Lê-se na imprensa que através de
protocolo com 17 instituições vão ser criadas 366 vagas para cuidados
continuados de saúde mental.
Parece assim esquecida de vez a
opção pelo recurso a equipas comunitárias comprovadamente mais eficazes e menos
onerosas.
Recordo que o Relatório do
programa da União Europeia "Joint Action on Mental Health and
Well-being" divulgado em 2015
mostrava como Portugal está muito longe do desejável no que respeita à
prestação de cuidados no domicílio e serviços na comunidade a pessoas com doença
mental. Estima-se que menos de 20% dos doentes tenha acesso a este tipo de
cuidados.
A ausência de respostas adequadas
leva a um recurso excessivo à prescrição de psicofármacos mesmo em situações
não justificadas como tem sido recorrentemente demonstrado.
Também de 2015, o estudo
Trajectórias pelos Cuidados de Saúde Mental em Portugal, promovido pela
Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental defendia que o encerramento,
positivo entenda-se, dos hospitais psiquiátricos não foi acompanhado da criação
de serviços na comunidade pelo que a desinstitucionalização falhou e “agravou
os problemas de muitos doentes”. Afirmava-se no Relatório que a Rede de
Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental não se concretizou e escasseiam
os recursos.
Entretanto, o Governo anunciou o
arranque deste Projecto. No entanto e com alguma surpresa o programa assenta
fundamentalmente na construção de unidades e aumento do número de camas na
tutela de Misericórdias e instituições religiosas, algumas sem experiência.
Ficam de fora instituições com experiência nesta área e capacidade para
estruturar resposta de proximidade. Alguns especialistas definiram a opção como
a promoção de mais uma área de negócio. Sem estranheza.
A opção foi e é criticada pelo
director do Programa Nacional para a Saúde Mental que entende por mais ajustado
a aposta em equipas comunitárias e apenas um número reduzido de camas para
situações mais críticas de adultos ou crianças para as quais faltam de facto,
camas levando ao seu inaceitável internamento em serviços para adultos.
Na verdade, as orientações
actuais e matéria de saúde mental, quer do ponto de vista científico, quer do
ponto de vista dos custos, determinam que a qualidade e eficácia deste tipo de
apoios, deve, tanto quanto possível, assentar em estratégias de proximidade,
aproximando, assim, o serviço clínico da comunidade e da vida quotidiana das
pessoas.
Os modelos defendidos pela
comunidade científica actual, a defesa dos direitos humanos e da qualidade de
vida, tornaram insustentável a manutenção das grandes instituições psiquiátricas
que encerravam muitas câmaras de horrores e casos de isolamento e privação.
Ainda me lembro do incómodo causado por visitas realizadas no início da minha
formação ao Hospital Júlio de Matos. Este universo é bem retratado no mítico
“Jaime” de António Reis e Margarida Cordeiro.
No entanto, este movimento de
retirada das pessoas com doença mental das grandes instituições não está a ser
devidamente suportado pela criação de unidades locais que providenciem apoio
terapêutico, social e funcional tão perto quanto possível das comunidades de
pertença dos doentes e com o mínimo recurso ao internamento.
Tal opção, parece claro, cria
sérios obstáculos aos processos de reabilitação e inserção comunitária
acentuando ou mantendo os fenómenos de guetização das pessoas com doença mental
e respectivas famílias.
Não estranho, os doentes mentais
são os mais desprotegidos dos doentes, pior, só os doentes mentais idosos. Os
custos familiares e sociais da guetização são enormes e as consequências são
também um indicador de desenvolvimento das comunidades.
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