quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

A HISTÓRIA DO PRECIPITADO


Era uma vez um rapaz chamado Precipitado o que é um nome curioso. O Precipitado começou a sua vida um pouco mais cedo do que as pessoas esperavam, nasceu uns dias antes das previsões, pelo que entrou precipitadamente nesta vida. Pode até parecer coincidência ou destino, para quem acredita, mas o precipitado prosseguiu tal como entrou, a surpreender toda a gente. Falou quando ainda não se esperava, além de que falava do que não se esperava.
Começou a pensar antes das pessoas acharem que estava no tempo de pensar e, sobretudo, a pensar no que ainda não devia pensar.
A presença do Precipitado na escola não foi fácil, respondia e agia quase sempre antes, ou seja, precipitadamente, e de uma forma nem sempre de acordo com o que se esperava. As pessoas achavam, naturalmente, que lhe tinham posto o nome certo, o Precipitado era mesmo um precipitado.
Precipitadamente saiu da escola onde não se sentia bem e fez-se à vida, a vida dos mais crescidos é claro. Saltava de emprego com facilidade e quando as coisas, por vezes, pareciam ir correr bem, o rapaz precipitava-se e partia para outra.
Nunca construiu uma família porque quando começava uma relação com alguém, sempre acontecia algo que precipitava o fim dessa relação.
A forma como viveu a sua vida nunca permitiu que criasse raízes. Como sabem as raízes são fundamentais para a sobrevivência e o Precipitado começou a sentir-se cada vez mais descontente e triste, com um sombra cada vez maior a crescer dentro dele. Um dia, numa última e inesperada precipitação partiu.
Precipitou-se para fora da vida.

EM CASA DOS PAIS ATÉ ... VAMOS VER QUANDO


A Caritas divulgou ontem o Relatório sobre Portugal “Os jovens na Europa precisam de um futuro!” no qual caracteriza a dificuldade dos jovens portugueses em construir projectos de vida autónomos e positivos. 
São identificados como dimensões críticas a dificuldade em aceder a trabalho digno, a precariedade laboral, os custos elevados da educação e qualificação e os elevados custos no acesso, renda ou compra, de habitação.
Este cenário ajuda a perceber algumas das mais fortes razões pelas quais os jovens em Portugal abandonam a casa dos pais em média aos 29,1 anos mantendo a tendência de que tal aconteça cada vez mais tardiamente. Como é habitual nos países nórdicos verifica-se a saída mais precoce, 20 e 21 anos na Suécia e Dinamarca e no sul da Europa estão os países com a saída mais tardia e nos quais se inclui Portugal. Estes dados foram divulgados pelo Eurostat em 2017.
Como já referi, para além das questões de natureza cultural e de valores que importa considerar bem como as políticas de família nos países do norte da Europa, as actuais circunstâncias de vida dos jovens sustentam este cenário que provavelmente demorará a ser revertido.
Segundo o INE e considerando o primeiro trimestre de 2017 existiriam em Portugal cerca de 175 mil jovens entre os 15 e os 29 anos que não estudam, nem trabalham, a geração “nem, nem" ou, na terminologia em inglês os jovens NEET (Not in Education, Employment or Training).
Destes, estima-se que perto de 67 mil não estão inscritos nos centros de emprego. São números impressionantes.
Parece importante assinalar que esta situação afecta sobretudo jovens com menos qualificações e mulheres, o que também não é novo. A exclusão escolar é quase sempre a primeira etapa da exclusão social.
Por outro lado, bem mais de 100 000 jovens, sobretudo qualificados, têm vindo a sair do país, emigrando para outras paragens em busca de uma futuro que por cá não vislumbram.
A estes indicadores já profundamente inquietantes deve juntar-se os dados sobre precariedade, abuso do recurso a estágios e outras modalidades de aproveitamento de mão-de-obra barata e a prática de vencimentos que mais parecem subsídios de sobrevivência mesmo para jovens altamente qualificados.
Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem obviamente sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão, os dados hoje conhecidos mostram-no, o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais. As gerações mais novas que experimentam enormes dificuldades na entrada sustentada na vida activa, vão também, muito provavelmente, conhecer sérias dificuldades no fim da sua carreira profissional.
No entanto, um efeito muito significativo mas menos tangível desta precariedade no emprego, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no seu todo e que, com alguma frequência, os discursos das lideranças políticas acentuam. Dito de outra maneira, pode instalar-se, está a instalar-se nos jovens, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída mobilizadora e que recompense.
O aconchego da casa dos pais pode ser a escapatória para a sobrevivência.

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

A NOSSA NECESSIDADE DE CONSOLO


A minha avó Leonor usava com muita frequência o termo desconsolo para caracterizar qualquer situação ou facto que considerasse menos positivo, "está um frio que é um desconsolo", "não faças isso, é um desconsolo", "são pessoas infelizes, é um desconsolo". Se ela estivesse connosco agora muito mais desconsolo haveria de encontrar. Os tempos são tempos de desconsolo.
Stig Dagerman acha que a "nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer". Se se entender como ele que "só existe uma consolação verdadeiramente real: a que me diz que sou um homem livre, ser inviolável, soberano dentro dos seus limites", então estaremos condenados ao desconsolo, um homem livre, inviolável, soberano, parece do domínio da utopia e os tempos são os da absurdidade de que fala António Vieira.
No entanto, sou um tipo moderadamente optimista, quando olho para miúdos pequenos que estão a aprender a ser gente, os meus etos por exemplo, gosto de acreditar que não estarão condenados ao desconsolo. Talvez possamos ser menos exigentes que Dagerman no seu angustiado opúsculo, talvez possamos encontrar consolo, algum consolo.
Do meu ponto de vista a dignidade e o afecto são fontes fundamentais de consolo e acho que para muitos de nós a dignidade e o afecto serão alcançáveis, devendo mesmo ser exigidos.
É, se não deixarmos que nos roubem a dignidade e se encontrarmos o Outro a nossa necessidade de consolo é possível de ser cumprida, quase.

AS FONTES DE AUTORIDADE


Nas relações que estabelecemos, a forma como a autoridade, característica natural ou formal de muitas dessas relações, é afirmada ou percebida muitas vezes a partir de alguns equívocos deixam -me sempre curioso e dão origem a episódios interessantes. Vejamos alguns exemplos sem qualquer preocupação de ordenação e vividos na minha caminhada de décadas pelo universo da educação.
Uma das formas mais frequentes de afirmar autoridade ou, pelo contrário, retirar autoridade a alguém é a referência ao "terreno". São múltiplos os enunciados, "não conhece o terreno", "não anda no terreno", "nós conhecemos o terreno", "se vier ao terreno percebe", etc. A referência ao "terreno" seja lá isso o que for, define conclusivamente onde está a autoridade.
Também é muito interessante habitual o uso da experiência, ou a variante idade, como afirmação definitiva de autoridade. Deste entendimento decorrem discursos como, "quando tiveres mais experiência já não vês assim", "ainda és muito novo, tens muito que aprender", "na tua idade também era assim mas evoluí", "já ando nisto há imenso tempo", etc. Está por provar que fazer durante largos anos o mesmo conjunto de asneiras confira autoridade mas que se acredita, acredita. Aliás, já uma vez há alguns anos dei por mim a perguntar a alguém que me “esmagava” com a definitiva afirmação “sabe, já ando misto há trinta anos”, se eram mesmo trinta anos de experiência ou trinta vezes o primeiro ano.
Acho particularmente interessante a valorização da prática como fonte de autoridade oposta à teoria de quem estudou. "Isso é na teoria, na prática não é assim", "na prática é que se aprende, não é nos livros", "é tudo teóricos não percebem nada", etc., são bons exemplos desta autoridade conquistada por quem pratica e não perde tempo a estudar.
Uma referência final à mais usada e frequente fonte de autoridade, a indefinível autoridade moral. Com a maior das facilidades, uma experiência de vida, um convicção política, uma crença religiosa, um conjunto de opções em matéria de valores de diferente natureza, servem de sustento para as definitivas "eu tenho autoridade para ...", "estou à vontade para defender isto porque eu próprio ..." ou, na formulação mais livre, o recurso à fórmula "é assim ..." e encerra-se a conversa.
É sempre uma experiência interessante, estimulante e divertida, às vezes, passar por situações onde as ideias e a sua troca são envolvidas nestas fontes de autoridade.
Só que cada vez vou tendo menos paciência.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

ANJO DA GUARDA, NOCTURNO


No DN está uma peça sobre uma profissão em desaparecimento, guardas-nocturnos. São referidas as dificuldades, inexistência de remuneração que é assegurada por particulares e empresas das zonas “guardadas”, as questões doa acesso e das funções. Um dos entrevistados afirma “Vigia casas, garagens, lojas, empresas, viaturas e outros equipamentos. Mas não são raras as noites em que também tem de levantar receituário médico ou orientar idosos, que encontra a vaguear pelas ruas durante a madrugada.”
Não sei avaliar o impacto da sua existência mas acredito que pode ter um efeito positivo e óbvio na segurança e, muito importante, no sentimento de segurança sentido pelo cidadão.
É nesta perspectiva que me lembro de nos meus tempos de jovem, à volta de cinquenta anos lá para tás no tempo e com vida nocturna alargada, por assim dizer, quase todas as noites eu e a minha tribo nos cruzarmos com o guarda-nocturno da zona.
Mantínhamos uma cavaqueira que nos punha mais próximos e aliviava o tempo e que nos dava a sensação de que na rua andava alguém que conhecia as pessoas que lá moravam e que zelava por nós. Algumas pessoas contribuíam com algo mais para o guarda-nocturno e essas tinham "vigilância privilegiada". O bairro sentia-se mais tranquilo, o Sr. Silva andava por lá.
Como disse, mais do que saber o impacto objectivo da presença do guarda-nocturno no abaixamento da delinquência ou vandalismo, tenho a certeza que as pessoas vão sentir-se mais seguras se souberem que o Sr. Silva, enquanto dormimos, anda na rua a olhar pela nossa rua, o nosso mundo.

DA INDISCIPLINA ESCOLAR


O Alexandre Henriques do blogue ComRegras divulgou um novo trabalho sobre a indisciplina na escola recebendo a colaboração de 2348 professores que responderam ao inquérito lançado.
São apresentados múltiplos indicadores que merecem abordagem diferenciada que procuraremos ir fazendo. Uma primeira impressão para o facto de 77.5% dos inquiridos referir que nas suas aulas tem “pouca indisciplina” ou “não há indisciplina” o que é diferente para menos de resultados anteriores. Alexandre Henriques sugere que tal abaixamento pode decorrer de uma “normalização” da pequena indisciplina que já não é valorizada como tal ou representar de facto a ocorrência de menos episódios.
Por coincidência foi também divulgado pelo Gabinete de Segurança Escolar do Ministério da Educação que em 2016/2017 se verificou uma redução das ocorrências de violência, actos ilegais e casos graves de indisciplina reportados pelos Directores de escolas e agrupamentos.
Por agora umas notas repescadas e de natureza global sobre a indisciplina escolar.
Umas notas repescadas sobre a questão da indiscilina
Em primeiro lugar julgo que importa clarificar o que está em causa. Permitir, por exemplo, que um telemóvel toque na sala de aula ou outros comportamentos desadequados em sala de aula ou na escola serão indisciplina, insultar, humilhar, confrontar fisicamente um professor, comportamentos frequentes de agressão ou roubos a colegas configuram pré-delinquência ou delinquência e comportamentos disruptivos podem ainda estar ligados a perturbações de natureza psicológica.
A escola não pode ser responsabilizada e considerada competente por e para todo este universo de problemas nos comportamentos dos mais novos. Para situações de pré-delinquência ou perturbações do comportamento pode, evidentemente, dar contributos mas não assumir a responsabilidade pelo que importa clarificar a análise.
Centremo-nos então na indisciplina escolar que considero matéria de competência da escola e matéria de responsabilidade de toda a comunidade, incluindo os pais, naturalmente, e todas as figuras com relevância social, por exemplo, não se riam, políticos ou jogadores de futebol.
O Estatuto do Aluno, no qual o ME depositava públicas esperanças que me pareceram, desde sempre, sobrevalorizadas e desadequadas face aos seus conteúdos e à realidade das escolas e comunidades actuais, qualquer que seja, é um regulador, melhor ou pior, mas nunca A solução e, pela mesma razão, nunca será A causa da indisciplina.
Parece-me também de referir que todas as figuras sociais a que se colam traços de autoridade por exemplo, pais, professores, médicos, polícias, idosos, etc., viram alterada a representação social sobre esses traços. Dito de outra maneira, o facto de ser velho, polícia, professor ou médico, já não basta, só por si, para inibir comportamentos de desrespeito pelo que importa perceber o impacto destas alterações nas relações entre professores e alunos.
As mudanças significativas no quadro de valores e nos comportamentos criam dimensões novas em torno de um problema velho, a indisciplina. Daqui decorre, por exemplo, que restaurar a autoridade dos professores, tal como era percebida há décadas, é uma impossibilidade porque os tempos mudaram e não voltam para trás. Pela mesma razão, não se fala em restaurar a relação pais – filhos nos termos em que se processava antigamente e falar da "responsabilização" dos pais é interessante, mas é outro nada.
Um professor ganha tanta mais autoridade quanto mais competente, apoiado e valorizado se sentir. O apoio aos professores é um problema central no que respeita à indisciplina mas não só.
Também por isto se questiona a constituição de mega-agrupamentos e de escolas e turmas com dimensões excessivas, variável associada à indisciplina escolar.
É também importante reajustar a formação de professores. As escolas de formação de professores não podem “ensinar” só o que sabem ensinar, mas o que é necessário ser aprendido pelos novos professores e pelos professores em serviço. Problemas "novos" carecem também de abordagens "novas".
Parece também importante a existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a existência de recursos humanos qualificados e disponíveis. Veja-se o trabalho dos GAAFs apoiados pelo IAC, experiências no âmbito da intervenção da Associação EPIS ou iniciativas que algumas escolas conseguem desenvolver e que permitam apoiar os pais dos miúdos maus que querem ter miúdos bons e identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais exigirá outras medidas que envolvam, eficazmente e em tempo oportuno as CPCJ.
Um caminho de autonomia, com a alteração desejável dos modelos de organização e funcionamento das escolas e na gestão curricular, deveria permitir que as escolas, algumas escolas, mais problemáticas tivessem menos alunos por turma, mais assistentes operacionais com formação em mediação e gestão de conflitos ou ainda que se utilizassem, existindo, professores em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades. Dispositivos assentes em tutorias que envolvam os alunos mais problemáticos parecem um bom contributo desde que realizadas com tempo, recursos e formação ajustados.
Por outro lado, os estudos e as boas práticas mostram que a presença simultânea de dois professores é um excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos também na prevenção da indisciplina.
As dificuldades dos alunos estão com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos com sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de indisciplina.
Os professores também sabem que na maior parte das vezes, os alunos indisciplinados não mudam os seus comportamentos por mais suspensões que sofram. É evidente que importa admitir sanções, no entanto, fazer assentar o combate à indisciplina nos castigos aos alunos e, eventualmente, nas multas e retirada de apoios aos pais, é ineficaz, é facilitista na medida em que é a medida mais fácil e mais barata, é demagógica porque vai ao encontro dos discursos populistas que aplaudem a ideia do "prender" do "expulsar" até ficarem só os nossos filhos.
O problema é quando também nos toca a nós, aí clamamos por apoios.
Os discursos demagógicos e populistas, ainda que bem-intencionados, não são um bom serviço à minimização dos muito frequentes incidentes de indisciplina que minam a qualidade cívica da nossa vida além, naturalmente, da qualidade e sucesso do trabalho educativo de alunos, professores e pais.

domingo, 25 de fevereiro de 2018

BRINCAR PARA CRES(SER)


Gostei de ler e merece reflexão a entrevista do professor Carlos Neto no DN.
(…)
(…)
Como tantas vezes escrevo e afirmo, brincar é a actividade mais séria que as crianças realizam, na qual põem tudo o que são e constitui a base de tudo o que virão a ser.

PAIS, FILHOS E PRÁTICA DESPORTIVA


No JN noticia-se que o pai de um jovem jogador durante um jogo no concelho de Penafiel invadiu o campo para agredir o árbitro por ter expulso o seu filho. É claro que a esta atitude não será alheio o clima explosivo que se tem vindo a instalar com a prestimosa e esforçada colaboração de dirigentes e “comentadores” promovendo o risco cada vez maior de violência e agressão e acabando definitivamente com a velha fórmula do desporto como escola de virtudes. Torna-se cada vez mais difícil alimentar isto.
Parece-me de retomar algumas notas sobre a forma negativa como alguns pais se comportam quando assistem à prática desportiva dos filhos seja em treino, seja em competição.
O fenómeno não é novo, evidentemente. Há mais de duas décadas o meu filho era praticante juvenil de uma modalidade colectiva num clube pequeno, hóquei em patins. Por curiosidade era guarda-redes, uma posição ingrata e que me deixava sempre inquieto com os riscos mas de que ele gostava, na qual se empenhava em conjunto com grupo de que ainda hoje conserva amigos.
Nos treinos, mas sobretudo em jogos o comportamento a que assistia por parte de alguns adultos (pais) era, por assim dizer, muito “envolvido”. Nem sequer falo das “orientações” constantes substituindo o treinador ou dos incentivos, da exigência e da pressão sempre ruidosas. Falo de em muitos recintos ver miúdos a ser insultados e ameaçados. Numa circunstância um dos miúdos foi mesmo agredido por uma senhora quando patinava junto à lateral do campo. Quando assistia a jogos em alguns locais o ambiente era preocupante e intimidatório. Estamos a falar de jogos entre crianças. Lamentável e um espelho de um quadro de valores instalado.
No entanto e sendo isto verdade, é importante também dizer que provavelmente mais do que hoje, as condições mudaram, eram o empenho e o voluntarismo de alguns pais que permitiam que muitas crianças praticassem algum desporto em clubes e estruturas muito pequenas e com meios e recursos insuficientes.
Ainda sobre a forma como alguns pais se relacionam com os filhos a propósito da prática desportiva deixo uma cena a que também assisti e que parece elucidativa de uma atitude muito generalizada.
Actores principais - Pai e filho com uns 6 ou 7 anos
Actores secundários - A mãe que entre chamadas no telemóvel grita incentivos para o filho
Cenário - uma zona relvada com dois pinos colocados de forma a simular uma baliza.
Assistentes discretos - o escriba
Guião - O pai ensina o filho a dar pontapés numa bola de futebol em direcção à baliza dos pinos
Cena e diálogo (reconstruído a partir de excertos ouvidos pelo escriba)
O pai apontando para uma zona do pé do miúdo que tem botas de futebol calçadas - Já te disse que é com esta parte do pé que tens de acertar na bola, vê se tomas atenção.
O miúdo em silêncio faz mais uma tentativa que não sai muito bem, não acerta na baliza.
O pai - Assim não vale a pena, não fazes como te digo, tens que estar concentrado, (aqui lembrei-me do Futre, um homem concentradíssimo e, certamente por isso, um grande jogador).
O filho - Mas eu dei com esta parte.
O pai - És parvo, se tivesses dado com essa parte a bola tinha ido para a baliza. Faz outra vez.
O miúdo com um ar completamente sofredor executa o que em futebolês se chama o gesto técnico e a bola teimosamente voltou a não sair na direcção desejada.
O pai - Pareces burro, se queres ser jogador de futebol, tens que te aplicar, (será que o miúdo quer mesmo ou será o pai que quer viver um sonho que foi dele e que agora cobra no filho?).
O miúdo, desesperado, sentou-se no chão com ar de quem espera o fim do jogo.
O pai, irritado, mandou a bola para longe com um forte pontapé.
O escriba pensou que se o árbitro tivesse visto, o pai merecia um cartão por comportamento incorrecto.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

DO ENSINO SUPERIOR


Nos últimos dias têm vindo a ser divulgadas algumas intenções ou decisões de mudança no ensino superior.
Algumas notas breves sobre algumas dessas referências sem ordem de importância.
Ao que parece pretende-se que o ensino politécnico possa atribuir o grau de doutor até aqui um exclusivo das universidade. Se considerarmos que conforme também foi anunciado essa possibilidade depende de existirem nas instituições, universitárias ou politécnicas, estruturas de investigação com avaliação mínima de Muito Bom, apesar de algumas reservas relativas aos modelos de avaliação das unidades, parece-me adequado, muitas instituições do politécnico desenvolvem excelente trabalho de investigação que claramente suportam a realização de doutoramentos.
Foi também divulgada a intenção de abrir licenciaturas e mestrados “flexíveis”, de curta duração, muito articulados com as empresas e as suas necessidades de mão-de-obra. Como muitas vezes tenho escrito entendo que a formação e qualificação de nível superior é um bem de primeira necessidade para um país como Portugal com taxas ainda insuficientes de formação neste patamar.
No entanto, para além de ter alguma reserva face ao risco de reforçar a indesejável ideia de que as instituições de ensino superior determinam a sua oferta formativa exclusivamente respondendo a “encomendas” do mercado, quero acreditar que não teremos uma reedição do “Novas Oportunidades” agora no superior em que uma boa ideia, qualificar e certificar “competências “ adquiridas, se transformou numa forma expedita de compor estatísticas mais simpáticas. Deixem lá ver como se diz por cá no Alentejo.
Mais recentemente foi referida a intenção de diminuir em 5% as vagas nas instituições de ensino superior de Lisboa e Porto como forma de manter os estudantes nos estabelecimentos de regiões mais periféricas.
Não vejo como tal possa acontecer. Os modelos de desenvolvimento das últimas décadas desertificaram o interior praticando políticas públicas sectoriais que centralizaram o país. Os estudantes ficam nas regiões onde finalizam o secundário se tiverem boas instituições de ensino superior e, sobretudo, a possibilidade de aí construírem projectos de vida pessoais, profissionais e familiares com qualidade. Isso obriga a alterar modelos de desenvolvimento e a desenvolver outras políticas.
Não passa por acreditar ingenuamente que se um estudante não “couber” numa universidade ou politécnico em Lisboa ou Porto ele vai voltar para o seu distrito e a fazer aí a sua formação para depois … sair à procura de futuro. Não, muito provavelmente vai candidatar-se a outra instituição pública ou privada para fazer a sua formação no  contexto em que pensa que estará o seu futuro.
Uma pequena nota para referir a notícia sobre o recurso por parte de várias universidades a fórmulas ilegais de contratação de docentes a tempo parcial. A precariedade, o abuso em matéria de horários e de atribuição de serviço docente, os baixos salários, etc., são males que de há muito afligem o ensino superior, público e privado. Como em todo o sistema educativo a regulação é ineficaz.
Vamos ver no que isto dará.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

DESENVOLVIMENTO, AMBIENTE E DESPERDÍCIO


Gostei de ler o texto de Vítor Belanciano no Público, “Separamos o lixo. Limpamos a consciência. Mas algo muda?” 
(…)
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Deixem-me acrescentar algumas notas sobre algo que me parece crítico o nível de absolutamente insustentável, também pelo impacto ambiental, de desperdício nas nossas comunidades, centrando numa matéria fundamental, a alimentação.
Em 2016 o The Guardian referia um estudo segundo o qual metade de toda a comida produzida nos EUA é deitada ao lixo.
Mais alguns dados. A Organização para a Alimentação e a Agricultura, da ONU, estima que 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos, um terço do que é produzido, são desperdiçadas com um custo de anual de 570 mil milhões de euros para a economia global, o suficiente para alimentar 925 milhões de pessoas. Vivemos num mundo estranho. Na Europa, até chegar ao consumidor perde-se entre 30 e 40% da comida, qualquer coisa como 179 quilos por habitante, 42% dos quais em casa.
Segundo o Projecto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar (PERDA), desenvolvido pela Universidade Nova de Lisboa conhecido em 2014, estima-se que “no campo e no armazenamento, no sector da pecuária e nas pescas, todos os anos são desperdiçadas 332 mil toneladas de alimentos em Portugal, valor que ultrapassa o desperdício que é feito pelos próprios consumidores (324 mil toneladas de comida deitadas fora).
Somando as 77 mil toneladas perdidas na indústria que processa os alimentos, entre o campo e as fábricas, desperdiçam-se no total 409 mil toneladas por ano.”
Esta escala de valores no que respeita ao desperdício de alimentos é devastadora e, como por vezes se quer acreditar, não é coisa de gente rica, é coisa de toda a gente e mostra o quase tudo que está por fazer embora actualmente tenhamos em Portugal algumas iniciativas importantes no sentido de atenuar desperdícios.
Na verdade, o desperdício é um subproduto dos modelos de desenvolvimento e dos sistemas de valores que deveria merecer uma fortíssima atenção.
Há algum tempo, creio que em 2013, o Parlamento Europeu aprovou um relatório segundo o qual a União Europeia que tem 79 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza, 15,8% da população, e desperdiça anualmente cerca de metade do que consome em alimentos. Este desperdício corresponde a 89 mil milhões de toneladas, um assombro. Aliás, o Parlamento Europeu estabeleceu como objectivo reduzir em 50% o desperdício até 2025.
Neste quadro releva a necessidade urgente de ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social, questionar o quadro de valores com que nos organizamos em comunidade, designadamente no que respeita ao ambiente, ao consumo e aos excessos e combater desperdícios que também são consequência desses modelos. Veja-se o caso da quantidade de fruta de excelente qualidade rejeitada pelo aspecto ou pela dimensão.
Escrever sobre estas questões em espaços desta natureza terá alcance zero, mas continuo convencido que é fundamental não deixar cair a preocupação, talvez seja melhor chamar-lhe a indignação, com os efeitos que, naturalmente, também se traduzem em pobreza e exclusão.

DOUTORICES


É sempre com agrado que registo o facto de alguém com funções significativas em qualquer área ser capaz de se centrar nas grandes questões e nas suas consequências e não se deter em minudências que fazem a espuma dos dias.
Vem esta introdução a propósito da preocupação do Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, com o tratamento dado aos médicos. Não, não é a forma como a tutela se relaciona com a classe ou episódios de agressão e ofensa que vão acontecendo em unidades de saúde. Trata-se do facto inaceitável de serem tratados por “doutor”.
Não pode ser diz o Bastonário, “Há tantos licenciados. Toda a gente é doutor. Gostava de uma designação nova. Doutor é um título que corresponde a uma licenciatura ou a um mestrado. Estas nomenclaturas já estarão ultrapassadas. O que o doente tem que saber é o nome e a profissão”.
Uma pequena precisão, “doutor” é uma designação usada para quem realizou um doutoramento mas isto é irrelevante e acontece também que Portugal é ainda um dos países da Europa com taxa mais baixas de pessoas com qualificação superior pelo que a ideia de que “toda a gente é doutor” é falsa mas o Bastonário não tem que saber tudo, evidentemente.
Verdadeiramente importante é que o Dr. de medicina, na opinião do Dr. Miguel Guimarães, não pode ser comparado com os Drs. das outras áreas e que deve ter outra forma de ser tratado pelos “pacientes” que o discrimine positivamente e não permita que se confunda com a multidão anónima de “doutores” em que Portugal se tornou.
No entanto, o Dr. Miguel Guimarães, (desculpe lá o Dr.) tem um problema, ainda não pensou qual seria o tratamento adequado e afirma ir colocar a transcendente matéria à consideração dos seus colegas.
Querendo contribuir para um problema que fragiliza o trabalho dos médicos, como fazer perceber que um Dr. de medicina é maior, melhor ou mais importante que os outros Drs., atrever-me-ia a sugerir duas hipóteses. Como primeira hipótese e considerando a função, o médico poderia ser tratado por Sr. Médico ou Sra. Médica. Como segunda hipótese e com maior potencial de tornar a relação médico/doente mais próxima, poderia recorrer-se ao que nos identifica, o nome, claro. Assim, à nossa frente no consultório teríamos o Sr. Miguel ou a D. Maria que nos cuidariam da saúde.
Não precisa de agradecer o contributo, Sr. Miguel, ou prefere Sr. Médico?

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

MR. TRUMP, A ESMAGADORA MAIORIA DOS PROFESSORES ANDA ARMADA


Já não é, creio, a primeira vez que aquela coisa que foi eleita Presidente dos EUA, Donald Trump, afirma que os professores deveriam andar armados e, assim, obstar aos frequentes episódios trágicos de tiroteios em escolas.
A proposta não merece comentários, mais trumpice, menos trumpice …
No entanto, Trump não sabe que a esmagadora maioria dos professores de qualquer país do mundo já anda armada, por isso são professores.
Andam armados com o conhecimento que lhes permite ensinar os mais novos a construir a sua estrada.
Andam armados com o profissionalismo, sentido ético e deontológico que os faz “esquecer” os “maus tratos” e desvalorização por parte de quem os deveria promover e apoiar.
Andam armados com a resiliência que lhes permite suportar a turbulência das políticas, das mudanças constantes, do experimentalismo inconsequente, etc.
Andam armados com a preocupação que realmente sentem com o bem-estar e sucesso dos seus alunos.
Andam armados com a motivação que mobilizam em minuto que começa uma aula, um período, um ano escolar.
Andam armados com a paciência necessária para ouvir tantos tudólogos e opinadores a perorar sobre educação frequentemente com agendas implícitas, preconceito ou ao abrigo de uma ignorância arrogante.
Recordo, mais uma vez, a afirmação de Mandela, a educação é arma mais poderosa para mudar o mundo. Cá está, os professores são quem com ela operam todos os dias.


FAZER AS COISAS CERTAS MAS TAMBÉM FAZER CERTAS AS COISAS


O JN de ontem, com chamada a 1ª página, refere as reservas que alguns pais e directores de escolas envolvidas no projecto-piloto de autonomia e flexibilidade curricular em desenvolvimento em 233 escolas expressam relativamente à situação no secundário. Ao que parece, boa parte das escolas não introduz mudanças no 10º ano apesar de as entenderem globalmente positivas pois não sabem que reflexo essa alteração poderá ter no desempenho dos alunos nos exames. Aliás, referem mesmo a existência de “Medo dos exames nacionais”.
Na peça do JN aparece até escrito algo que me causa a maior perplexidade, “se o ME não resolver o "dilema" entre os dois métodos de ensino, este receio pode revelar-se um obstáculo à generalização do projecto”. E voltamos ao mesmo, ou seja, à revolução, à inovação, ao novo paradigma, aqui expresso em modo dicotómico, “dois métodos de ensino”. Presumo que um é o “bom” e o outro é o “mau”. Quais “métodos de ensino”? Será assim? O trabalho em sala de aula pode ser assim “arrumado”? Que enorme conjunto de equívocos este enunciado contém!
No entanto e do meu ponto de vista existe uma outra questão que merece reflexão.
De facto, importaria que as mudanças ou experimentação em educação entendidas por necessárias não se realizassem de forma apressada, sem um consenso tão sólido quanto possível sobre objectivos, conteúdos e calendário e a consideração prévia das condições e requisitos que sustentem as mudanças em execução e que, reafirmo, me parecem necessárias e num sentido positivo.
Como muitas vezes refiro, é tão importante "fazer as coisas certas como fazer certas as coisas". Se bem repararmos nem sempre isto se verifica, mesmo na nossa acção individual. Em políticas públicas é ainda mais necessário.
É claro o risco de transformar algo de positivo num problema. Eu sei que não é fácil prever tudo mas existem situações em que as falhas devem ser mínimas. Poder criar-se um efeito e uma representação negativa sobre a mudança, alimentam-se as opiniões críticas face a essa mudança, surgem dificuldades dispensáveis aos alunos e escolas e finalmente, comprometem-se os próprios resultados.
Eu sei que não é fácil prever tudo mas existem situações em que as perturbações devem ser mínimas. Os sobressaltos e hesitações podem criar um efeito e uma representação negativa sobre a mudança, alimentam as opiniões críticas face a essa mudança, colocam dificuldades dispensáveis aos alunos e escolas e finalmente, comprometem-se os próprios resultados fragilizando o entendimento o que é essencial.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

O ACORDO DO NOSSO DESCONTENTAMENTO. É PRECISO INSISTIR


Não sei por coincidência ou intenção o Parlamento agendou para hoje, Dia Internacional da Língua Materna a discussão em sessão plenária da Petição “Cidadãos contra o Acordo Ortográfico de 1990” e de um projecto de resolução do PCP que “recomenda o recesso, a realização de um balanço e uma nova negociação das bases e termos de um eventual futuro acordo ortográfico”, conforme o Público.
Trata-se de mais uma iniciativa entre várias outras que procura resistir enquanto for possível ao atropelo à Língua Portuguesa que o Acordo Ortográfico representa e que, é bom lembrar, ainda não foi ratificado por Angola e Moçambique, apenas Portugal, Cabo Verde e Brasil o implementaram e desconheço a situação em S. Tomé e Príncipe, Timor e Guiné-Equatorial.
Vale a pena insistir, importa que não nos resignemos. É uma questão de cidadania, de defesa da Cultura e da Língua Portuguesa.
Como tantas vezes tenho escrito, desculpem a insistência e não inovar, entendo, evidentemente, que as línguas são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras, o que não me parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma.
Não sou, evidentemente, um especialista mas parece-me que o cerne da questão reside, de facto, no entendimento, cito o presidente da Academia das Ciências de Lisboa, de que “Qualquer tentativa de uniformização ortográfica nos diversos países que usam a língua portuguesa como oficial é utópica” e que “o normal é o respeito pelas ortografias nacionais".
É esta perspectiva que informa o que se passa, por exemplo, com o inglês ou o castelhano/espanhol que têm algumas diferenças ortográficas ou na linguagem oral nos diferentes países em que são língua oficial, sem que daí advenha qualquer perturbação ou drama mas isto dever-se-á, certamente, a ignorância minha e à pequenez irrelevante daquelas comunidades anglófonas ou com língua oficial castelhano/espanhol.
Acresce que as explicações que os defensores, especialistas ou não, adiantam não me convencem da sua bondade, antes pelo contrário, acentuam a ideia de que esta iniciativa não defende a Língua Portuguesa. O seu grande defensor Malaca Casteleiro refere até "incongruências" no AO, o que, aliás, me parece curioso, para ser simpático. Dito de outra maneira, desencadeamos um acordo com esta amplitude e implicações para manter "incongruências e imperfeições" que abastardam a ortografia da Língua Portuguesa.
Por outro lado, a grande razão, a afirmação da língua portuguesa no mundo, também não me convence. Voltando ao exemplo do inglês e do castelhano/espanhol que têm diferenças ortográficas nos diferentes países em que são língua oficial, não parece sejam conhecidas particulares dificuldades na sua afirmação, seja lá isso o que for.
O que na verdade vamos conhecendo com exemplos extraordinários é a transformação da Língua Portuguesa numa mixórdia abastardada.
Como tenho escrito e repito, vou continuar a escrever assim, desacordadamente.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

DOS AUXILIARES DE EDUCAÇÃO. DE NOVO


Um grupo de pais de alunos com necessidades educativas especiais expressou publicamente as suas preocupação com os efeitos negativos do processo de substituição dos auxiliares de educação em escolas de Agrupamentos em Braga.
Trata-se de um problema recorrente que tarda em minimizar-se, o cumprimento e ajustamento adequado nos rácios de auxiliares por escola e a forma como são geridos.
Seria desejável que esta definição contemplasse não só o número de alunos mas também outros critérios como tipologia das escolas, ou seja, o número de pavilhões, a existência de cantinas, bares e bibliotecas e a extensão dos recreios ou a frequência de alunos com necessidades especiais.
Já aqui tenho escrito sobre as condições em que muitos destes assistentes operacionais chegam às escolas, através dos Contrato Emprego-Inserção, razão também po detrás da situação agora noticiada, mas estas notas são para mais uma vez enfatizar a sua importância e os riscos da insuficiência do seu número.
Na verdade, os auxiliares de educação, insisto na designação, desempenham e devem desempenhar um importante papel educativo para além das funções de outra natureza que também assumem e que exige a adequação do seu efectivo, formação e reconhecimento. No caso mais particular de alunos com necessidades educativas especiais, em algumas situações os assistentes operacionais serão mesmo uma figura central no seu bem-estar educativo, ou seja, são efectivamente auxiliares de acção educativa.
A excessiva concentração de alunos em centros educativos ou escolas de maiores dimensões não tem sido acompanhada pelo ajustamento adequado do número de auxiliares de educação. Aliás, é justamente, também por isto, poupança nos recursos humanos, que a reorganização da rede, ainda que necessária, tem sido feita com sobressaltos e com a criação de problemas.
Os auxiliares educativos cumprem por várias razões um papel fundamental nas comunidades educativas que nem sempre é valorizado incluindo na estabilidade da sua contratação e formação.
Com frequência são elementos da comunidade próxima das escolas o que lhes permite o desempenho informal de mediação entre famílias e escola, têm uma informação útil nos processos educativos e uma proximidade com os alunos que pode ser capitalizada importando que a sua acção seja orientada, recebam formação e orientação e que se sintam úteis, valorizados e respeitados.
Os estudos mostram também que é nos recreios e noutros espaços fora da sala de aula que se regista um número muito significativo de episódios de bullying e de outros comportamentos socialmente desadequados. Neste contexto, a existência de recursos suficientes para que a supervisão e vigilância destes espaços seja presente e eficaz. Recordo que com muita frequência temos a coexistir nos mesmos espaços educativos alunos com idades bem diferentes o que pode constituir um factor de risco que a proximidade de auxiliares de educação minimizará.
Considerando tudo isto parece essencial e um contributo para a qualidade dos processos educativos a presença em número suficiente de auxiliares de educação que se mantenham nas escolas com estabilidade e que sejam orientados e valorizados na sua importante acção educativa.

ESTAS CRIANÇAS NÃO PÁRAM! ERRADO. ESTAS CRIANÇAS NÃO SE MEXEM!


Segundo o Conselho Nacional das Associações de Professores e de Profissionais de Educação Física boa parte dos alunos do 1 º ciclo, por razões de natureza diversa e apesar de algumas boas práticas e iniciativas, não realizam regularmente actividades de Educação Física.
No entanto, é curioso que uma das mais frequentes afirmações dirigidas ao comportamento das crianças e adolescentes é “Estas crianças não param”, ou algo no mesmo sentido. Na verdade, apesar da frequência da sua utilização, parece-me desajustada pois, de facto, as crianças não se mexem e, também por isso provavelmente ... "não páram". Algumas notas.
Segundo o Relatório “Health at a Glance: Europe 2016” em Portugal mais de uma em cada quatro crianças tem excesso de peso. Nas raparigas ultrapassa os 30% e nos rapazes temos 25%.
Acresce que no que respeita à actividade física e considerando a recomendação da OMS de uma hora diária de actividade física aos 11 anos só 16% das raparigas e 26% dos rapazes cumprem e aos 15 anos temos 5% das raparigas e 18% dos rapazes.
Creio ainda de sublinhar que estudos realizados em Portugal mostram que a obesidade infantil, um dos valores mais altos da UE, é já um problema de saúde pública, implicando por exemplo o disparar de casos de diabete tipo II em crianças.
Apesar de parecer uma birra ou teimosia acho sempre importante sublinhar a importância que deve merecer a questão dos hábitos alimentares e o combate ao sedentarismo, sobretudo nos mais novos.
Ainda no que respeita à actividade física, um trabalho da Universidade de Coimbra divulgado em 2013 sublinhava, mais uma vez, o impacto que o sedentarismo tem na saúde das crianças. Este estudo envolveu 17424 crianças entre os 3 e os 11 anos e mostrou a forte relação entre hábitos fortemente sedentários, ver televisão por exemplo, e obesidade infantil e óbvias consequências na saúde e bem-estar dos miúdos.
Um outro trabalho de 2012 da Faculdade de Motricidade Humana envolvendo cerca de 3000 alunos que evidenciava o efeito positivo da actividade física no rendimento escolar para além dos benefícios óbvios na saúde.
De registar ainda que apesar da simpatia do clima somos um dos países com menor prática de actividades de ar livre.
De facto, o quotidiano de crianças e adolescentes está excessivamente preenchido com actividades que solicitam pouca actividade física, numa escola a tempo inteiro em que, apesar de boas práticas que existem, passam horas sem fim em salas com actividades “fantásticas” sempre sentados ou, quase, parados.
Em casa, o cenário é do mesmo tipo só que em frente de um ecrã. Os estudos comprovam que o nível de actividade física de crianças e adolescentes está francamente abaixo do desejável para a sua faixa etária sendo, aliás, mais satisfatório em adultos e também baixo para os idosos. Por outro lado, este é o equívoco a que me referia, instalou-se a “ideia” de que as crianças e adolescentes não páram, são muito activas, até mesmo hiperactivas” pelo que os desejos de muitos pais e professores é que estejam mais “calmas”, mais “sossegadas” e não tão “activas”, às vezes até se medicam para que se aquietem.
Por isso e de uma vez por todas, que crianças e adolescentes não parem, que as não envolvam e incentivem a actividade sedentária tantas horas por dia e que ajudemos todos pais e comunidades a construir alternativas que sejam atractivas para os tempos dos mais novos.
É uma questão de saúde, física e mental, para crianças e adolescentes e, também, para os adultos que lidam com eles.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A FÁBRICA DO FUTURO

                                           (Foto de Mico)

Não é novo, a educação é arma mais potente para mudar o mundo, na afirmação atribuída a Nelson Mandela e que permanece com a mesma inspiração.
É imperioso que se aposte em energias renováveis como o crescimento, o pensamento, a linguagem, a motivação, a curiosidade, a aprendizagem ou a expressão e o movimento.
É preciso não esquecer que  os mais importantes activos são as pessoas.
Se assim for, uma sala de aula em funcionamento é, fundamentalmente, uma unidade de produção de desenvolvimento sustentado.

domingo, 18 de fevereiro de 2018

EDUCAÇÃO E MINORIAS


A presença das crianças das comunidades ciganas nas escolas públicas nem sempre é algo de pacífico e tranquilo como seria desejável que acontecesse. Crianças em idade escolar a frequentar a escola é, deveria ser, obviamente, uma situação normal.
A questão é que os fenómenos de guetização presentes sobretudo no que toca à comunidade cigana e que são complexos, produzem com frequência situações como a que agora volta a ser notícia. É sabido pelos estudos das ciências sociais que as comunidades ciganas constituem uma das minorias com representação mais negativa em muitos países da Europa.
A leitura das caixas de comentários de notícias que envolvam a comunidade cigana é um bom exemplo dessa representação social ainda que, evidentemente, não tenha valor estatístico.
A notícia de agora refere uma escola em Famalicão que é frequentada apenas por crianças ciganas. Ao que parece as famílias não ciganas evitam matricular as crianças nesta escola ficando assim apenas frequentada pelas crianças da comunidade cigana residente na zona.
A situação mostra a enorme dificuldade de contrariar caminhos de exclusão. Não chega a retórica, não chega a referência exaustiva aos direitos humanos em particular aos direitos das crianças. Só com estratégias proactivas e reguladas de trabalho global nas comunidades e nas diferentes dimensões, urbanismo e habitação, emprego e apoios sociais, saúde e trabalho e, evidentemente, educação é possível promover mudança.
Nesta matéria pensemos em que escola ou que escolas devem frequentar as crianças da(s) comunidade(s) cigana(s)? Como deve ser gerida a sua colocação em turmas? Como a de todas as crianças criando e apoiando escolas e turmas heterogéneas? Agrupadas por características étnicas ou de outra natureza, necessidades especiais, por exemplo?
Estas questões fariam sentido se numa qualquer cidade da Suíça ou da Bélgica fossem constituídas escolas ou turmas apenas com filhos de emigrantes portugueses mesmo que os resultados escolares dos miúdos fossem positivos?
Não creio, posso estar enganado mas o que para alguns de nós se pode compreender e aceitar com miúdos ciganos, não seria aceitável com miúdos filhos de emigrantes portugueses num país estrangeiro.
Na verdade e sem surpresa emerge uma conflitualidade de interesses em torno destas questões assente em valores, experiências negativas ou positivas, estereótipos ou preconceitos de natureza e sinal diferente, dificuldades nas respostas aos problemas, etc.
A pior das soluções parece ser a definição de uma situação que alimente e prolongue a guetização, isto é, para crianças de uma comunidade guetizada, uma escola guetizada ou uma turma guetizada.
Em termos formais, distribuir as crianças por várias escolas ou por várias turmas parece mais ajustado. A questão é que não chega.
Como é reconhecido por quem lida com estas matérias, não basta ter as crianças na escola para que tudo corra bem. As experiências mostram que as escolas precisam de ter dispositivos e recursos suficientes e competentes que promovam a presença bem-sucedida destes miúdos, como, aliás, de todos os outros. Questões desta natureza não afectam apenas os alunos de etnia cigana, envolvem grupos de crianças como, oura vez como exemplo, as crianças com necessidades educativas especiais.
Caso contrário, temos o que por vezes designo por “entregação” (estão entregues) e não integração, com os problemas conhecidos daí decorrentes ao nível da aprendizagem, comportamento, absentismo e conflitualidade e reacções negativas de alguns pais e professores, ainda que com a concordância de outros.
A escola de Famalicão parece ser um reflexo disto mesmo.
Por outro lado, as próprias comunidades ciganas devem ser objecto de intervenção e exigências que não pode ficar na atribuição de uma casa num qualquer bairro social (mais um gueto) e na atribuição, por vezes desregulada, do Rendimento Social de Inserção.
Temo que nada mude e os problemas se repitam.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

OS EFEITOS POSITIVOS DO "PALAVRÃO"

Bendita evidência, como agora se diz.
Lê-se no I que um estudo da Universidade de Psicologia da Nova Zelândia publicado no European Journal of Social Psychology atesta o efeito terapêutico do uso do palavrão, faz bem à saúde, alivia bastante o stresse, a ansiedade promovendo o bem-estar em situações sociais.
Este estudo vem juntar-se a um outro de 2015 divulgado pela "Languages Sciences" segundo o qual um vocabulário rico em palavrões é um indicador de inteligência e habilidade verbal.
Foi tudo isto que durante anos procurei explicar a muita gente que me considerava “mal-educado” e sempre me senti incompreendido. Obrigado aos autores. Mais recentemente, uma das vantagens de chegar a velho, a inimputabilidade, já por vezes sinto que pensam algo como “desta idade e como ele fala” ou é “da idade”.
Por outro lado, também fico preocupado com a quantidade de génios que passam por muitas das nossas salas de aula cujas inteligência e habilidade verbal não são valorizadas como deviam, assim como não se valorizam as suas estratégias para lidar com a ansiedade e o stresse da sala de aula e da aprendizagem
Sempre com a ideia da inovação por que não um Projecto assente na revolucionária metodologia da "Terapia pelo Palavrão. Era só mais um e com resultados garantidos. Dizem os estudos.

O FUTURO DA EDUCAÇÃO


No Público encontra-se um texto assinado pelo grupo de consultores do Projecto da OCDE Future of Education and Skills 2030 recentemente divulgado e que merece leitura, provavelmente será a fonte inspiradora dos caminhos da educação.
O Projecto visa promover a cooperação entre países e economias para responder a duas questões essenciais.
“De que tipo de conhecimentos, capacidades, atitudes e valores vão necessitar os estudantes para ter sucesso e modelar o seu mundo?
Como podem os sistemas educativos desenvolver esse conjunto de competências?"
Estarei a ser injusto mas outra vez?! Estas questões "novas", quantas vezes se nos colocaram ao longo das últimas décadas?
Para lhes responder precisaremos, deito-me a adivinhar, de “inovação”, “novos paradigmas”, “rupturas”, “novas formas de ensinar” e coisas assim.
Mais a sério, como muitas vezes tenho dito e escrito sou dos que entendo a necessidade de mudanças em matéria de currículo, de autonomia, de recursos e organização das escolas, valorização dos professores, etc. e também muitas vezes tenho afirmado as razões para tal entendimento pelo que as deixo de lado.
Por outro lado, e como também já disse, não simpatizo com a recorrente referências constante ao à inovação, ao “novo”. O desenvolvimento das comunidades exige ajustamentos regulares no que fazemos em matéria de educação e em todos os patamares do sistema. Umas vezes melhor, outras vezes com mais sobressaltos temos feito um caminho importante e muito mais ainda vamos ter que fazer mas os ajustamentos que decorrem da regulação e avaliação não têm que ir atrás da “mágica” ideia da inovação, fazer como diz o Pedro Abrunhosa “o que nunca foi feito”.
Nestas matérias, talvez de forma simplista mas é intencional, penso como Almada Negreiros quando referia na "Invenção do Dia Claro”, "Nós não somos do século de inventar palavras. As palavras já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas”.
Mais uma vez desculpem o risco de ser injusto mas sinto já cansaço face à narrativa da "inovação".
Estou aqui no Alentejo e recordei-me da mítica expressão relativa à Barragem do Alqueva, “Construam-me porra!”.
Também na educação, faça-se e façamos o que temos a fazer.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

DA DITADURA DA BIBLIOMETRIA


Gostei de ler o texto de Gabriel Leite Mota no Jornal Económico “A Universidade e os professores que não gostam de ensinar”.
A forma como o sistema de incentivos está desenhado faz com que ninguém queira dar aulas: no fim do dia, serão as publicações que determinam quem sobe, manda, avalia os colegas e aufere mais.
Não está em causa a concordância com a proposta do autor mas a reflexão que me parece oportuna e já se vai fazendo sobre o que se pode designar por “ditadura da bibliometria”, uma visão instalada e predominante que mina uma dimensão essencial da missão do ensino superior, a formação. Como é evidente não é questionável a valorização da investigação, está em causa a desvalorização do ensino.

DA NECESSÁRIA RENOVAÇÃO DO CORPO DOCENTE DAS UNIVERSIDADES

No início de Janeiro Passos Coelho informou que tencionava colocar a acção política em banho-maria e iria “tratar da vida”.
Na altura escrevi que “Se exceptuarmos um ex-político que foi estudar para Paris após a saída de cena e considerando os usos e costumes do reino financiado por um amigo filantropo, Passos Coelho, com base no seu extenso e sólido currículo profissional e mediante concurso, irá ocupar lugares de administração em múltiplas empresas onde desempenhará a emergente e relevantíssima função profissional de facilitador.
Muito provavelmente e aproveitando o seu fortíssimo currículo académico e científico candidatar-se-á também à docência universitária numa prestigiada universidade portuguesa ou estrangeira onde inspirará e ensinará as novas gerações” com o tanto que estudou, investigou e produziu.
Estranhamente, ainda não se verificou a primeira opção, será uma questão de tempo, talvez um pequeno período de nojo (que palavra mais adequada). A segunda já foi anunciada pelo DN, Passos Coelho juntar-se-á a outras figuras relevantes da vida académica portuguesa prestigiando a ou as instituições que lutarão pelo seu concurso.
E assim se cumpre o Portugal dos Pequeninos.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

UM OUTRO OLHAR, "TPC: TORTURA OU TRABALHO PARA CASA?"


No Observador encontra-se um texto sobre os TPC que merece leitura e reflexão, "TPC: trabalho ou tortura para casa?”. O autor, Hugo Rodrigues, não é do universo da educação mas do mundo das crianças e adolescentes, é pediatra. Também por esta razão justifica leitura.
Muitas vezes aqui tenho escrito na lida profissional abordado a questão dos TPC, matéria sempre em aberto. Mais uma vez e a este propósito retomo algumas notas.
Talvez fruto do clima de fortíssima crispação que nos últimos anos envolve a educação, os debates e as ideias também tendem a ser crispados, com opiniões definitivas e sem margem de entendimento. Também assim tende a acontecer quando se discute a questão dos TPC, ser contra ou ser a favor. Mais uma vez e sem qualquer visão fundamentalista fica um contributo para uma discussão e mudanças que me parecem necessárias, aliás, umas não vão sem a outra.
Não tenho nenhuma posição fundamentalista, insisto, mas creio que deve distinguir-se com clareza o Trabalho Para Casa e o Trabalho Em Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o trabalho em casa será o que as crianças podem fazer em casa que, não sendo tarefas de natureza escolar, pode ser um bom contributo para as aprendizagens dos miúdos. O que acontece mais frequentemente é termos Trabalhos Para Casa e não Trabalho Em Casa.
Os TPC clássicos têm ainda o problema de colocar com frequência os pais em situações embaraçosas, querem ajudar os filhos mas não possuem habilitações para tal ou recursos para procurar ajuda externa, o universo das “explicações” nas suas várias designações.
Torna-se, pois, necessário que professores e escolas se entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de casa, igual ao da escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai pode, deve, envolver-se e é útil ao trabalho que se realiza na escola.
Tudo isto considerado, o recurso ao TPC deveria avaliar se o aluno, cada aluno, tem capacidade e competência para o realizar autonomamente, por exemplo, o treino de competências adquiridas. Na verdade, porque milagre ou mistério, uma criança que tem dificuldade em realizar os seus trabalhos na sala de aula, onde poderá ter apoio de professores e colegas, será capaz de os realizar sozinha em casa? Naturalmente tal só acontecerá com a ajuda dos pais ou, eventualmente, de "explicadores" a que muitas famílias, sabemos quais, não conseguem aceder.
No entanto, do meu ponto de vista, sobretudo nas idades mais baixas, o bom trabalho na escola deveria dispensar o TPC. É uma questão de saúde e qualidade de vida como também defende Hugo Rodrigues no texto do Observador.
Parece ainda de sublinhar que os estudos sugerem que é sobretudo a qualidade das aulas, mais do que o tempo global de aprendizagem que está associado ao sucesso na aprendizagem. Aliás, no citado relatório da OCDE também se conclui que não há uma relação significativa entre o número médio de horas gastas nos TPC e os resultados escolares.
Andaríamos melhor se reflectíssemos sem preconceitos e juízos fechados sobre questões desta natureza. Não é uma questão de ser a favor ou contra os TPC, é reflectir sobre o que são? Como se utilizam? Que efeitos na generalidade dos alunos? Como se adaptam às circunstâncias e diferenças de contexto dos alunos como idade/ciclo de escolaridade, estilos de vida e nível de escolarização familiar, etc.

O MAL-ESTAR COMO SEMENTE


Desta vez em o choque e o horror aconteceram em Parkland, na Florida, EUA
Um ex-aluno de 19 alunos da escola secundária entrou na escola armado provocou a morte de 17 pessoas e feriu 14 acrescentando mais um marco trágico num caminho que já vai longo, demasiado e brutalmente longo. Recorde-se Columbine (1999), Virgina Tech (2007), ou Sandy Hook (2012) .
Em cada momento desta trágica natureza invade-nos um sentimento de perplexidade. Porquê?
Acontecem com regularidade episódios desta natureza ainda que alguns com menor gravidade. Para além dos episódios que referi nos Estados Unidos também a Noruega, França ou Finlândia assistiram a grandes tragédias.
Em alguns casos, lembro-me, por exemplo, dos distúrbios de há uns anos em Inglaterra em que os comportamentos observados assemelhavam-se grotescamente a um videojogo violento com personagens reais.
Também em Portugal se têm verificado alguns casos de violência extrema envolvendo jovens, apesar de terem, felizmente, efeitos menos trágicos, levando-nos a questionar os nossos valores, modelos educativos, códigos e leis pela perplexidade que nos causam.
Esta perplexidade exige a necessidade de tentarmos perceber um processo que designo como "incubação do mal" que se instala nas pessoas, muitas vezes logo na infância e adolescência, a partir de situações de mal-estar que podem passar relativamente despercebidas mas que insidiosamente começam a ganhar um peso interior insuportável cuja descarga apenas precisa de um gatilho, de uma oportunidade.
A fase seguinte pode passar por duas vias, uma mais optimista em que alguma actividade, socialmente positiva, possa drenar esse mal-estar, nessa altura já desregulação de valores, ódio e agressividade, ou, a outra via, aumenta exponencialmente o risco de um pico que pode ser um tiroteio numa escola ou noutro espaço público, a bomba meticulosamente e obsessivamente preparada ou uma investida contra alguém arriscando a entrada numa espiral de violência cheia de "adrenalina", em nome de coisa nenhuma a não ser de um "mal-estar" que destrói valores e gente. O jovem envolvido neste episódio era reconhecidamente um jovem que “incubava o mal” pelos testemunhos conhecidos e, aparentemente, foi deixado entregue a si e ao seu mal-estar.
É evidente que a punição e a detenção constituírem um importante sinal de combate à sensação de impunidade perigosamente presente na nossa comunidade mas é minha forte convicção de que só punir e prender não basta.
Assim, sabendo que prevenção e programas comunitários e de integração têm custos, importa ponderar entre o que custa prevenir e os custos posteriores da violência, da delinquência continuada e da insegurança.
Importa ainda estratégias mais proactivas e eficientes de minimizar a guetização e "quase total" desocupação de, em Portugal, centenas de milhares de elementos da geração "nem, nem" nem estuda, nem trabalha. Para esta gente, o futuro passa por onde, por quem e porquê?
Finalmente, a importância de uma precoce e permanente atenção às pessoas, ao seu bem-estar, tentando detectar, tanto quanto possível, sinais que indiciem o risco de enveredar por um caminho que se percebe como começa, mas nunca se sabe como acaba.
Nos Estados Unidos, na Noruega, na França, na Alemanha, em ... ou em Portugal.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

ELA DISSE QUE SIM

Uma das coisas boas de ser Velho é ter histórias para contar e uma das coisas más é contar muitas vezes a mesma história. A vossa generosidade desculpará mas é impossível não me lembrar desta história em cada dia de S. Valentim. Passou-se há muito tempo, num tempo em que ainda não tinha sido inventado este nicho de mercado e também continuo com dúvidas, o meu envolvimento nesta história é motivo de orgulho ou de constrangimento.
Tínhamos uns treze ou catorze anos e dançávamos entre as coisas da escola, as tropelias e a descoberta dos afectos, o bem-querer a alguém. Do grupo fazia parte o Paulo, o Pirolito já não me recordo porquê. O Pirolito, um tipo daqueles que não se aquieta um minuto, andava infeliz, tinha uma paixão pela Joana que, desconsolo supremo, não lhe ligava. O Pirolito era a tristeza feita gente, então quando nos via inchados com os nossos bem-querer os olhos eram um espelho de mágoas.
Um dia, o Zé que namorava, como esta palavra nos soava bem, com a Sofia, a melhor amiga da Joana, teve uma ideia, esquisita, achámos todos. E se através da Sofia se pedisse, no maior dos segredos, à Joana que aceitasse o Pirolito como namorado, mesmo só por uns dias.
Não é que a Joana aceitou. Encorajámos o Pirolito que cheio de medo tentou de novo a Joana. E ela disse que sim.
O Pirolito, como hoje se diria, passou-se, creio mesmo que foi ele o primeiro homem, rapaz na verdade, a ir à Lua.
Alguns dias depois, com um qualquer pretexto, o namoro acabou. Curiosamente, o grupo envolvido não mais conversou sobre esta trama.
Com os anos a passar não mais soube do Pirolito nem da Joana, mas tenho duas convicções. O Pirolito viveu certamente alguns dos dias mais felizes da sua vida e a Joana, cuja acção gosto de interpretar como generosidade, deve continuar a fazer felizes as pessoas à sua beira, mesmo por momentos.
E eu, como vos disse, não sei se me devo orgulhar desta história, ou se me envergonhe da batotice que fizemos. Mas, aqui para nós, não estou muito preocupado com isso.


MALTRATAR NÃO RIMA COM GOSTAR

Em dia de S. Valentim consideremos as relações de namoro mas no seu lado B, sim, existe o lado B desta relação que deveria ser bonita.
Em nova edição do estudo da UMAR, União de Mulheres Alternativa e Resposta, relativo a 2017 envolvendo 4652 jovens com uma média de 15 anos de idade em que cerca 3000 responderam já ter estabelecido relações de namoro os dados são preocupantes.
Dos que já estabeleceram relações de namoro 56% relatam comportamentos que configuram algum tipo de violência.
Cerca de 40% entende que impedir o parceiro de usar algum tipo de roupa não é violência, como também 25% entende que a troca de insultos numa discussão será “normal”,
Cerca de 4000 entendem que forçar o beijo ou relações sexuais é “legítimo” como 25% acha que se não deixar marcas ou ferida não existe agressão física.
Verdadeiramente preocupante como é saber que os dados dos estudos da UMAR têm vindo a evidenciar o aumento da incidência e do entendimento de normalidade.
Também outro trabalho agora conhecido realizado no âmbito do Programa UNi+ — Prevenção da Violência no Namoro em Contexto Universitário, desenvolvido pela Associação Plano i e desenvolvido em contexto universitário com cerca de 1800 jovens com média de 23 anos é inquietante. Mais de metade dos inquiridos, 56,5% foi vítima de violência no namoro e 37% admitem ter assumido comportamentos dessa natureza. Estamos a falar de estudantes universitários.
Esta realidade tem vindo a assumir proporções inquietantes e, do meu ponto de vista, não tem merecido a atenção que a sua gravidade e prevalência justificam. Provavelmente começa por aqui a tragédia da violência doméstica que parece indomesticável.
Os dados que se conhecem convergem no indiciar do que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais. Acresce que boa parte das situações de abuso não são objecto de queixa.
Este conjunto de dados é preocupante, gostar não é compatível com maltratar, mas creio que não é surpreendente. Os dados sobre violência doméstica em adultos que permanece indomesticável deixam perceber a existência de um trajecto pessoal anterior que suporta os dados destes e de outros trabalhos. Aliás, nos últimos anos a maioria das queixas de violência doméstica registadas pela APAV foram de mulheres jovens.
Os sistemas de valores pessoais alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época. De facto, e reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é relevante a percentagem de jovens, incluindo estudantes universitários, que afirmam um entendimento de normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente significam relações de abuso e maus-tratos.
Como todos os comportamentos fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais, mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância, torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria persistente nos meios de comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes de protecção e apoio a eventuais vítimas.
Só uma aposta muito forte na educação, escolar e familiar, pode promover mudanças sustentadas nesta matéria. É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares. 
Entretanto e enquanto não mudo, "só faço isto, porque gosto de ti, acreditas não acreditas?"

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

O PESO DA NOTA DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO SECUNDÁRIO

O Bloco de Esquerda apresenta amanhã na Comissão de Educação e Ciência uma proposta de resolução a decisão do ME anunciada em 2016 de que a nota de Educação Física no ensino Secundário volte a ser considerada o cálculo da média final para acesso ao ensino superior entre em vigor para os alunos que ingressem no secundário no próximo ano lectivo.
A este propósito retomo o que escrevi na altura do anúncio da intenção do Ministério da Educação e que também abordei em texto no Público.
“(…) 
O desinvestimento na Educação Física foi nítido na anterior equipa do ME. O “primeiro sinal” foi a redução em 2012 da carga horária no 3º ciclo e no ensino secundário.
O “segundo sinal” foi o facto de ter sido decidido que a nota da disciplina de Educação Física deixasse de contar para o apuramento da média final do ensino secundário para efeitos de acesso ao ensino superior, embora usada para alunos que pretendam prosseguir estudos nesta área ou para cálculo da média de conclusão de estudos secundários.
A medida evidenciou desde logo um aspecto incompreensível, a atribuição de um estatuto de segunda a uma disciplina que como outras de carácter geral integram os currículos. Por outro lado, o efeito de desvalorização da disciplina contrariando orientações europeias, que começou com um decréscimo das horas desta disciplina definidas nas novas matrizes curriculares, num país caracterizado por um excesso de sedentarismo nos estilos de vida dos jovens, seria de considerar. Na verdade se um dos grandes problemas que afecta a qualidade de vida de adolescentes e jovens é, justamente, o sedentarismo, como compreender o desinvestimento na disciplina de Educação Física que tem vindo a acontecer.
Como exemplo, recordo um trabalho da Universidade de Coimbra divulgado em 2013 que sublinhava, mais uma vez, o impacto que o sedentarismo tem na saúde das crianças. Este estudo envolveu 17424 crianças entre os 3 e os 11 anos e mostrou a forte relação entre hábitos fortemente sedentários, ver televisão por exemplo, e obesidade infantil e óbvias consequências na saúde e bem-estar dos miúdos.
Um outro trabalho de 2012 da Faculdade de Motricidade Humana envolvendo cerca de 3000 alunos mostrava o efeito positivo da actividade física no rendimento escolar para além dos benefícios óbvios na saúde.
Também em 2012, um trabalho divulgado na Lancet referia que em Portugal, entre os adolescentes, dos 13 aos 15, quatro em cada cinco não são fisicamente activos.
Voltando à questão da Educação Física, a razão da decisão de retirar a nota do cálculo da média de acesso remetia para um potencial enviesamento que as notas de Educação Física poderão ter no acesso ao Ensino Superior, o velho exemplo do aluno que quer ser médico mas não tem "jeito para a ginástica". Eventualmente, poderá acontecer também falta de "jeito para a Filosofia ou para o Inglês" sem que se justifique retirar estas disciplinas do cálculo da média de acesso.
No entanto, do meu ponto de vista, esta questão só acontecia e acontece porque, digo-o de há muito, a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior se sobrepõem quando deveriam ser processos separados.
Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam todas as modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como o ensino recorrente.
O acesso ao ensino superior é, deveria ser, um outro processo que se desenrolaria sob a responsabilidade do ensino superior.
Parece-me pois importante que a Educação Física recupere um estatuto de disciplina nobre e que, por outro lado, se considere a necessidade de repensar o dispositivo de acesso ao ensino superior.”
Na verdade são duas problemáticas diferenciadas, a importância e valorização da Educação Física e o processo de entrada ao ensino superior como ainda há dias aqui escrevi.

O CORSO

Apesar de alguma incerteza da meteorologia o Corso vai realizar-se. Não pode haver Carnaval sem o Corso, com chuva ou com frio que por cá o Carnaval não é tempo de calor embora os e as figurantes do Corso se apresentem corajosamente com "equipamento" de Verão.
O Corso tem andado em preparação de há muito e nos últimos dias parece ter atingido o auge da capacidade de animação das gentes que, com ou sem tolerância, não toleram não ver o Corso.
Para além bonecos gigantes que caricaturam o poder e as suas figuras na ilusão de que por uma vez, nos vingamos do seu poder as personagens e intervenientes no Corso são de uma variedade e riqueza que deixarão a concorrência internacional roída de inveja.
Podem encontrar malabaristas com números que fazem com que estes digam tudo o querem ouvir.
Temos ilusionistas que mostram realidade e truques que nos fazem duvidar dos nossos olhos. Temos pantomineiros que contam histórias e lengalengas que nos fazem rir ou chorar conforme a natureza.
Temos vendedores de banha da cobra que todos os problemas prometem resolver.
Temos gigantes que se acham omnipotentes e têm pés de barro e figuras pequeninas que usam andas para se tornar visíveis.
Temos inquisidores justiceiros e virgens ofendidas na sua falsa virtude.
Também entram os mascarados com a autoridade que não têm e os fingidores de um saber que não possuem.
Não faltam oráculos, adivinhadores do futuro e profetas da desgraça.
No meio do Corso não faltam bobos que ainda mais animação tentam promover.
Enfim, com ou sem Sol siga o Corso.
Entretanto, o povo que assiste já sente as mãos a doer.
Não, não é de aplaudir, é de as apertar. De inquietação. Amanhã acaba o Carnaval.

Nota - Registo de interesses já aqui estabelecido, não gosto do Carnaval.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

TGV

Pela mão de António Costa o TGV voltou à agenda. Refiro-me ao comboio de alta velocidade (Train à Grand Vitesse). Um dia destes estará a ser novamente discutido. Uns são favoráveis, sempre foram. Outros são desfavoráveis, sempre foram. Alguns outros são favoráveis ou desfavoráveis conforme o tempo e a circunstância. Também tenho, naturalmente, a minha opinião sobre o TGV, não sou particularmente adepto, estou mais preocupado como ideia que se instalou nos nossos estilos de vida TGV, Tudo a Grande Velocidade.
De facto, acho que vivemos a vida a uma velocidade que lhe retira qualidade.
O tempo, bem cada vez mais escasso e precioso, não chega para toda a “montanha” de coisas “super-importantes” e “fantásticas” que temos de fazer pelo que “passa a correr”.
Corremos para o trabalho e para casa, falta o tempo para os miúdos que correm para a escola e da escola para “imensas” actividades que fazem “super-bem” a “montes” de aspectos.
Tudo é urgente, tudo é para ontem. Com dúvidas sobre o amanhã, tudo tem que acontecer hoje. Ainda por cima hoje é carnaval.
Comemos à pressa, em pé, dormimos à pressa, falamos, quando falamos, à pressa, amamos à pressa. O problema, como se sabe, é que depressa e bem, não há quem.
É por isso, e porque cada dia dou mais valor ao tempo, que não simpatizo com o TGV, Tudo a Grande Velocidade.

PS – Desculpem lá, isto não é conversa para o tempo de Carnaval, o tempo de compormos genuínas máscaras de alegria e diversão. Divirtam-se.

"A PEDAGOGIA DO CHINELO", UMAS NOTAS NA VISÃO ONLINE

Umas notas na Visão online sobre o inquietante volume de referências à “necessidade” de bater nas crianças para as educar na sequência do lamentável “Supernanny” e das reais dificuldades que muitas famílias sentem na educação familiar de crianças e adolescentes.
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