Foi divulgado hoje o Relatório da
Unicef “Equidade para as crianças: uma tabela classificativa das desigualdades no bem-estar das crianças nos países ricos”. Os dados encontrados não podem deixar de se considerar uma poderosa
acusação aos responsáveis políticos dos diferentes países e das instituições transnacionais.
Dada a extensão do Relatório que
merece leitura atenta apenas algumas referências. Em Portugal a “diferença de
rendimentos entre as crianças mais pobres e as do meio da distribuição é
superior a 60%. Isto significa que as mais pobres dispõem de menos de 40% dos
rendimentos da média”.
Portugal teve nos últimos um dos
maiores aumentos das desigualdades de rendimento, igual ou superior a 5%. Este
valor confirma que o Governo anterior sempre negou, aumento das desigualdades
em consequência do fundamentalismo austeritário.
Portugal é também dos países em
que as transferências sociais, subsídios, abonos, etc. menos minimizam a
desigualdade de distribuição de rendimentos.
Nada disto é novo, como é sabido
as situações de carência assumem sempre consequências mais graves nos grupos
mais vulneráveis, designadamente crianças e velhos. Vários outros trabalhos têm
mostrado indicadores no mesmo sentido.
Há poucos dias era divulgado que
segundo dados do sistema de monitorização da Direcção-Geral da Saúde constantes
no relatório “Portugal – Alimentação Saudável em Números 2015, uma em cada 14 famílias
portuguesas salta refeições por não ter comida suficiente.
O impacto das circunstâncias de
vida no bem-estar das crianças e de forma mais particular no rendimento escolar
e comportamento é por demais conhecido e essas circunstâncias constituem, aliás,
um dos mais potentes preditores de insucesso e abandono quando são
particularmente negativas, como é o caso de carências significativas ao nível
das necessidades básicas.
Recordo o estudo do CNE e da
Fundação Francisco Manuel dos Santos há pouco tempo divulgado mostrando com
clareza que a esmagadora maioria dos alunos com insucesso é oriunda de famílias
com estatuto económico e social muito baixos e vivem em situação de pobreza e
carência.
Um Relatório de 2013, "Food
for Thought", da organização Save the Children, afirmava que 25% das
crianças terão o seu desempenho escolar em risco devido à malnutrição com as
óbvias e pesadas consequências em termos de qualificação e qualidade de vida de
que a educação é uma ferramenta essencial.
Em qualquer parte do mundo,
miúdos com fome, com carências, não aprendem e vão continuar pobres. Manteremos
as estatísticas internacionais referentes a assimetrias e incapacidade de proporcionar de forma mais efectiva mobilidade social através da educação. Não estranhamos. Dói mas é “normal”, é o
destino.
Esta realidade não pode deixar de
colocar um fortíssimo risco no que respeita ao desenvolvimento e ao sucesso educativo
destes miúdos e adolescentes e portanto, à construção de projectos de vida
bem-sucedidos.
Quando penso nestas matérias
sempre me lembro da história que aqui conto com frequência e foi umas das
maiores lições que já recebi, acontecida há uns anos em Inhambane, Moçambique.
Ao passar por uma escola para gaiatos pequenos o Velho Bata, um homem velho e
sem cursos, meu anjo da guarda durante a estadia por lá, disse-me que se
mandasse traria um camião de batata-doce para aquela escola. Perante a minha
estranheza, explicou que aqueles miúdos teriam de comer até se rir, “só aprende
quem se ri”, rematou o Velho Bata.
Pois é Velho, miúdos com fome não
aprendem e vão continuar pobres.
As palavras de Augusto Gil de
1909 estão tragicamente actualizadas.
(...)
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!
(...)
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