Os dados disponibilizados pelo
Alexandre Henriques do ComRegras relativos ao inquérito deste ano sobre a
indisciplina na escola mostra que nesta matéria não se verificou uma tão desejada
como necessária reversão, os episódios são recorrentes, o clima das escolas é de
preocupação, aliás, sabe-se que a questão dos comportamentos de indisciplina
estão fortemente associados quer ao stresse e risco de burnout nos docentes
quer ao sucesso na aprendizagem dos alunos. Os dados podem, devem, ser
consultados no ComRegras.
Sabe-se também que quando os
professores são inquiridos sobre eventuais factores contributivos para a indisciplina em sala de aula são
recorrentemente identificados o contexto familiar dos alunos, as políticas
educativas e os seus efeitos, os alunos, as direcções de escola e os próprios
professores, formação, experiência, apoio e valorização, etc.
Outros estudos sugerem que uma
parte bastante significativa do tempo dos professores em sala de aula é gasta
na gestão do comportamento dos alunos em detrimento das tarefas de ensino.
Algumas notas que não sendo novas
me parecem, infelizmente, justificadas.
Em primeiro lugar julgo que
importa clarificar o que está em causa. Permitir, por exemplo, que um telemóvel
toque na sala de aula ou outros comportamentos desadequados em sala de aula ou
na escola serão indisciplina, insultar, humilhar, confrontar fisicamente um professor,
comportamentos frequentes de agressão ou roubos a colegas configuram
pré-delinquência ou delinquência e comportamentos disruptivos podem ainda estar
ligados a perturbações de natureza psicológica.
A escola não pode ser
responsabilizada e considerada competente por e para todo este universo de
problemas nos comportamentos dos mais novos. Para situações de pré-delinquência
ou perturbações do comportamento pode, evidentemente, dar contributos mas não
assumir a responsabilidade pelo que importa clarificar a análise.
Centremo-nos então na
indisciplina escolar que considero matéria de competência da escola e matéria
de responsabilidade de toda a comunidade, incluindo os pais, naturalmente, e
todas as figuras com relevância social, por exemplo, não se riam, políticos ou
jogadores de futebol.
O Estatuto do Aluno, no qual o ME
depositava públicas esperanças que me pareceram, desde sempre, sobrevalorizadas
e desadequadas face aos seus conteúdos e à realidade das escolas e comunidades
actuais, qualquer que seja, é um regulador, melhor ou pior, mas nunca A solução
e, pela mesma razão, nunca será A causa da indisciplina.
Parece-me também de referir que
todas as figuras sociais a que se colam traços de autoridade por exemplo, pais,
professores, médicos, polícias, idosos, etc., viram alterada a representação
social sobre esses traços. Dito de outra maneira, o facto de ser velho,
polícia, professor ou médico, já não basta, só por si, para inibir
comportamentos de desrespeito pelo que importa perceber o impacto destas
alterações nas relações entre professores e alunos.
As mudanças significativas no
quadro de valores e nos comportamentos criam dimensões novas em torno de um
problema velho, a indisciplina. Daqui decorre, por exemplo, que restaurar a
autoridade dos professores, tal como era percebida há décadas, é uma
impossibilidade porque os tempos mudaram e não voltam para trás. Pela mesma
razão, não se fala em restaurar a relação pais – filhos nos termos em que se
processava antigamente e falar da "responsabilização" dos pais é
interessante, mas é outro nada.
Um professor ganha tanta mais
autoridade quanto mais competente, apoiado e valorizado se sentir. O apoio aos professores é um
problema central no que respeita à indisciplina mas não só.
Assim sendo, o ME não pode
desenvolver políticas que socialmente deixem o professor desapoiado, que
comprometam o clima e a qualidade de trabalho nas escolas e, simultaneamente,
afirmar que vai restaurar a sua autoridade e promover a sua valorização social.
Também por isto se questiona a
incompetente constituição de mega-agrupamentos e de escolas e turmas com
dimensões excessivas, variável associada à indisciplina escolar.
É também importante reajustar a
formação de professores. As escolas de formação de professores não podem
“ensinar” só o que sabem ensinar, mas o que é necessário ser aprendido pelos
novos professores e pelos professores em serviço. Problemas "novos"
carecem também de abordagens "novas".
Parece também importante a
existência de estruturas de mediação entre a escola e a família o que implica a
existência de recursos humanos qualificados e disponíveis. Veja-se o trabalho
dos GAAFs apoiados pelo IAC, experiências no âmbito da intervenção da
Associação EPIS ou iniciativas que algumas escolas conseguem desenvolver e que
permitam apoiar os pais dos miúdos maus que querem ter miúdos bons e
identificar as situações para as quais, a comprovada negligência dos pais
exigirá outras medidas que envolvam, eficazmente e em tempo oportuno as CPCJ.
Esta mediação não é compatível com o plano de tutoria em desenvolvimento pelo ME com 4h semanais de um professor tutor para um grupo de 10 alunos.
Um caminho de autonomia, com a
alteração desejável dos modelos de organização e funcionamento das escolas e na
gestão curricular, deveria permitir que as escolas, algumas escolas, mais
problemáticas tivessem menos alunos por turma, mais assistentes operacionais com
formação em mediação e gestão de conflitos ou ainda que se utilizassem,
existindo, professores em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades.
Por outro lado, os estudos e as
boas práticas mostram que a presença simultânea de dois professores é um excelente
contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de
comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos
alunos também na prevenção da indisciplina.
As dificuldades dos alunos estão
com muita frequência na base do absentismo e da indisciplina, os alunos com
sucesso, em princípio, não faltam e não apresentam grandes problemas de
indisciplina.
Os professores também sabem que
na maior parte das vezes, os alunos indisciplinados não mudam os seus
comportamentos por mais suspensões que sofram. É evidente que importa admitir
sanções, no entanto, fazer assentar o combate à indisciplina nos castigos aos
alunos e, eventualmente, nas multas e retirada de apoios aos pais, é ineficaz,
é facilitista na medida em que é a medida mais fácil e mais barata, é
demagógica porque vai ao encontro dos discursos populistas que aplaudem a ideia
do "prender" do "expulsar" até ficarem só os nossos filhos.
O problema é quando também nos
toca a nós, aí clamamos por apoios.
Os discursos demagógicos e
populistas, ainda que bem-intencionados, não são um bom serviço à minimização
dos muito frequentes incidentes de indisciplina que minam a qualidade cívica da
nossa vida além, naturalmente, da qualidade e sucesso do trabalho educativo de
alunos, professores e pais.
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