Desculpem a insistência mas as
proporções e gravidade da situação justifica. O JN apresenta um trabalho com
presença na primeira página sobre os excessos que se verificam no consumo do metilfenidato
por parte de crianças cada vez mais novas. Aliás, no noticiário televisivo da
RTP1 das 13 também o tema foi abordado com as opiniões de especialistas de
diferentes áreas que acordaram na sobreutilização deste psicofármaco.
Esta medicação é usada na
terapêutica das situações de alegados problemas de comportamento,
hiperactividade, défice de atenção ou instabilidade. No entanto, é também usada
como “auxílio” aos resultados escolares sendo também conhecida pelo “comprimido
da inteligência”.
Esta preocupação tem sido objecto
de intervenções recorrentes. Recordo que no Relatório anual do Conselho
Nacional de Educação “Estado da Educação 2015” chamava-se a atenção para a
questão do consumo de medicação por parte de crianças e adolescentes para
alegados problemas de comportamento, hiperactividade, défice de atenção ou
instabilidade.
Em 2010 prescreveram-se no SNS 133
562 e em 2016 o número foi 270 492. É ainda de considerar que em 2015 63% do volume
do fármaco foi usado entre os 10 e os 19 anos e 26% até aos 9 anos. Os adultos
consumiram “apenas” 7% do volume total de prescrições.
São valores impressionantes e
altamente preocupantes e que estão em linha com os dados do Infarmed que tem
alertado para o disparar do consumo do metilfenidato com os nomes correntes de
Ritalina, Concerta ou Rubifen.
Face a este cenário e em
diferentes intervenções públicas, especialistas como Mário Cordeiro, Gomes
Pedro ou Ana Vasconcelos, que também foi ouvida na peça da RTP1, têm revelado
sempre uma atitude cautelosa e prudente face esta hipermedicação ou
sobrediagnóstico e alertado para os riscos destas práticas que, aliás, não se
verificam em todos os países. Este tipo de discurso, cauteloso e prudente, que
subscrevo, contrasta com a ligeireza, que não estranho, de Miguel Palha que
referia há algum tempo no Público as “centenas” de crianças que na sua clínica
solicitam “diariamente” o fármaco.
Pedindo desculpa ela repetição de
escritos anteriores, a forma como olhamos, intervimos e exigimos dos
comportamentos e resultados escolares dos mais novos mostram que de há uns
tempos para cá uma boa parte dos miúdos e adolescentes parece ter adquirido uma
espécie de prefixo na sua condição, o "dis", passam a
"dismiúdos".
Se bem repararem a diversidade é
enorme, ao correr da lembrança temos os meninos que são disléxicos em gama
variada, disgráficos, discalcúlicos, disortográficos ou até distraídos.
Temos também as crianças e
adolescentes que têm (dis)túrbios ou perturbações. Estes também são das mais
diferenciadas naturezas, distúrbios do comportamento, distúrbio do
desenvolvimento, distúrbios da atenção e concentração, distúrbios da memória,
distúrbios da cognição, distúrbios emocionais, distúrbios da personalidade,
distúrbios da actividade, distúrbios da comunicação, distúrbios da audição e da
visão, distúrbios da aprendizagem ou distúrbios alimentares.
Como é evidente existem ainda os
que só fazem (dis)parates e aqueles cujo ambiente de vida é completamente
(dis)funcional ou se confrontam com as (dis)funcionalidades dem muitos
contextos escolares, número de alunos por turma excessivo, currículos
desajustados, falta de apoios, etc.
Pois é, há sempre um
"dis" à espera de qualquer miúdo e senão, inventa-se, "ele tem
que ter qualquer coisa".
De forma propositadamente simplista costumo dizer que
algumas destas crianças não têm perturbações do desenvolvimento ou dificuldades
de aprendizagem, experimentam perturbações no envolvimento e sentem
dificuldades na “ensinagem”.
Agora um pouco mais a sério,
sabemos todos que existe um conjunto de problemas que pode afectar crianças e
adolescentes, esses problemas devem ser abordados, se necessário com medicação,
evidentemente, mas, felizmente, não são tantos as situações como por vezes
parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos
"diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais eles
dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza
uma perigosa indiferença sobre o que se observa nos miúdos. Aliás, é curioso
perceber o que se passa noutros países, França, por exemplo, nesta matéria.
Inquieta-me ainda a ligeireza com
que muitos miúdos aparecem medicados, chamo-lhes "ritalinizados", sem
que os respectivos diagnósticos conhecidos pareçam suportar seguramente o
recurso à medicação. A sobreutilização ou uso sem justificação do metilfenidato
e de outros fármacos tem riscos, uns já conhecidos, outros em investigação.
Esta matéria, avaliar e explicar
o que se passa com os miúdos e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético
e deontológico além da óbvia competência técnica e científica.
Não se pode aligeirar, é
"dis"masiado grave.
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