidamente, importa sublinhar, um opinador que assume uma postura e discursos que sendo legítimos são “apenas” uma visão, a sua, de Portugal e das comunidades.
Não representa pelo percurso ou obras valorosas, mesmo que não consensuais, o que se espera e tem sido de alguma forma contemplado no perfil das pessoas que sucessivamente foram convidadas para tal função.
Marcelo Rebelo de Sousa deveria justificar tal escolha, trata-se do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades e não de tertúlia diletante de opinadores nos Jardins do Palácio de Belém.

POSTAL DOS AÇORES


Um postal enviado das Ilhas Encantadas, S. Miguel no caso, no intervalo de um dia muito comprido e, espero, cumprido.
Mais uma vez estou, estamos, face a um desafio enorme mas estimulante para quem tem a educação como paixão e também como forma de vida, tentar dar um contributo no âmbito de um Projecto, sempre um Projecto, que minimize o insucesso educativo e o abandono na população escolar nos concelhos de Povoação e Nordeste. Já tinha participado no trabalho desenvolvido em Lagoa que teve resultados interessantes e que agora envolve estes dois concelhos.
Com o entendimento de que, como ouvi pela primeira vez em Moçambique há muitos anos, para fazer uma casa bastam quatro homens, para educar uma criança é preciso uma aldeia, o trabalho a realizar está para além das escolas, envolve as famílias e as diferentes estruturas, públicas ou privadas, que lidam com as problemáticas das crianças e jovens e das famílias.
Será uma tarefa difícil certamente mas acredito que seremos capazes de realizar algo de positivo.
O empenho e a mobilização que encontramos no trabalho com todos os professores das escolas dos concelhos, a disponibilidade e abertura de várias entidades de sectores diversos das comunidades e, sobretudo, o muito trabalho com qualidade que já é realizado, são um conjunto de factores muito animadores apesar da consciência das dificuldades.
É bom estar por cá, é bom ter voltado, vai ser bom voltar com regularidade e espero que também sejam bons, melhores, os resultados que os miúdos, as famílias e os professores e técnicos competentes e empenhados que aqui encontrei merecem.
Uma nota final. O peixe nos Açores continua excelente.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

DA SÉRIE "METE-ME ESPÉCIE", SABER E OPINIÃO EM EDUCAÇÃO


Com uma impressionante regularidade continua a verificar-se a facilidade com que imensa gente, designadamente, a que tem acesso ou “reside” num qualquer meio de comunicação social emite comentários e análises sempre com um enunciado conclusivo sobre o universo da educação e seja qual for a temática, designadamente em tudo o que envolve professores e o seu trabalho. Uma tal de Moura Guedes que se apresenta como Procuradora é só mais um patético exemplo.
Por outro lado, quando troco opiniões com pessoas com formação de áreas diferenciadas que não as Ciências Sociais, designadamente Educação ou Psicologia, áreas que conheço melhor, sobre matérias do seu universo de formação ou intervenção, percebo que frequentemente os meus interlocutores desvalorizam o que exprimo pois não lhe reconhecem “saber” ou “ciência”, apenas opinião.
No entanto, quando falo de assuntos da minha área de estudo de décadas, Psicologia e Educação, qualquer que seja a sua formação, muitos dos interlocutores afirmam com a maior das convicções opiniões sólidas e seguras sobre o que está em discussão e assumem com toda a segurança essas opiniões como “saber”.
Quando era mais novo ainda tentava argumentar com base no que a ciência nestas áreas vai produzindo mas, dada a falta de efeito, vou desistindo, já não estranho os "eu acho" ou a variante "cá para mim".
Na verdade, “mete-me espécie” que engenharia, biologia, economia, medicina, etc., etc., sejam áreas de “saber” e que educação ou psicologia sejam percebidas não como áreas de saber mas como áreas de opinião que, naturalmente, qualquer pessoa pode expressar e, assim, passar a ser “saber”.
Aliás, até já tenho visto referências às Ciências da Educação escritas com aspas e, frequentemente, com sentido pejorativo. Foi patente nos últimos anos a emergência de discursos diabolizando as “ciências da educação” identificando-as como o eixo mal responsável pelo que de mau vai acontecendo no mundo da educação. Elucidativo. Seria estranho, no mínimo, alguém afirmar que o que se sabe e estuda em engenharia num qualquer ramo é prejudicial … à engenharia
“Mete-me espécie” que o que eu afirmo dentro da minha área não seja percebido como saber, não seja percebido como conhecimento, seja uma opinião e, como tal, passível de discussão com base noutra opinião enquanto o discurso do meu interlocutor sobre a sua área de intervenção seja “saber” pelo que um leigo como eu não o pode abordar de forma séria.
Não é grave que se construa opinião sobre qualquer assunto da nossa vida. É desejável e estimulante para toda a gente que assim seja. O que me “mete espécie” é que se entenda que opinião é ciência ou, quando convém, que a ciência não é ciência é opinião e como tal deva ser tratada.
Ao fim de quarenta anos de lida profissional já estou mais habituado mas lá que me “mete espécie”  e cansa … é verdade.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A HISTÓRIA DO DESAJEITADO


Era uma vez um rapaz chamado Desajeitado, um nome um bocado estranho. Toda a gente o chamava assim.
Na escola, os professores achavam-no mesmo um Desajeitado. Quase nunca realizava as tarefas do modo que lhe era pedido. Quase nunca dava as respostas que eram solicitadas, arranjava sempre umas conversas assim um pouco ao lado, como se costuma dizer. A maioria dos seus colegas também achava que o Desajeitado não era muito habilidoso considerando-o um desastrado nas brincadeiras pelo que não era uma companhia muito apreciada. A sua estrada, desde que entrara para a escola, tinha sido sempre percorrida desta forma.
Em casa a situação não era, nem nunca tinha sido, muito diferente. Os pais também achavam que o Desajeitado poucas coisas, ou nenhumas, fazia bem-feitas. Estavam sempre a criticá-lo pela forma pouco cuidada como fazia o que lhe era pedido. Os pais, para tentarem que o Desajeitado fosse um pouco melhor, comparavam-no muitas vezes à sua irmã Desejada que era um modelo, tudo fazia bem feito, era perfeita, nunca errava. Estranhamente, tal discurso não fazia o Desajeitado sentir-se melhor e funcionar de uma forma que agradasse mais às pessoas.
Na verdade, Desajeitado foi o nome que lhe começaram a chamar desde pequeno, o seu nome verdadeiro era Enjeitado.
Como sabem os Enjeitados não têm jeito para quase nada, apenas para se sentir mal o que produz muita falta de jeito, ficam Desajeitados.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

A LONGA MARCHA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA


Um dia destes deparei-me nas redes sociais com uma solicitação desta natureza.
“Olá, alguém tem adaptações curriculares não significativas da Disciplina A e Disciplina B do x° ano?
Obrigado
Em seguida estavam uma série de comentários com indicações de mail a solicitar também a partilha do que algum ou alguma colega tivesse para oferecer.
Tal pedido deixou-me a pensar no resultado da inovação, do novo paradigma, da flexibilização, da autonomia, da inclusão que definitivamente chegou, enfim, dos amanhãs que já cantam hoje e que revolucionam as nossas escolas.
Mais uma vez reafirmo que, genericamente, os princípios e o caminho indiciado me parecem adequados.
A forma como tudo foi posto em andamento, os discursos produzidos e a realidade dos territórios educativos em matéria de recursos de diferente natureza e competência é que colocaram e continuam a colocar mais dúvidas do que gostaria de sentir. O que vou conhecendo e lendo acentuam esta inquietação.
Não gostei dos pensamentos que me ocorreram. É evidente que é um problema meu ao qual tenho que responder mas ainda estou tentar perceber ... se tem resposta.

ESTUDANDO ... GANHA-SE MAIS


Lê-se no Expresso que dados do INE considerando 2017mostram que a formação superior continua a ser significativamente compensadora em termos de estatuto salarial. A remuneração média mensal de base era €943 brutos. Por níveis de formação, um licenciado ganhava em média de €1547,17 brutos mensais, 64% acima da média nacional. O mestrado permite um salário 62% acima da média nacional e um doutorado tem uma remuneração 145% superior.
Repetindo-me.
É verdade que não podemos esquecer o nível ainda significativo de desemprego entre os jovens, em particular entre os jovens com qualificação superior, obrigando tantos a partir à procura de um futuro que por cá não vislumbram mas esta questão decorre do baixo nível de desenvolvimento do nosso mercado de trabalho, de circunstâncias conjunturais e de erradas políticas de emprego e não da sua qualificação.
Neste cenário e como sempre afirmo, o discurso muitas vezes produzido no sentido de que "não adianta estudar" não colhe e não tem sustentação sendo “suicida” numa sociedade pouco qualificada como a nossa que, efectivamente e contrariamente à tão afirmada quanto errada ideia de que somos um país de doutores, continua, em termos europeus, com uma das mais baixas taxas de qualificação superior em todas as faixas etárias incluindo as mais jovens.
Conseguir níveis de qualificação compensa sempre e é imprescindível. Estudar e conseguir qualificação de nível superior compensa ainda mais. Temos pela frente o combate ao insucesso e ao abandono precoces, em que temos conseguido progressos de registar e temos o enorme desafio de promover a qualificação ao longo da vida para muitas pessoas que estão no mercado de trabalho sem qualificação.
Não podemos perder tempo, é o futuro com mais desenvolvimento e bem-estar que está em jogo.

domingo, 20 de janeiro de 2019

DOS VIDEOJOGOS


No DN encontra-se uma peça que constitui mais um exemplo da atenção que deve merecer a relação de crianças e adolescentes com o universo dos videojogos. A peça aborda o mais recente fenómeno de popularidade neste campo, o Fortnite. Algumas notas recuperadas de outros escritos sobre esta questão que, evidentemente, não sairá da agenda das preocupações nos tempos mais próximos.
Antes de mais gostava de sublinhar que a abordagem a estas matérias deve ser cautelosa e sem “pre” ou “pré” conconceitos. Na verdade, a utilização dos videojogos não é uma matéria de simples abordagem, existem opiniões de sentido bem diferente.
Uns opinam que os estudos sugerem riscos no uso excessivo destes materiais, recordo uma conferência há algum tempo realizada no ISCTE por Bruce D. Bartholow. Por outro lado, alguns socorrem-se de estudos que não encontram nenhuma relação de causa efeito entre o consumo de videojogos violentos e o desencadear de comportamentos de extrema violência, sendo ainda que existe quem defenda, em abstracto, o potencial educativo dos videojogos.
Sobre este último ponto recordo um Relatório de 2009 do Parlamento Europeu coordenado por Toine Manders em que se afirmava, curiosamente, que os resultados “contradizem muitos estudos que sublinham a dependência e a violência que os videojogos podem provocar nos mais pequenos, deixando alguns pais mais tranquilos” e, citando o próprio relatório, os videojogos estimulam “a aprendizagem de factos e habilidades como a reflexão estratégica, a criatividade, a cooperação e o sentido de inovação”. O relatório também referia, no entanto, que alguns videojogos podem não ser apropriados como o tempo excessivo neste tipo de actividade pode não ser positivo. O acesso extraordinariamente facilitado a videojogos com conteúdos obviamente desajustados algumas idades constitui justamente a base das opiniões mais cautelosas.
Julgo que se trata de uma matéria em que, por estranho que pareça, todos podem ter razão, ou seja, em muitas crianças, adolescentes ou adultos, comportamentos de enorme violência aparecem associados ao consumo de videojogos violentos mas nem todos os miúdos adolescentes ou jovens que os consomem desenvolvem comportamentos de violência, daí a inexistência de uma relação de causa-efeito.
A questão central, do meu ponto de vista, não é sobre se os videojogos fazem mal ou se fazem bem, é sobre o tempo que ocupam na vida dos miúdos e sobre a qualidade e os conteúdos disponíveis considerando a idade das crianças. Muitos de nós, especialistas ou não, inquietamo-nos com o tempo excessivo que muitas crianças e adolescentes passam sós, ou com outros "sós" do outro lado, agarradas a um ecrã, numa espécie de teledependência e já configurando um comportamento aditivo com consequências importantes no bem-estar dos mais novos.
Esta preocupação não tem nada a ver com um entendimento definitivo de que os videojogos são perigosos embora alguns o possam ser. Existem excelentes videojogos que, naturalmente, serão úteis e positivos na vida dos miúdos incluindo os processos de aprendizagem escolar. Aliás, e como é referido na peça do DN os produtores deste tipo de conteúdos sabem muito bem como construir “produtos” com características que “agarrem” o jogador sendo ainda que uma das versões do “Fortnite” é gratuita mas também pode ter conteúdos pagos o que avoluma as consequências da eventual dependência.
Segundo alguns estudos, perto de 50% das crianças até aos 15 anos terão computador ou televisor no quarto sendo que considerando os smartphones os números são bastante superiores e de regulação mais difícil.
Acontece que mesmo durante o período de sono e sem regulação familiar muitas crianças e adolescentes estarão diante de um ecrã, pc, tv ou telemóvel. Com é óbvio, este comportamento não pode deixar de implicar consequências nos comportamentos durante o dia, sonolência e distracção, ansiedade e, naturalmente, o risco de falta de rendimento escolar num quadro geral de pior qualidade de vida. A peça do DN mostra estes efeitos em alunos do 1º ciclo.
Uma outra questão e pretexto para estas notas é a situação de adolescentes, jovens ou adultos para quem os videojogos de entretenimento ou de apostas criam dependência, induzem mal-estar e sofrimento bem como às famílias. São cada vez mais frequentes por corresponderem a necessidades e problemas reais a referência a respostas existentes ou necessárias para estas situações. Não adianta pensar que só acontece aos outros. Pode, sem nos darmos conta, estar a instalar-se de mansinho numa criança ou adolescente perto de si. 
Recorrendo a dados do projecto europeu EuKids Online, 2018, o uso continuado da Internet repercute-se em 45% das crianças portuguesas com um dos seguintes sintomas: não dormir, não comer, falhar nos trabalhos de casa ou deixar de socializar.
Neste quadro, julgo merecer particular atenção o impacto que esta utilização demorada tem no desenvolvimento de crianças e adolescentes, designadamente nos hábitos e saúde do sono.
Comer faz bem às crianças, mas comer excessivamente e produtos de má qualidade, provoca sérios problemas de saúde. Que se eduque o consumo, sem se diabolizar ou exaltar o produto.
Estas matérias, a presença das novas tecnologias na vida dos mais novos, são problemas novos para muitos pais, alguns deles com níveis baixos de alfabetização informática. Considerando as implicações sérias na vida diária e que só estratégias proibicionistas não são muito eficazes, importa que se reflicta sobre a atenção e ajuda destinada aos pais para que a utilização imprescindível seja regulada e protectora da qualidade de vida das crianças e adolescentes.

sábado, 19 de janeiro de 2019

DOS PROFESSORES


A organização portuguesa do Global Teacher Prize solicitou à GfK a realização de um estudo com o objectivo de conhecer a percepção que a sociedade portuguesa tem dos professores.
Os resultados divulgados sugerem algumas notas direccionadas para o que nos parece mais interessante.
Professor é a terceira profissão em que os portugueses mais confiam, depois dos bombeiros com 94% de referências temos os médicos e os professores com 83% o que está em linha com outros estudos.
É de salientar a confiança das pessoas em quem lhes constrói o futuro, os professores, cuidando do seu mais precioso bem, os filhos, apesar de tanta gente, opinadores e tudólogos, responsáveis da tutela e mesmo algumas vozes pertencentes à classe, se esforçar por abalar e desvalorizar a imagem e função destes profissionais, seja por ignorância, má-fé, agenda política, ingenuidade ou interesses corporativos.
No entanto, não é uma profissão muito atractiva, apenas 1% a considera como objectivo profissional. No entanto, se considerarmos a forma com tantas vezes a profissão é mal tratada e desvalorizada e a extrapolação para o universo total nem me parece um mau indicador.
O que me parece também interessante é que a rejeição de ter como profissão professor é mais baixa entre os grupos com mais estatuto escolar e social, do 1.º e do 2.º ciclo do ensino básico, o nível de rejeição é de 93%. Se considerarmos quem realizou o secundário o indicador já é 82% e para as pessoas com formação superior é 51%. Se analisarmos os grupos sociais os indicadores vão no mesmo sentido, o nível de recusa da profissão professor é de 56% nas classes A e B e de 89% nas classes mais baixas, D e E. Parece claro que as pessoas cujo trajecto de vida as ligou mais à escola encaram mais positivamente a possibilidade o ser professor. Aliás, 89% dos inquiridos vê a profissão como desgastante e 62% afirma que “não é qualquer um que pode ser professor”. Bem que o sabemos e seria interessante que muita que perora sobre fizesse a experiência.
Também me parece de registar que 69% acha que a qualidade é elevada e que 91% afirma que os professores foram importantes na sua carreira escolar e 86% afirma que essa influência se estendeu à globalidade da sua vida. Aliás 71% diz que teve um professor que foi muito importante na sua vida e estes dados ajudam a perceber a razão pela qual 92% dos inquiridos valoriza mais as competências pedagógicas dos docentes que outras áreas de competência.
De facto, quando qualquer de nós faz um esforço para recuperar lembranças positivas sobre os professores, poucos ou muitos, com que nos cruzámos durante o nosso trajecto escolar, creio que quase todos nos lembramos de professores que continuam na nossa lembrança não só pelos saberes escolares que nos ajudaram a adquirir mas, sobretudo, por aquilo que representaram e foram para nós, ou seja, pela forma como nos marcaram. Cada um desses professores é, certamente, o melhor professor que conhecemos.
Por isso, cada vez mais estou convicto de que os professores, tanto quanto ensinar o que sabem, ensinam o que são, ou seja, existem muitos que nos ensinam conhecimentos e competências, o que é bom e indispensável, mas nem todos permanecem com a gente.
Parece-me sempre oportuno mas nestes tempos mais que nunca acentuar a importância desta dimensão mais ética e afectiva do ensino. Deve ser valorizada e promovida para que os miúdos possam, posteriormente, falar dos professores que os marcaram e que, por essa razão, continuaram com eles.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

O INSUCESSO NÃO É UMA FATALIDADE


Segundo dados divulgados através do portal InfoEscolas produzidos pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, apesar de algum progresso, continua preocupante o nível ainda elevado de alunos do 1º ciclo que não o terminam em quatro anos, passando, pelo menos, por uma retenção.
Faro e Beja apresentam os indicadores mais elevados, 22%, o Braga o distrito com melhor resultado ainda apresenta 11% de alunos que não cumpre o 1º ciclo sem retenção. Por curiosidade, Lisboa tem uma taxa de 13%.
Os números ilustram uma situação que, lamentavelmente, não tem nada de novo. Algumas notas.
Já sabemos que continua a verificar-se um nível importante de insucesso escolar no 1º ciclo desde logo no 2º ano, o primeiro em que a retenção, o chumbo, é possível.
Também sabemos que muitas escolas são espaços de sucesso e que o insucesso é mais elevado em escolas de periferia que servem territórios mais vulneráveis em termos sociais e económicos e em escolas de concelhos do interior mais desertificado, embora, sublinhe-se, mesmo nesses contextos existem escolas que conseguem fazer a diferença.
Também sabemos no âmbito do insucesso identifica-se como questão crítica a aprendizagem da leitura, da escrita e da matemática num quadro curricular que carece de ajustamento para além da “mágica” flexibilidade.
Sabemos a atribuição de causalidade face ao insucesso privilegia o “contexto familiar” e o meio socioeconómico desfavorecido mais do que questões de natureza curricular ou de recursos físicos, humanos ou espaços.
Sabemos e não é de agora que o chumbo, a retenção, não transforma o insucesso em sucesso, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram quer se queira, quer não. Aquilo a que alguns chamam de “cultura de retenção” existe e marca de forma importante alguns dos dados divulgados. Recordo que já no relatório relativo ao PISA de 2012 a OCDE afirmava que a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.
Também sabemos que para promover mais sucesso e não empurrar os alunos para os anos seguintes sem nenhuma melhoria nas suas competências ou saberes é essencial promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.
Sabemos também que a escola pode e deve fazer a diferença, em muitas escolas isso acontece. Mas para que isto seja consistente e não localizado também sabemos que o sucesso se constrói identificando e prevenindo dificuldades de forma precoce, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio eficazes, competentes e suficientes a alunos e professores, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, com a valorização do trabalho dos professores, com práticas de diferenciação e expectativas positivas face ao trabalho e face aos alunos, com melhores níveis de trabalho cooperativo e tutorial, quer para professores quer para alunos, etc.
Sabemos tudo isto. Nada é novo.
Só falta um pequeno passo.
Construir para todos os miúdos trajectórias de sucesso. Não, não é uma utopia. Tal como o insucesso não é uma fatalidade do destino.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

DA AVALIAÇÃO DAS ESCOLAS


Foi ontem anunciado pelo Secretário de estado da Educação o início em Maio do terceiro ciclo de avaliação das escolas da responsabilidade da Inspecção-Geral da Educação e Ciência.
Parece-me interessante a afirmação de que para além dos resultados do exames e da utilização de outros critérios como os designados “percursos directos de sucesso”, a avaliação terá na inclusão “o indicador-chave”.
Ao que foi dito, para o processo de avaliação serão desenvolvidas “métricas qualitativas” que se associem a outra informação de natureza mais quantitativa e recorrendo à “observação das práticas seguidas pelas escolas e não numa análise apenas documental”.
Sim, parece-me positivo em termos de enunciado mas … algumas notas.
A avaliação é, seguramente, uma ferramenta de promoção e regulação da qualidade do trabalho desenvolvido o que a torna imprescindível nos vários patamares do sistema, incluindo, naturalmente, as escolas. Em Portugal e de há muito, no universo da educação, a avaliação, seja de alunos, de professores ou das escolas tem sido um terreno de enorme instabilidade e conflitualidade, seja pela incoerência e incompetência de diferentes iniciativas da tutela, seja pela contaminação da normal conflitualidade destas matérias pelos interesses conjunturais da partidocracia, traduzidos numa volatilidade espantosa de mudanças e alterações que nem tempo têm se ser avaliadas antes de ser novamente ... alteradas e sempre recebidas reactivamente.
Recordo um Relatório da rede Eurydice, "Assuring Quality in Education — Policies and Approaches to School Evaluation in Europe" de 2015 sobre a avaliação da qualidade das escolas e dos modelos e dispositivos utilizados em 31 sistemas educativos europeus, todos os da UE bem como Islândia, Noruega, Turquia e Macedónia.
Para além das semelhanças verificadas entre o que se passa em Portugal e a realidade de outros países, relevavam algumas diferenças significativas.
Uma primeira nota sublinhar a referência à baixa participação de alunos e pais na avaliação das escolas. Tal não surpreenderá dada a cultura, modelos e práticas de centralização que genericamente conhecemos e do pouco envolvimento dos alunos que a também não será alheio o nível de autonomia.
No que respeita aos pais, também aqui, apesar das inúmeras experiências positivas, a centralização e a conflitualidade de interesses, nem sempre interiores à educação, não é favorável à participação dos pais, ainda que prevista, na avaliação das escolas. É ainda de realçar que temos, genericamente, um baixo envolvimento dos pais na vida das escolas.
A segunda nota relativa a diferenças importantes prende-se com o facto de Portugal ser um dos três únicos países em que a avaliação das escolas não contempla a observação de aulas. Esta matéria é mais uma das muitas em que a polémica é forte. Recordem-se as discussões sobre a observação de aulas no contexto da avaliação de professores e os discursos, práticas e equívocos instalados.
Por outro lado, parece-me importante reflectir sobre a enorme carga burocrática envolvida na avaliação das escolas que habitualmente solicitam uma carga enorme de informação, extensa, redundante e parte dela inútil, da forma que é requerida. A produção desta informação consome centenas de horas de trabalho a muitos docentes subtraídas à essência do seu trabalho.
O nível de informação solicitada e as regras impostas de funcionamento e organização mostra, de facto, um sistema altamente centralizado, burocratizado e com a tentação de manter um controlo absoluto sobre a organização e funcionamento das escolas.
A minha experiência em processos desta natureza, como membro de Conselho Geral, incluindo escolas com contrato de autonomia, é elucidativa.
A indicação da inclusão como “indicador-chave” e a definição das métricas qualitativas parece-me interessante mas importa ter uma ideia muito clara do que estamos a falar e a avaliar. Em nome da inclusão conhecem-se abordagens que atropelam direitos e promovem exclusão e, obviamente, muito boas experiências. Retomo o entendimento de que os critérios essenciais em matéria de educação inclusiva assentam na participação, na pertença e na aprendizagem, repito, na aprendizagem. Não contemplam alunos “entregados" em vez de integrados numa sala de aula e a sua acomodação numa qualquer medida prevista no quadro legislativo através de um processo burocratizado.
A avaliação, sendo imprescindível na promoção da qualidade é tanto mais eficaz nessa função quanto mais competente e simples possa ser. A avaliação também não pode servir para “certificar” ou “validar” aquilo que já “sabemos” ou “queremos” encontrar para "fabricar" sucesso. Temos tido exemplos estimulantes nesta matéria. Aliás e como sabemos, a “inclusão” por cá, tudo bem.
No meio disto e como dizia o Mestre João dos Santos, o mais difícil em educação é trabalhar de uma forma simples.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

AS PALAVRAS MAL DITAS


Ao que li no Público, na audição de ontem na Comissão da Educação e Ciência, o Ministro da Educação, em resposta a uma pergunta de uma deputada sobre a negociação prevista no OGE e base do veto ”brando” do Presidente da República à proposta do Governo de contabilização do tempo de serviço dos professores, afirmou que o processo negocial seria iniciado “atempadamente”, que o Governo “tem o seu próprio calendário" e que o OGE é “válido para todo ao ano de 2019”.
Não consta que o Ministro se tenha rido quando fez estas afirmações, poderia ser uma tentativa patética de “engraçadismo”, pelo que só poder considerada uma afirmação séria e, no mínimo, lamentável.
Umas notas breves e repescadas de um não especialista sobre a questão da comunicação, sobretudo das lideranças políticas.
A primeira questão é exactamente essa, o peso social do mensageiro condiciona o conteúdo da mensagem, ou seja, a mesma frase não tem o mesmo valor afirmada por um cidadão comum ou proferida por uma figura com responsabilidades de decisão, neste caso em matéria de cultura e políticas públicas nesta área. Aliás, trata-se do ministro da Educação.
Pode sempre afirmar-se que haverá alguma razão nas afirmações ou que a intenção não traduz o valor facial das afirmações.
No que respeita à eventual razão, mesmo que em algumas situações pudesse ser entendida, toda a gente as ouve pelo que não podem deixar de as analisar e levar em consideração.
Quanto à intenção, a sua não existência, e até posso esforçar-me por acreditar que não exista, não colhe. Numa certa altura do desenvolvimento dos miúdos, o seu desenvolvimento moral e intelectual leva-os a considerar que a sua não intenção de realizar algo, desculpa o que aconteceu, tal entendimento traduz-se no frequente "foi sem querer" e como "foi sem querer", não tem problema. Neste patamar, não funciona o "foi sem querer" e não podemos dizer a primeira "coisa que nos passa pela cabeça".
A questão é que as lideranças, as que verdadeiramente lideram, apesar de não possuírem, felizmente, o dom da infalibilidade e da perfeição, não podem, não devem proferir determinadas palavras e persistirem teimosamente na sua afirmação.
Trata-se de mais um exemplo de palavras (mal)ditas que ao longo dos anos têm sido proferidas por muita gente dos vários quadrantes políticos e áreas de intervenção.

OS MIÚDOS, ESSES RESPIGADORES


Já não é a primeira vez que aqui no Atenta Inquietude me refiro ao lindíssimo "Os Respigadores e a Respigadora" de Agnès Varda. Hoje faço-o de novo a propósito da vida de alguns miúdos.
É verdade, um número demasiado elevado de crianças e adolescentes são uma espécie de respigadores, ou seja, a sua vida depende muito das sobras da vida dos adultos.
Existem crianças que apenas têm pais e mães no tempo que a estes sobre, pouco, dos estilos de vida a que estão obrigados ou escolhem.
Em muitas circunstâncias os miúdos têm apenas a voz que os silêncios dos adultos, curtos, lhes concedem.
Existe muita gente miúda que na escola tem a atenção que sobra do cansaço e do esforço mal compreendido de muitos professores e o que sobra do investimento de políticas públicas com prioridades tantas vezes trocadas.
Todos conhecemos miúdos, mais pequenos e mais grandes, que se confortam com as sobras dos afectos que os adultos têm para distribuir.
Existem muitos miúdos que para brincar, a actividade mais séria que se faz quando se é pequeno, apenas têm o tempo que sobra da quantidade enorme de actividades com que são intoxicados em nome da excelência e do desenvolvimento.
Curiosamente e de forma paradoxal, muitos destes respigadores pequenos têm muitas coisas em excesso, que lhes não fazem falta alguma. Mas isso é outra história.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

NÃO ERA NECESSÁRIO


Como é sabido, em qualquer país e em particular no nosso, o universo da educação é um rio de águas calmas em que tudo decorre tranquilamente apenas com a agitação própria da idade dos alunos e da sua irreverência, por assim dizer.
Assim sendo, torna-se necessário que de vez em quando surjam alguns episódios que criem alguma discussão que proporcione convívio e troca de impressões.
Desta vez temos a questão do poema Ode Triunfal, de Álvaro de Campos. Na elaboração do manual Encontros para o 12º ano da responsabilidade da Porto Editora, numa obra de Fernando Pessoa escolhida para o integrar, “Ode Triunfal”, foram substituídos dois versos por questões de linguagem (explícita chamam-lhe para minha surpresa) e valores. A chamada liberdade poética não mereceu acolhimento.
A Porto Editora diz que no manual dirigido aos professores o texto está completo cabendo a estes decidir se e como abordar a obra. A Associação Nacional de Professores de Português através da sua presidente critica fortemente a “truncagem”.
Das duas uma, a obra de Álvaro de Campos cumpre os critérios de relevância que sustentem o seu estudo pelos alunos do 12º e, portanto, deve ser disponibilizada na íntegra ou, não cumpre, e a escolha deveria ser outra.
A discussão sobre esta matéria que envolve em leitura do texto por gente acima dos 17 anos no ano da graça de 2019 é algo que do meu ponto de vista faz pouco sentido e sustentada por moralismo inconsistente. Este episódio remete para os meus tempos de liceu quando nas aulas de Português estudávamos os Lusíadas mas não abordagem o Canto Nono dos Lusíadas e a sua Ilha dos Amores, a parte mais estimulante da obra de Camões que, evidentemente, líamos pelo amor à literatura.
Com tantos problemas e dificuldades diárias porquê criar mais ruído? Como é que se decide solicitar a gente de jovem quase adulta para lerem um poema mas não aquelas duas linhas?
Não sei porquê lembrei-me da imortal “Cena do Ódio” do Mestre Almada, aliás, dedicada a Álvaro de Campos:
(…)
Tu, qu'inventaste a chatice e o balão,
e que farto de te chateares no chão
te foste chatear no ar,
e qu'inda foste inventar submarinos
p'ra te chateares também por debaixo d'água,
(…)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

A ESTRUTURA DO ENSINO BÁSICO DE NOVO NA AGENDA


A estrutura do ensino básico vai voltar a agenda com a discussão no Parlamento de propostas do PCP e do CDS-PP. O PS não parece muito disponível afirmando que “não avançará com propostas de redefinição de ciclos, uma vez que estas implicam uma revisão da Lei de Bases do Sistema Educativo a qual nos convoca sempre para uma ampla discussão prévia”. O motivo é fortíssimo e claro, não se altera a Lei de Bases porque isso implica uma “ampla discussão prévia”. Parece, assim, mais interessante e fácil decidir e implementar políticas públicas sem discussão prévia, sem a tentativa de estabelecer consensos e ao sabor da agenda.
É verdade que as políticas públicas são cruciais, no domínio da educação e desde 1986 com a mesma Lei de Bases do Sistema Educativo temos tido políticas educativas de sinais completamente contrários, em permanente alteração nas mais das vezes sem avaliação e com a tentativa de que cada equipa deixasse a sua impressão ou experimentalismo. No entanto, parece já ser o tempo de “olhar” para a Lei de Bases, seria fundamental, por exemplo, integrar o período dos 0 aos 3 anos, no sistema educativo.
Recordo ainda que no programa do Governo constava “Promover uma maior articulação entre os três ciclos do ensino básico, redefinindo progressivamente a sua estrutura de modo a atenuar os efeitos negativos das transições entre ciclos, assumindo uma gestão mais integrada do currículo e reduzindo a excessiva carga disciplinar dos alunos;”
Creio que pode afirmar-se que parece estabelecer-se algum consenso no sentido de repensar a estrutura do Ensino Básico ainda que seja mais difícil definir qual o modelo a considerar. No final do ano passado a presidente do CNE, Maria Emília Brederode Santos e a divulgação do Relatório "Estado da Educação 2017" também trouxeram esta questão para a mesa.
A verdade é que não é uma matéria nova, estruturas representativas dos pais e encarregados de educação, (CONFAP), dos professores, (FNE), ou dos directores escolares, (ANDE), já têm manifestado abertura para esta análise e eventual ajustamento.
Uma das questões que a sustentam é eventuais constrangimentos associados a repetidos processos de transição em pouco espaço de tempo. O Ministro da Educação afirmou na altura que, apesar de abertura para alterações, não considera significativo o impacto da sua existência nos níveis de retenção e abandono. No entanto, sendo difícil estabelecer qualquer relação de causa e efeito parece claro que a sua existência nos termos actuais pode estar associada a um conjunto de variáveis que, essas sim, se repercutem nos níveis de desempenho e qualidade dos processos de ensino e aprendizagem. São exemplos destas variáveis, a existência de períodos de transição, a estrutura, conteúdos e nível de integração curricular considerando as idades dos alunos envolvidos, etc.
Não será, aliás, por acaso, que o modelo que temos tem existência residual em termos de UE e OCDE.
De há muito que também entendo a necessidade de ajustar, quer a organização do ensino básico, quer as áreas disciplinares e respectivos conteúdos tendo também aqui referido algumas ideias sobre isto que vão, aliás, na linha do que se encontra em outros países com sistemas educativos com bons resultados.
Sei também da enorme complexidade de mudanças nestas áreas até pelo impacto que poderá ter na organização da carreira e formação dos docentes para além da multiplicidade de variáveis a considerar.
Em primeiro lugar não deve realizar-se sem considerar a organização curricular, designadamente no que respeita a conteúdos e número de disciplinas. Recordo que segundo a Lei de Bases do sistema educativo o ensino básico organiza-se numa lógica de ciclo e não numa lógica disciplinar contrariamente ao ensino secundário.
Deve ser acompanhada de uma real autonomia das escolas.
Deve contemplar a existência de diferenciação de trajectos educativos que não sejam definidos e considerados como de “primeira” e de “segunda”. É fundamental que todos os alunos adquiram na escolaridade obrigatória uma qualificação, quer seja para prosseguir o seu trajecto escolar no superior, universitário ou politécnico, quer seja para entrar no mundo de trabalho ou em programas de formação profissional mais curtos. Só assim poderão, todos, construir um projecto de vida viável e positivo.
Neste sentido e olhando para o que se passa noutras realidades e nos pode ajudar a pensar, creio que opção ajustada seria a existência de um primeiro ciclo de seis anos assente nas ferramentas de construção do conhecimento e desenvolvimento pessoal, um segundo ciclo de três anos já com algumas disciplinas opcionais que acomodassem motivações e escolhas dos alunos e um terceiro ciclo, o ensino secundário aqui já com vias diferenciadas incluindo formação profissional.
Um ensino básico com uma estrutura desta natureza seria certamente mais capaz de acomodar e responder de forma mais eficaz e integrada à diversidade dos alunos, designadamente, de alunos com necessidades especiais, insisto, prefiro recorrer a esta “velha” designação que às inovadoras "categorias" que não são "categorias" uma vez que se acabaram as catergorias, “selectivas”, “universais“ ou “adicionais”.
Insisto no entanto que o quer que venha a ser realizado, se vier a confirmar-se a alteração, deve acontecer com uma enorme prudência, reflexão aprofundada e com a participação o mais abrangente possível dos diversos actores e entidades envolvidos.
Como afirmei a propósito de outras mudanças recentemente verificadas, depressa e bem não há quem. Objectivos globalmente positivos podem ser comprometidos por más metodologias ou calendários de mudança inadequados.
Importa que não se realizem de forma apressada e sem um consenso tão sólido quanto possível sobre conteúdos e calendário das mudanças que, reafirmo, me parecem necessárias.
Como muitas vezes afirmo, é tão importante "fazer as coisas certas como fazer certas as coisas". Se bem repararmos nem sempre isto se verifica, mesmo na nossa acção individual. Em políticas públicas ainda é mais necessário.


domingo, 13 de janeiro de 2019

O DESTEMPO


Pode parecer-vos esquisito mas na verdade parece que se vivem tempos de destempo. Quero eu dizer com esta estranha conversa que cada vez mais se pode reparar como o des está presente nos discursos e nos comportamentos. Reparem em alguns exemplos.
O despudor indigno com que se convive com a desigualdade e ao mesmo tempo se alimenta o desperdício.
Nas relações entre as pessoas não falta o desencontro. Quando se olha para o futuro muita gente se sente desmotivada e descrente.
Instalou-se um sentimento de desconfiança que mina a ideia de comunidade. Muita gente, pequena, graúda e mais velha, passa pelo desconsolo da solidão. A nossa atenção é facilmente desviada do essencial para o acessório, ou seja, ficamos progressivamente desatentos ao que é verdadeiramente importante.
Muitos miúdos e adolescentes mostram um comportamento desregulado que nos preocupa, mas a desregulação nos adultos não é mais animadora. É curioso também como desaprendemos coisas que já soubemos, cumprimentar, conversar, por exemplo. De facto, muitas vezes não se conversa, desconversa-se.
Pode reparar-se no desconforto com que muita gente vive uma vida destituída de dignidade.
Apesar deste cenário, mantendo algum optimismo, acredito que seremos capazes de substituir os modelos de desenvolvimento que nos trouxeram a isto por modelos de envolvimento, bem mais inteligentes.

sábado, 12 de janeiro de 2019

PSICOLOGIA E AGRICULTURA


A psicóloga Maria José Vilaça, da Associação dos Psicólogos Católicos, está de novo envolvida num episódio que me parece lamentável desde logo pela forma como foi conhecido, através de uma gravação com câmara oculta no âmbito de uma reportagem da TVI, método de investigação de duvidosa legalidade e robustez ética e deontológica.
A senhora desenvolve “terapias “de reconversão para homossexuais realizadas numa Igreja e produz afirmações obviamente fora dos quadros científicos reconhecidos.
Recordarão que há algum tempo afirmou à revista Família Cristã que os pais, em nome do amor, devem aceitar os filhos homossexuais mesmo sem aceitar a homossexualidade, porque “sei que ele vive de uma forma que eu sei que não é natural e que o faz sofrer.” É como ter um filho toxicodependente, não vou dizer que é bom.”
Apesar de ter sido desencadeado um procedimento por parte da Ordem dos Psicólogos Portugueses, ainda não terminado, a Dra. Vilaça prossegue a sua guerra santa. No seu entendimento essas coisas da droga e da homossexualidade não são naturais, são doenças e são más, fazem sofrer e os bem formados devem cuidar e aceitar estes pobres coitados que caíram nas garras de tal padecimento. Devem ainda ser tratados os que padecem destas doenças.
Não Dra. Maria José Vilaça, precisa de entender que dimensões naturais como valores, convicções, preconceitos, sendo legítimas não são ciência e podem fazer sofrer pessoas. Assim usadas não são boas, são tóxicas.
É por episódios desta natureza que quando em algumas circunstâncias me perguntam se sou psicólogo me apetece responder que sou agricultor. Gosto muito da agricultura, estou aqui no Monte ainda com umas árvores para limpar, mas gosto ainda mais da psicologia sobretudo, naturalmente, da área em que trabalho, a psicologia da educação. Por isso me inquieta a forma como por vezes é maltratada por aqueles que melhor a deviam tratar, nós próprios, em nome da ciência, em nome da ética e da deontologia e em nome das pessoas e instituições com quem trabalhamos.
É sempre com alguma decepção e preocupação que oiço alguns discursos e conheço alguns comportamentos ou atitudes.
Não servem a ninguém.
A Ordem divulgou que será desencadeado um novo procedimento que, evidentemente, não terá qualquer efeito na intervenção da Dra. Vilaça. As afirmações registadas são esclarecedoras.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

DOS "MAUS" ALUNOS QUE NÃO PODEM SER BONS PROFESSORES


Continuo a assistir com alguma curiosidade (dada a proximidade com o espírito natalício estou a ser simpático) à divulgação de algumas notícias relativas ao universo dos professores. Certamente por coincidência os “estudos“ são libertados e divulgados e tratados na comunicação social de forma cirúrgica e em oportunidades cirúrgicas, para recorrer a um termo em moda. Os títulos no Público, incluindo a primeira página, são elucidativos. 
Segundo estudo da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência com base em dados de 16/17 os alunos que acederam a cursos de educação que incluem a formação de professores tiveram uma média de 10,2 valores no exame nacional de Português, Esta média, é a segunda mais baixa nas dez áreas de organização da oferta do ensino superior. A média mais elevada verifica-se nas candidaturas às áreas da saúde, 12.4. Como se pode verificar a diferença é brutal e profundamente alarmante, 2.2 valores numa escala de 20. Deixando de lado juízos de intenção, algumas notas começando por recuperar outras “notícias”.
Em 2017 também foi divulgado que segundo os dados do PISA de 2015 só 1.5% dos alunos portugueses de 15 anos envolvidos encara a possibilidade de ser professor sendo que estes alunos se situam nos níveis mais baixos de resultados a Matemática e Leitura, o contrário do que se verifica noutros países.
Dito de outra maneira e de forma simples, são fundamentalmente os alunos de 15 anos com menor desempenho médio (critério PISA) que admitem vir a ser professores e são basicamente os alunos mais “fracos” na finalização do secundário que se candidatam a professores. No entanto, é interessante recordar que no PISA de 2012 e no conjunto dos vários países, a maioria dos alunos portugueses é da opinião de que os professores os ajudam. Portugal e Finlândia lideravam a satisfação com a ajuda prestada pelo corpo docente (83% e 85%, respectivamente). Isto quer dizer, conforme outros estudos demonstram, que os alunos valorizam os professores mas não a profissão o que de facto merece reflexão.
Em primeiro lugar julgo ser necessária prudência sobre a interpretação destes dados e o seu impacto na qualidade dos trajectos futuros, a relação entre o perfil de desempenho de um aluno de 15 anos ou as médias do acesso ao ensino superior e o seu potencial desempenho futuro como professor deve ser vista com extrema reserva. Não é garantido que estes alunos venham a ser maus profissionais como não é garantido que todos os alunos com médias mais elevadas que se candidatam a outras áreas científicas venham a ser excelentes profissionais.
Uma segunda nota para defender que este cenário também se liga ao mecanismo de acesso ao superior. De há muito que defendo que as médias de conclusão do secundário deveriam ser apenas um dos critérios de acesso ao superior e que deveriam ser as instituições de ensino superior a estabelecer o conjunto de critérios na ordenação do acesso às diferentes áreas científicas. Um caso simples (talvez demasiado simples) para ilustrar isto. Eu quero ser professor mas sei que as notas de acesso são baixas devido à baixa procura. Assim e como não me parece particularmente motivador o que ando a aprender no secundário, cumpro a formação com resultados baixos que me permitem aceder ao meu sonho no qual vou investir e ser bom aluno e bom profissional. É inverosímil? Não creio.
No caso dos professores e das ciências da educação, como noutras áreas, não é impossível desenhar dispositivos de acesso que despistem vocações e motivações, competências diversas e requisitos considerados pertinentes e considerem também, naturalmente, as médias de conclusão do secundário.
No que que respeita à construção de um bom professor importa ainda não esquecer variáveis fundamentais, a qualidade da sua formação o que obriga a reflectir sobre o que é feito nesta matéria e a regulação do acesso à carreira profissional através da única forma de o fazer correctamente, o desempenho em sala de aula, e não uma sinistra PACC de má memória.
Por outro lado também são de considerar alguns outros aspectos. Não creio que a este cenário seja alheio alguns discursos produzidos sobre os professores que desvalorizam e empobrecem o seu estatuto social e a representação sobre a classe e que são produzidos, por exemplo, por “opinion makers” que frequentemente têm agendas implícitas e quase sempre estão mal informados.
Talvez também não seja alheia a instabilidade nas políticas educativas com impacto óbvio na estabilidade das carreiras e da sua valorização. Provavelmente em muitas famílias, as que mais probabilidades terão de ter filhos com melhor desempenho escolar, a profissão professor não é uma escolha incentivada ou, no mínimo, bem aceite.
Também alguns discursos vindos dos próprios representantes dos professores podem muitas vezes contribuir para equívocos e representações desajustadas sobre os professores e os seus problemas.
Julgo ainda que deve ser considerado o impacto de alterações nos valores, padrões e estilos e vida das famílias que fazem derivar para a escola, para os professores, parte do papel que competia(e) à família. Este trabalho é realizado, muitas vezes, sem qualquer tipo de apoio ou suporte, com cada professor entregue a si mesmo em climas institucionais pouco favoráveis.
Deste cenário resulta como tantas vezes tenho afirmado a necessidade da valorização dos docentes e da sua profissão de modo a que se torne mais atractiva.
Tenho a maior das dúvidas se estes estudos e a forma como são divulgados não se inscrevem numa agenda de desvalorização e diabolização dos professores que certamente terá um enorme custo de que, evidentemente, ninguém será responsável.