domingo, 25 de fevereiro de 2018

PAIS, FILHOS E PRÁTICA DESPORTIVA


No JN noticia-se que o pai de um jovem jogador durante um jogo no concelho de Penafiel invadiu o campo para agredir o árbitro por ter expulso o seu filho. É claro que a esta atitude não será alheio o clima explosivo que se tem vindo a instalar com a prestimosa e esforçada colaboração de dirigentes e “comentadores” promovendo o risco cada vez maior de violência e agressão e acabando definitivamente com a velha fórmula do desporto como escola de virtudes. Torna-se cada vez mais difícil alimentar isto.
Parece-me de retomar algumas notas sobre a forma negativa como alguns pais se comportam quando assistem à prática desportiva dos filhos seja em treino, seja em competição.
O fenómeno não é novo, evidentemente. Há mais de duas décadas o meu filho era praticante juvenil de uma modalidade colectiva num clube pequeno, hóquei em patins. Por curiosidade era guarda-redes, uma posição ingrata e que me deixava sempre inquieto com os riscos mas de que ele gostava, na qual se empenhava em conjunto com grupo de que ainda hoje conserva amigos.
Nos treinos, mas sobretudo em jogos o comportamento a que assistia por parte de alguns adultos (pais) era, por assim dizer, muito “envolvido”. Nem sequer falo das “orientações” constantes substituindo o treinador ou dos incentivos, da exigência e da pressão sempre ruidosas. Falo de em muitos recintos ver miúdos a ser insultados e ameaçados. Numa circunstância um dos miúdos foi mesmo agredido por uma senhora quando patinava junto à lateral do campo. Quando assistia a jogos em alguns locais o ambiente era preocupante e intimidatório. Estamos a falar de jogos entre crianças. Lamentável e um espelho de um quadro de valores instalado.
No entanto e sendo isto verdade, é importante também dizer que provavelmente mais do que hoje, as condições mudaram, eram o empenho e o voluntarismo de alguns pais que permitiam que muitas crianças praticassem algum desporto em clubes e estruturas muito pequenas e com meios e recursos insuficientes.
Ainda sobre a forma como alguns pais se relacionam com os filhos a propósito da prática desportiva deixo uma cena a que também assisti e que parece elucidativa de uma atitude muito generalizada.
Actores principais - Pai e filho com uns 6 ou 7 anos
Actores secundários - A mãe que entre chamadas no telemóvel grita incentivos para o filho
Cenário - uma zona relvada com dois pinos colocados de forma a simular uma baliza.
Assistentes discretos - o escriba
Guião - O pai ensina o filho a dar pontapés numa bola de futebol em direcção à baliza dos pinos
Cena e diálogo (reconstruído a partir de excertos ouvidos pelo escriba)
O pai apontando para uma zona do pé do miúdo que tem botas de futebol calçadas - Já te disse que é com esta parte do pé que tens de acertar na bola, vê se tomas atenção.
O miúdo em silêncio faz mais uma tentativa que não sai muito bem, não acerta na baliza.
O pai - Assim não vale a pena, não fazes como te digo, tens que estar concentrado, (aqui lembrei-me do Futre, um homem concentradíssimo e, certamente por isso, um grande jogador).
O filho - Mas eu dei com esta parte.
O pai - És parvo, se tivesses dado com essa parte a bola tinha ido para a baliza. Faz outra vez.
O miúdo com um ar completamente sofredor executa o que em futebolês se chama o gesto técnico e a bola teimosamente voltou a não sair na direcção desejada.
O pai - Pareces burro, se queres ser jogador de futebol, tens que te aplicar, (será que o miúdo quer mesmo ou será o pai que quer viver um sonho que foi dele e que agora cobra no filho?).
O miúdo, desesperado, sentou-se no chão com ar de quem espera o fim do jogo.
O pai, irritado, mandou a bola para longe com um forte pontapé.
O escriba pensou que se o árbitro tivesse visto, o pai merecia um cartão por comportamento incorrecto.

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