O calendário das consciências
determina para hoje o Dia Nacional de Sensibilização ao Cyberbullying.
Diferentes estudos sugerem que em
Portugal entre um quarto e um terço dos adolescentes entre os 13 e os 15 anos
já se terá envolvido em episódios de bullying verificando-se com particular
preocupação a subida significativa de cyberbullying. Um estudo da Universidade
do Minho hoje referido na imprensa sugere que 10% dos alunos inquiridos já terá
sido vítima desta forma de bullying.
Duas notas específicas relativas
ao cyberbullying que mostra o seu potencial risco. Contrariamente ao bullying
presencial não tem “intervalos, normalmente os fins-de-semana pois ocorrem
predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s) agressor(es)
não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido o
que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o
comportamento agressivo.
Também por estas razões é fundamental
uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.
Em termos globais, sabe-se também
que a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que
são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas,
incluindo o emergente cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de
represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo
que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais,
professores ou funcionários.
Este cenário determinaria, só por
si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem
minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.
Recordo um estudo com uma escala
significativa divulgado na Lancet Psychiatry evidenciando que o bullying assume
impactos negativos mais significativos no bem-estar psicológico dos
adolescentes aos 18 anos que maus tratos de adultos sofridos na infância.
Mostra ainda que crianças maltratadas na infância são vítimas potenciais de
bullying em adolescentes.
Estima-se que nos últimos três
anos o fenómeno tenha provocado pelo menos 12 suicídios nos Estados Unidos.
Recordo ainda que foi anunciado em 2013 que a Direcção-geral de Saúde iria
promover em várias escolas do país um projecto de prevenção do suicídio
dirigido a adolescentes. Felizmente, a taxa de suicídio adolescente em Portugal
não é muito alta, embora um só caso já seja uma tragédia. No entanto, os
comportamentos de natureza autodestrutiva são bem mais prevalentes do que se
pensa. Em algumas circunstâncias, mais tarde estes comportamentos podem
culminar em suicídio.
Neste contexto e dada a gravidade
e frequência com que ocorrem estes episódios é imprescindível que lhes
dediquemos atenção ajustada, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que
promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar
riscos e sofrimento.
Neste universo importa considerar
dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a
intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez
e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou
repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e
ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu
ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de
prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso
disso.
Relembro que o Portal sobre o
bullying teve durante o seu primeiro ano de funcionamento cerca de 650 000
visitas e respondeu a 700 solicitações.
Esta utilização mostra a
necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais
para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Entretanto
estão criados vários portais e disponíveis alguns canais de denúncia e procura
de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente,
alunos.
Lamentavelmente, a generalidade
destes serviços é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada
e global do sistema educativo, para além das insuficiências na formação de
técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu
reconhecimento.
A existência de dispositivos de
apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes,
designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de
supervisão dos espaços escolares, é, a par de ajustamentos nos modelos de
organização e funcionamento das escolas e de uma séria reestruturação
curricular, uma tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o
argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar são
incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil
dizer qualquer coisa mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes
evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos
atenção, seja em casa, ou na escola, espaço onde passam um tempo enorme.
Estes sinais não podem, não
devem, ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.
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