Passou discretamente pelo
Expresso mas é algo que me parece interessante. Um acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça vem determinar que TODAS as crianças devem ser ouvidas no âmbito dos
processos judiciais de promoção e protecção que as envolvam. A lei estabelecia
que já era obrigatório ouvir a criança a partir dos doze anos mas agora será
sempre obrigatório. Quando pela idade ou por outra razão assim não aconteça o
juiz responsável deverá justificar formalmente por escrito a decisão.
Segundo o Acórdão, “A criança ou
o jovem tem direito a ser ouvido individualmente ou acompanhado pelos pais,
pelo representante legal, por advogado da sua escolha ou oficioso ou por pessoa
da sua confiança”. Mais determina que “A falta de audição da criança afeta a
validade das decisões finais dos correspondentes processos por corresponder a
um princípio geral com relevância substantivas.”
Na verdade, parece-me um passo muito
significativo no cumprimento de um direito das crianças, a voz sobre matérias
que a envolvem e que, aliás, está inscrito na Convenção dos Direitos da Criança.
Sabemos que a audição de crianças
muito novas pode constituir uma tarefa complexa mas também sabemos que mesmo
nessas idades e nas circunstâncias adequadas as crianças são capazes de
exprimir juízos sobre a sua realidade e contexto de vida.
Aliás, recordo que há algum tempo
o Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados tomou a iniciativa de
distribuir pelos tribunais de Família e Menores exemplares de um livro
destinado a ajudar magistrados, procuradores e advogados a realizar de forma
adequada audições a crianças no âmbito de processos de regulação parental.
Esta iniciativa vai no mesmo
sentido de duas outras que aqui também referi.
Uma primeira referência para a
criação por parte de um grupo de advogados especialistas em direito de família
de uma Associação, "Voz da Criança" que "pretende dar voz às
crianças nos tribunais e ser uma voz activa junto do poder legislativo".
Esta Associação tem como
objectivos latos proteger os direitos das crianças e a forma como, do ponto de
vista do direito, são consideradas, bem como analisar e promover ajustamentos
nos procedimentos adoptados pelos diversos actores neste universo tendo sempre
como grande preocupação o "supremo interesse da criança".
Também na mesma altura, 2013, foi
divulgado que a PSP, em pareceria com a APAV, criou nas instalações da Divisão
de Investigação Criminal de Alcântara, em Lisboa, um “espaço criança”,
destinado exclusivamente às crianças que se deslocam a esta Divisão que tem
competência em matéria de investigação de abusos e maus tratos a crianças, por
exemplo, no quadro de violência doméstica.
Na verdade, esta atenção à
criança e às circunstâncias em que muitas crianças são ouvidas e recebidas
devido a questões processuais e de investigação quase que configuram uma nova
situação de vitimização ou são percebidas como ameaçadoras e intimidantes.
Recordo, por exemplo, sucessivas audições de crianças vítimas de abuso sexual,
situação que creio atenuada, mas não resolvida, com os depoimentos para memória
futura ou ainda o contacto com os agressores. Quase parece dispensável a
necessidade de referir como é violento e capaz de deixar marcas profundíssimas
solicitar a uma criança que repetidas vezes relate, relembre e "viva"
a situação dramática porque passou, o que significa, certamente, um novo abuso.
Acresce às questões processuais
que podem ser, na verdade, outra experiência de violência, a importância do
contexto de acolhimento, espaço onde ocorre e a preparação de quem recebe as
crianças, nos diferentes serviços.
Também nos casos de regulação
parental deve ser protegido o bem-estar das crianças e as audições e
inquirições devem decorrer de forma protegida e adequada.
O Acórdão do Supremo que atribui
voz a todas as crianças e obriga a justificar quando tal não é considerado parece-me
um passo importante e que merece registo.
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