sábado, 30 de abril de 2016

E É ESCREVER, ASSIM, DESACORDADAMENTE. De novo e sempre

No Expresso de hoje refere-se que o Presidente da República quer reabrir o debate sobre o Acordo Ortográfico admitindo mesmo o recurso a um referendo.
É uma boa notícia se se concretizar esta intenção.
Repetindo notas que já aqui deixei e enquanto for tempo de evitar este atropelo à Língua Portuguesa que o Acordo Ortográfico representa vale a pena insistir, importa que não nos resignemos. Não vou repetir os motivos pelos quais, do meu ponto de vista de leigo nestas matérias, o Acordo deveria ser repensado, muitas vezes aqui os enuncio.
É também verdade que as explicações que os defensores, especialistas ou não, adiantam não me convencem da sua bondade, antes pelo contrário, acentuam a ideia de que esta iniciativa não defende a Língua Portuguesa. O seu grande defensor Malaca Casteleiro refere até "incongruências" o que me parece curioso, desencadeamos um acordo com esta amplitude e implicações para manter "incongruências e imperfeições" que transformam a ortografia da Língua Portuguesa numa mixórdia.
Entendo, evidentemente, que as línguas são estruturas vivas, em mutação, pelo que requerem ajustamentos, por exemplo, a introdução de palavras novas ou mudanças na grafia de outras, o que não me parece sustentação suficiente para o que o Acordo Ortográfico estabelece como norma.
Por outro lado, a grande razão, a afirmação da língua portuguesa no mundo, também não me convence pois não me parece que o inglês e o castelhano/espanhol que têm algumas diferenças ortográficas nos diferentes países em que são língua oficial, experimentem particulares dificuldades na sua afirmação, seja lá isso o que for.
De facto, não tenho conhecimento de alguma perturbação ou drama com origem nas diferenças entre o inglês escrito e falado na Inglaterra ou nos Estados Unidos, mas isto dever-se-á, certamente, a ignorância minha e à pequenez irrelevante daquelas comunidades anglófonas. O mesmo se passa entre a comunidade dos países com o castelhano/espanhol como língua oficial.
O que vamos conhecendo com exemplos extraordinários é a transformação da Língua Portuguesa numa mixórdia abastardada.

DA "FLEXIBILIZAÇÃO CURRICULAR"

O ME anunciou a intenção de promover maior autonomia das escolas em matéria de flexibilização curricular.
Depois de definido um “conteúdo curricular nuclear”, o “core curriculum” na literatura em inglês sobre estas matérias, e um "referencial  de saída" para os alunos, as escolas, os professores, terão autonomia para gerirem os conteúdos curriculares de forma flexível.
A confirmar-se parece um caminho positivo. Em primeiro lugar porque a autonomia em matéria de currículo é uma ferramenta imprescindível para acomodar e responder a especificidades de contexto. Em segundo lugar, porque a diferenciação curricular, termo que prefiro a flexibilização, é também imprescindível para que dentro da sala de aula se possa responder à diversidade entre os alunos. A diferenciação curricular é essencial no sentido promover educação inclusiva e com qualidade.
A construção de um currículo em torno de conteúdos nucleares torna a gestão curricular mais aberta e mais capaz de responder às diferenças individuais entre os alunos e mesmo a casos de necessidades educativas especiais. Aliás, a definição recente de currículos fechados, prescritivos e extensos tem sido, justamente, um sério obstáculo à educação inclusiva obrigando à proliferação de opções curriculares “alternativas” que mais não são em muitos casos que “guetos curriculares” facilitadores de exclusão.
No entanto, o Secretário de Estado da Educação, João Costa, afirmou que este caminho se pode desenvolver sem “mexer” na estrutura das metas curriculares. Percebo a prudência e a intenção de minimizar a constante mudança e instabilidade mas creio que é difícil.
A forma como as metas estão definidas e a manterem-se parece-me conceptualmente contraditório com o modelo de currículo e gestão curricular que se quer operacionalizar e, das duas uma, ou se “esquecem”, em todo ou na parte que se entender, ou estão válidas e devem ser observadas pois não definem, da forma que estão desenhadas, nenhum conteúdo nuclear o que dificultará intenção de “diferenciar”.
Creio também que caminhar no sentido da diferenciação curricular, o que saúdo, implica, do meu ponto de vista, um ajustamento na construção e utilização dos manuais escolares que estão “pensados” e são “usados” de forma coerente com o modelo de currículo que têm servido.
A autonomia das escolas e dos professores em matéria curricular não é compatível com uma “manualização” excessiva do trabalho de professores e alunos como actualmente se verifica em muitas salas de aula.
A ver vamos como será colocado em prática mas, repito, parece-me um passo no sentido adequado.

sexta-feira, 29 de abril de 2016

DIRECÇÃO DE TURMA, UMA FUNÇÃO CRUCIAL

No projecto de Despacho Normativo do ME relativo à Organização do Ano Lectivo está prevista a utilização de 4 horas semanais para a função Director de Turma o que representa um acréscimo face à situação actual.
Creio que este aumento é positivo.
Desde há muito que entendo, como muitas outras pessoas, que a função Direcção de Turma assume um papel central no nosso sistema educativo, sendo, lamentavelmente, pouco cuidadas e promovidas as condições para o seu desempenho com qualidade. Na verdade, a actividade do DT, para usar a linguagem da escola, tem um conjunto dimensões de extraordinária importância. Vejamos alguns aspectos, obviamente conhecidos, sem preocupação de hierarquia.
O DT é o interlocutor dos pais e encarregados de educação. Toda a comunicação e relação entre a família e a escola, cuja relevância é dispensável acentuar, assentam no DT. A realização das Reuniões de Pais e Encarregados de Educação, a comunicação regular entre pais e escola são dispositivos da sua responsabilidade e a forma como a sua função é desempenhada pode ser um fortíssimo contributo para o envolvimento mais eficaz e positivo dos pais na vida escolar dos alunos.
O DT é um mediador entre os alunos e a escola, ou seja, pode e deve ser um regulador da relação dos alunos com os colegas, tentando perceber fragilidades ou dificuldades, com outros professores, detectando questões ou aspectos que careçam de alguma atenção e eventual intervenção.
O DT pode, no trabalho que realiza com os alunos, providenciar informação, orientação, apoio, etc., para as inúmeras dúvidas que nas diferentes idades se podem colocar. Informação sobre o estudo e como estudar, informação sobre trajectos escolares face à oferta educativa, promoção de competências sociais, analisando e discutindo problemas do quotidiano escolar ou pessoal potenciando a formação pessoal dos alunos, etc.
O DT tem um papel importante também na promoção da articulação e coerência das intervenções educativas que envolvem alunos com necessidades educativas especiais.
Apenas com estes exemplos, e não passam disso, sempre entendi com alguma dificuldade que a escolha para DT não fosse realizada fundamentalmente com critérios de perfil, motivação e experiência dando azo a situações conhecidas de inadequação.
Por outro lado, também sempre sinto uma enorme dificuldade em entender a carga burocrática e administrativa que foi sendo colocada nos DTs inibindo a utilização do tempo para a função de forma mais útil e adequada. É óbvio que o excesso de carga burocrática na escola não é um exclusivo dos DTs.
Também estranho a pouca atenção, relativa, à formação que em regra é disponibilizada dirigida à função DT. Julgo que aspectos como gestão de conflitos, percepção de sinais de risco nos miúdos e nos seus comportamentos, (estou apensar em alunos envolvidos em episódios de bullyin, por exemplo) organização e gestão de reuniões de pais ou modelos e técnicas de estudo, poderiam ser ferramentas úteis para o desempenho com mais qualidade dessa função essencial.
Na verdade, quem conhece o universo das escolas, reconhece a importância da função DT e todos conhecemos professores que pelas suas qualidades pessoais e profissionais são muito bons exemplos do que é ser um DT.
Mais tempo para o exercício desse papel é positivo.

PANAMA PAPERS. DECLARAÇÃO

Para os devidos efeitos que o meu nome não consta da lista de pessoas com dinheiro colocado em offshores constante nos chamados "Panama Papers" nem tenho qualquer relação com a empresa Mossack Fonseca.
Declaro ainda que se constar é confusão.
Declaro também que se constar trata-se, naturalmente, de uma operação legal.
Declaro ainda que se parecer ilegal é, evidentemente, uma falha de interpretação que rapidamente a as instituições legais esclarecerão.
Declaro, finalmente, que se constar não me pesa nada na consciência que está absolutamente tranquila.

Esta declaração recorda-me o ano de 74 quando os jornais divulgavam inúmeras declarações de cidadãos a negar terem pertencido ou tido qualquer relação com a polícia política do regime anterior, a PIDE/DGS.
Os mais velhos lembrar-se-ão.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

DA SÉRIE METE-ME ESPÉCIE. CURIOSIDADES

Curiosidades.
Desde que se iniciaram os problemas na banca, em 2008, nós contribuintes oferecemos 14 000 milhões de euros para acudir aos desvarios incompetentes ou delinquentes das administrações, privadas, sublinhe-se.
Entre 2010 e 2014 foram parar a offshores 10 200 milhões de euros.
O Orçamento para a educação para 2016 é de cerca de 6 000 milhões.
Dizer o quê? Apenas me “mete espécie”.

AS LEIS NECESSÁRIAS

O Governo colocou em discussão um projecto de decreto-lei no sentido de que em todas as entidades “públicas e privadas, singulares e colectivas que prestem atendimento presencial ao público” as pessoas com deficiência, grávidas, com crianças pequenas e idosos passam a ter direito, agora em forma de lei, a atendimento prioritário.
Idealmente uma sociedade desenvolvida, eticamente saudável e atenta a todos os seus elementos e às suas necessidades não deveria precisar de leis desta natureza. No entanto, de há muito que aprendi que a realidade não é a projecção dos meus desejos apesar de muitos discursos de lideranças políticas definirem o que é a realidade por maior que seja a diferença entre o que dizem e o que vemos e sentimos.
Esta matéria recordou-me um episódio passado num no qual participei realizado numa cidade alentejana e dedicado às questões da inclusão, em particular das pessoas com deficiência.
Uma das pessoas presentes, que se desloca em cadeira de rodas, contou uma história interessante e elucidativa.
Ao deslocar-se de automóvel para uma zona comercial da cidade onde vive e quando se preparava para estacionar no espaço reservado a pessoas com deficiência, estava a estacionar um cidadão sem deficiência a quem o nosso amigo chamou a atenção para a sua condição e para o facto de aquele ser um espaço reservado.
Sintetizando a história, acabou por ouvir do "cidadão" que "tinha sorte em ser deficiente porque se o não fosse as coisas não ficavam assim". Esclarecedor.
O meu amigo, homem que entende não dever resignar-se procurou um agente da autoridade para apresentar queixa da ameaça e da infracção.
O agente da autoridade aconselhou o nosso amigo a não se "chatear" só por causa de um lugar de estacionamento. O nosso amigo não aceitou o conselho e continuou a reclamar os seus direitos. Acontece que é brasileiro e o agente da autoridade acabou por achar que ele devia era estar no país dele em vez de andar por aqui a chatear cada um.
Creio que é dispensável comentar quer a atitude do "cidadão", quer a atitude e comportamento do "agente da autoridade".
Por este tipo de coisas e a regularidade com que acontecem, o nosso amigo que usa a cadeira de rodas dizia que mais do que o "peso" da cadeira de rodas é difícil suportar as dificuldades criadas pelas atitudes e valores de muitas pessoas.
É só um exemplo do muito que está por fazer.
Assim sendo, que se protejam legalmente os direitos das pessoas bem como se regulamentem os deveres. Pode ser que mudem os comportamentos.

NOTÍCIAS DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Ao que parece o projecto de despacho de organização do ano lectivo prevê ajustamento na fórmula de cálculo do crédito horário a atribuir às escolas. Veremos as alterações realizadas mas são necessárias.
As alterações contemplarão a possibilidade de mais horas de apoio disponíveis em escolas com mais turmas o que em princípio se afigura positivo.
O recurso a modelos de coadjuvação está previsto mas veremos com que recursos. O modelo de coadjuvação, em diferentes variantes, é uma ferramenta de organização comprovadamente eficaz em termos potenciais embora, como sempre, dependa do que é feito e como.
Também se reafirma a natureza globalizante do trabalho no 1º ciclo acentuando a monodocência com excepção para o ensino do inglês.
Sem que conheça a globalidade do projecto de despacho parecem medidas num caminho positivo desde que a autonomia das escolas e os recursos sejam, de facto, considerados.

O QUE NASCE TORTO ...

Como o povo diz, o que nasce torto tarde ou nunca se endireita. É o caso da narrativa sobre os exames e as provas de aferição de que se vai conhecendo o desenvolvimento.
Os que acompanham este espaço e o que penso sobre a educação sabem que entendo como indispensável a avaliação externa como também sabem que não me parece que essa a avaliação externa deva ser realizada através de exames, sobretudo no 1º ciclo.
Apesar deste entendimento recordarão que discordei da oportunidade e conteúdo da decisão de acabar com os exames finais do 1º e 2º ciclos e a introdução das provas de aferição em anos intermédios 2º, 5º e 8 anos. Não cumprem o que se espera de uma prova de “aferição”, são mais uma prova externa de diagnóstico a meio de um trajecto de ciclo o que, evidentemente, não é uma aferição.
Recordarão ainda que manifestei várias vezes a estranheza pelo atraso na definição do calendário de avaliação.
Depois, ao parece em entendimento como o Presidente da República, definiu que as provas de aferição não serão obrigatórias para este ano sendo as escolas a decidir se as realizam ou não.
O ME estabeleceu ainda que, se assim o entenderem, as escolas também podem realizar os exames finais de 4ºe 6º ano que foram abolidos. Como disse na altura esta deriva não serve o interesse da qualidade e serenidade do trabalho de alunos e professores.
A devolução às escolas da decisão de realizarem ou não as provas de aferição este ano bem como os finados exames do 4º e 6º causa perplexidade, tanto mais que foi em nome da “autonomia”. Como assim se para o ano passam a obrigatórias, acaba-se a autonomia?
Como seria de prever as comunidades educativas estão profundamente dividas, ao que parece, em muitos agrupamentos temos direcções, conselhos pedagógicos (professores) e também pais com posições diferentes.
Sou dos que acho que a conflitualidade não é necessariamente um problema mas a instabilidade é um grande problema de que o sistema educativo padece há muito e com custos fortíssimos.
Repito, este processo não podia ter sido assim. A reposição das provas de aferição fica seriamente ferida na sua intenção, impacto e percepção de importância.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

EDUCAÇÃO E LIMITES

Ao passar os olhos por uma papelada em cima da secretária recordei uma história que creio já aqui creio ter contado, Uma vez, algures no centro do país, num encontro com professores e a propósito de referências a referência à linguagem usada pelos alunos, eu perguntava se qualquer de nós em algum contexto não dizia um palavrão.
Um dos professores presentes olhou para mim com um ar tão perplexo quanto incomodado e assertivamente afirmou "Eu não, nunca".
Confesso que fiquei muito embaraçado, eu digo algumas vezes palavrões, quando posso, e quando não posso ... penso cada um. Desculpem.
Serve esta história para ilustrar a necessidade de que os processos educativos se centrem num princípio estruturante, a autonomia, ideia que sistematicamente defendo e creio que nem sempre é tida em conta. Os miúdos devem ser solicitados a tomar conta de si dentro dos limites e regras que nos compete estabelecer com clareza e consistência e das quais eles têm uma imprescindível necessidade para crescer saudáveis.
Não se trata de uma educação para a santidade onde tudo é perfeito e a transgressão proibida e culpabilizante, mas de uma educação para valores em que os miúdos percebem as regras e os limites e são capazes de mobilizar os comportamentos adequados aos contextos em que se movem. Não nos comportamos num estádio de futebol como nos comportamos ao assistir a uma aula, não nos comportamos num concerto de verão como no cinema, etc., etc.
A questão é que os miúdos, muitos miúdos, parecem crescer em ambientes desregulados, com ausência de limites e regras que os deixa perdidos e sem referências, entrando frequentemente numa roda livre em que tudo parece normal e permitido em qualquer contexto.
O problema é que com muitos de nós, adultos, passa-se, basicamente, o mesmo.

DA SÉRIE "METE-ME ESPÉCIE". A PAROLICE EM INGLÊS

Via WhatsApp os colaboradores foram convocados para um meeting com o CEO e o staff management. Antes do take-off do meeting procedeu-se a uma iniciativa de team-building que conduziu a um brainstorming que potenciasse os outcomes esperados do meeting.
Devido ao stress dos mercados e ao risco de crash, o CEO e restante management staff decidiram-se pelo downsizing no funding. A opção foi o outsourcing que contribuiria para melhorar o cashflow, mantendo-se cada serviço no seu core business. No entanto, o sistema de accountancy operado em backoffice parece incapaz de atingir um fair price na aquisição de serviços. Em consequência do benchmarking, a decisão de management foi mexer nos incomes dos colaboradores e mesmo promover um downsizing no número de colaboradores bem como um esforço de alargamento dos targets.
Depois do coffee break foram então discutidas outras formas de fundraising tendo o CEO sugerido o recurso ao offshore para mascarar ratios negativos até que se atingisse novo break even point.
Foi também entendido como necessário reforçar o branding através de estratégias mais catch com recurso a iniciativas pitch.
Foi também decidido recorrer a uma join venture com um dos grandes players que promovesse sinergias que após assessment seriam aprofundadas e alargados a outros partners.
À saída do breifing, o Dr. Lopes comentava para o Dr. Lacerda, “Já não se fazem reuniões como antigamente, o dia inteiro, com almoço, tempo para o charuto e secretárias boas a tirar as notas”.

A sério, “mete-me espécie”  tanta parolice, mesmo em inglês.

terça-feira, 26 de abril de 2016

UM RAPAZ QUASE PERFEITO

Há uns tempos conheci um rapaz. Chamava-se Perfeito. Na escola onde andava não havia ninguém como ele. Nas aulas, apenas falava para esclarecer dúvidas ou ajudar os colegas. Pedindo antecipadamente autorização, claro.
Os cadernos e trabalhos de casa do Perfeito estavam sempre em dia e bem organizados. Mostrava os conhecimentos esperados sobre todas as matérias.
Nos intervalos brincava de forma tranquila, envolvido nos jogos próprios da sua idade. Era simpático para com os colegas, professores e funcionários que, naturalmente, adoravam o Perfeito.
Em casa era arrumado com as suas coisas, colaborava nas tarefas e ainda encontrava tempo para ajudar a irmã mais nova nos trabalhos de casa e, até para dia sim, dia não, telefonar aos avós.
Gostava de falar com os pais e, por vezes, gostava de se envolver em conversas muito interessantes sobre o que lia no jornal. Não era exigente com a roupa, gostava de ler e ouvir música.
Os vizinhos do prédio adoravam o Perfeito, sempre com um sorriso e pronto a ajudar a D. Adosinda com o saco das compras.
Desde há dois meses que não sei nada sobre o Perfeito. Perdi o livro onde ele morava.

OS NÚMEROS DA EDUCAÇÃO

Com regularidade são realizados e divulgados estudos explorando as relações entre algumas variáveis e a qualidade da educação e dos resultados escolares.
Os resultados desses estudos tendem a ser divulgados como explicativos, causa-efeito, e servem, curiosamente, para apoiar teses de sentido, por vezes, bem diferentes.
Na maioria das vezes dada a multiplicidade de variáveis em jogo, da complexidade dos contextos educativos e das suas especificidades a análise dos resultados é curta e deixa de fora variáveis relativas a processos.
Vem esta introdução a propósito de nova chamada de atenção para que a ideia de que ““não se verifica qualquer relação entre o número médio de alunos por turma e os resultados obtidos no PISA”. Dois exemplos: a Holanda, com turmas médias de cerca de 25 alunos, obteve 523 pontos nestes testes em 2012, enquanto o Luxemburgo, que tinha turmas de 21 alunos, se ficou pelos 490. Esta afirmação, citada do Público, decorre do estudo “O que faz uma boa escola”, do projecto aQeduto da responsabilidade da Fundação Francisco Manuel dos Santos e do Conselho Nacional de Educação.
Não insistam, por favor neste tipo de conclusões. O próprio CNE num estudo recente veio afirmar que a dimensão da turma tem um impacto fortíssimo na forma como decorrem as aulas, no aumento dos episódios de indisciplina, no tempo destinado pelos professores ao ensino e não ao controlo dos alunos, na disponibilidade para o uso de estratégias de ensino mais diferenciado.
Será crível que estes efeitos não se repercutam mos resultados escolares?
Sabemos que sim e insiste-se na conclusão simples e “útil” a algumas agendas de que com base nos PISA ” não se verifica qualquer relação entre o número médio de alunos por turma e os resultados obtidos”.
O estudo também sublinha a forte relação entre a origem social e cultural e os resultados dos alunos e de como nem sempre a escola é capaz de fazer a diferença e contrariar os resultados esperados. Então o efectivo de turma também é irrelevante?
E que dizer de políticas educativas que promovam, ou não, a qualificação, a motivação e a valorização a diferentes níveis do trabalho dos professores?
E que dizer de políticas educativas que envolvem aspectos como conteúdos e organização curricular, diferenciação de percursos, de oferta educativa e de práticas, modelo de organização das escolas, recursos humanos adequados ao nível de docentes, técnicos e funcionários, tipologia e efectivo de escolas e turmas, autonomia real das escolas?
Nada disto mexe com os resultados dos alunos?
Sim, todos os estudos são necessários e úteis, muito úteis
No entanto creio que a forma como são tratados e divulgados os seus resultados merece prudência, análise cruzada e contextualizada.
Os territórios educativos têm características próprias, os processos educativos são complexos e não podem ser vistos só os resultados.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

DE UMA ESCOLA LÁ PARA TRÁS NO TEMPO

No Público surge um trabalho interessante sobre a escola e a forma como os adolescentes a vêm e como gostariam que ela fosse.
Parece-me importante ouvir os alunos sobre a escola e a percepção que dela têm e que mudanças lhes parecem razoáveis.
A este propósito, a escola que queremos, considerando que hoje passam 42 anos daquele Abril deixem-me falar da escola que tínhamos e que creio que muita gente esquece, quem a conheceu, ou desconhece, os mais novos.
A escola do meu tempo era o tempo dos anos cinquenta e sessenta.
Não me esqueço, antes pelo contrário, que a nossa educação, a escola, como tudo o resto, tem atravessado um período complicado e com problemas muito sérios, mas só a falta de memória ou o desconhecimento podem sustentar algo que sempre me incomoda ouvir, “antigamente era melhor”. Vejamos, pois, um pouco da escola do meu tempo, conversa de velho, já se vê.
A escola que havia lá para trás no tempo não era grande, nem pequena, era triste. A maioria das pessoas que por lá andavam era, naturalmente, triste.
As pessoas que mandavam na escola estabeleciam o que toda a gente tinha de aprender, fazer, dizer e pensar. Quem pensasse, dissesse ou fizesse diferente podia até sofrer algum castigo, mesmo os professores, não eram só os alunos. Não se podia inventar histórias, as pessoas contavam só histórias já inventadas. Às vezes, os miúdos e os professores, às escondidas, inventavam histórias novas.
Eu andei nesta escola lá para trás no tempo.
E na escola do meu tempo nem todos lá entravam e muitos dos que o conseguiam saíam ao fim de pouco tempo, ficando com a segunda ou terceira classe, como então se chamava. Chegava.
E na escola do meu tempo não cabiam crianças com necessidades especiais. Precisavam de assistência, não de educação.
E na escola do meu tempo os rapazes estavam separados das raparigas.
E na escola do meu tempo havia um só livro e toda a gente aprendia apenas o que aquele livro trazia.
E na escola do meu tempo levavam-se muitas reguadas, basicamente por dois motivos, por tudo e por nada.
E na escola do meu tempo ensinavam-nos a ser pequeninos, acríticos e a não discutir, o que quer que fosse.
E na escola do meu tempo eu era “obrigado” a ter catequese, religiosa e política.
E na escola do meu tempo aprendia-se que os homens trabalham fora de casa e as mulheres cuidam do lar e dos filhos.
E na escola do meu tempo não aprender não era um problema, quem não “tinha jeito para a escola, ia para o campo”.
E na escola do meu tempo não se falava do lado de fora de Portugal. Do lado de dentro só se falava do Portugal cinzento e pequenino. Na escola do meu tempo eu era avisado em casa para não falar de certas coisas na escola, era perigoso.
Quem mandava no país achava que muita escola não fazia bem às pessoas, só a algumas. Ao meu pai perguntaram porque me tinha posto a estudar depois da quarta classe, não era frequente naquele meio, para ser serralheiro como ele não precisava de estudar mais.
Sim, eu sei, não precisam de me dizer que a escola deste tempo tem muitas coisas de que não gostamos e até algumas parecidas com a escola do meu tempo, a incapacidade de gerar mobilidade social mais significativa ou fazê-la chegar, de facto, a todos e com qualidade, por exemplo. Mas o caminho é melhorar a escola deste tempo não é, não pode ser, querer a escola do meu tempo.
Eu andei naquela escola lá para trás no tempo.
Por isso, quando falam da escola hoje, penso, nunca mais voltarei a andar naquela escola.
E não quero que os meus netos e os outros miúdos andem numa escola como aquela, a minha escola, lá para trás no tempo.

JÁ PASSARAM 42 ANOS

Cedinho, como de costume fui à vila ver dos jornais, algumas compras e da bica e umas lérias no Central.
Quando me preparava para voltar ao Monte vinha a entrar na Praça a Banda de Música que formada e aprumada tocou a Grândola.
Estamos no dia 25 de Abril,
Estupidamente, dirão alguns, emocionei-me.
Já passaram quarenta e dois anos. Lembram-se?

domingo, 24 de abril de 2016

É PRECISO CONTRARIAR O DESTINO

Um estudo do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa, “Os afro-descendentes no sistema educativo português” mostra que os alunos com famílias oriundas dos PALOP apresentam taxas de reprovação muito acima das já demasiado altas dos alunos de famílias portuguesas, no 1.º ciclo são de 16% e dos portugueses de 5%; no 2.º ciclo são de 28% face a 11%; no 3.º ciclo de 32% face a 15% e no secundário de 50% face a 20%. São também maioritariamente encaminhados para ensino profissional, 80%, o dobro dos alunos de famílias portuguesas no ensino secundário, sendo que os que seguem os cursos gerais também apresentam uma taxa de reprovação bem acima.
Sabemos, foram divulgados estudos recentes pelo CNE, da forte associação entre os resultados escolares e as características sociodemográficas das famílias, designadamente, níveis de escolaridade dos pais e estatuto económico.
Se acrescentarmos os fenómenos de guetização urbanística, social, económica e cultural inerentes a grupos minoritários as questões ficam ainda mais complexas e a necessitar de abordagens para além do universo da educação.
No entanto, também sabemos que a escola faz, pode fazer a diferença, ou seja, o trabalho na e da escola e dos professores é um factor significativamente contributivo para o sucesso dos alunos mais vulneráveis e capaz de contrariar o peso das outras variáveis que estão presentes nesses alunos. O DN relata a experiência interessante da Escola Secundária Dr. Azevedo Neves em Cascais com uma população escolar com muitos alunos com famílias oriundas dos PALOP.
Quando abordo estas questões cito com frequência uma afirmação de 2000 do Council for Exceptional Children, "O factor individual mais contributivo para a qualidade da educação é a existência de um professor qualificado e empenhado".
No entanto a existência de professores qualificados e empenhados não depende só de variáveis individuais de cada docente, decorre também de um conjunto de políticas educativas que promovam a qualificação, a motivação e a valorização a diferentes níveis do trabalho dos professores.
Depende de políticas educativas que contemplem aspectos como conteúdos e organização curricular, diferenciação de percursos, de oferta educativa e de práticas, modelo de organização das escolas, recursos humanos adequados ao nível de docentes, técnicos e funcionários, tipologia e efectivo de escolas e turmas, autonomia real das escolas, apenas para citar alguns exemplos de como a diferença tem que ser construída também antes de chegar à sala de aula.
Como referi acima, importa ainda que no âmbito mais alargado das políticas sociais se combata a exclusão e a pobreza, se promova a qualificação das gerações adultas, políticas urbanísticas locais que minimizem a guetização das comunidades, etc.
No entanto, como afirmava Mandela, a educação é a arma mais poderosa para mudar o mundo. Não há volta a dar.

A TRADIÇÃO AINDA É O QUE ERA

Desde que se iniciaram os problemas na banca, em 2008, nós contribuintes oferecemos 14 000 milhões de euros para acudir aos desvarios incompetentes ou delinquentes das administrações, privadas, sublinhe-se.
Após 10 anos do começo dos primeiros processos judiciais e dos que têm vindo a ser abertos a propósito do BPN, BPP, BCP, BES e agora do Banif ainda não existe uma única condenação definitiva de qualquer dos artistas envolvidos.
Nada de novo, a tradição ainda é o que era, os DDT ainda que abanem continuam a ser os Donos Disto Tudo, têm é a concorrência de novos candidatos a DDT.
A justiça continua forte com os fracos, fraca com os fortes e lenta. Os grandes escritórios de advogados que estiveram por detrás da construção das leis cheias de alçapões ganham de novo na sua utilização a contento dos DDT, conseguem que a poeira assente e nada aconteça aos seus “patrões”.
Claro que tudo isto tem um enorme preço, 14 000 milhões objectivamente e os custos em ética, democracia, valores e falta de confiança na justiça matérias que não têm preço.

sábado, 23 de abril de 2016

DIA MUNDIAL DO LIVRO

Porque hoje o calendário das consciências determina que se reconheça o Dia Mundial do Livro, aqui fica uma história velha com livros dentro.
Um dia destes a Ana entrou na biblioteca da escola para entregar uns livros ao Professor Velho, o que está na biblioteca e fala com os livros. A Ana ia muito concentrada e sentia-se importante na tarefa de responsabilidade que a professora lhe tinha encomendado, a devolução de uns livros.
O Professor Velho aproveitou e como estava arrumar alguns que tinham chegado, mostrou um novo à Ana que começou a folheá-lo e a tentar a leitura, a Ana está a iniciar-se nessa tarefa e ainda tropeça um pouco, é o seu primeiro ano de escola.
De repente, ficou com um ar apreensivo e interroga o Professor Velho.
Velho, as letras podem acabar?
Como assim Ana? Não estou a perceber o que queres dizer com isso.
Todos os livros têm palavras e as palavras têm letras. Eu estou a perguntar se as letras se podem acabar.
Já percebi. Não Ana, as letras não se acabam. Tu já sabes escrever letras?
Já e também já sei escrever palavras com as letras.
Então, se tu és capaz de fazer letras e todas as pessoas que sabem escrever também são capazes de fazer letras, as letras nunca vão acabar. A gente escreve sempre mais para tudo o que precisar.
Ainda bem que as letras não se acabam, assim vamos sempre ter livros novos para ler.
Tens toda a razão. E a propósito de livros novos, faz-me um favor, leva estes para a tua professora ver e vos mostrar.
Adeus Velho, vou ler um. Até ao fim.
Claro. Só se aprende a ler ... lendo, pensou o Professor Velho.

NÃO INCOMODEM O DR. VÍTOR CONSTÂNCIO


O sonolento Dr. Vítor Constâncio interrogado sobre a sua presença na comissão parlamentar de inquérito ao caso do Banif afirmou que não o faria pois o BCE “não responde perante comissões de inquérito dos parlamentos nacionais”.
Mais adiantou em resposta a uma pergunta sobre a participação do BCE na oferta do Banif ao Santander que “Não sei exatamente a que é que se está a referir porque, como sabe, eu não sigo em detalhe o que acontece em Portugal em relação a esse assunto e a outros”.
Sim, Dr. Vítor Constâncio nós sabemos que de há muito não “segue com detalhe" o que acontece em Portugal em relação a este assunto como em relação a outros.
Sabemos também o quanto isso nos tem custado.
Sabemos também que a sua “distância” face a estes e a outros assuntos foi recompensada com a vice-presidência do PCE e com uns trocozitos mensais.
Também sabemos e Dr. Vítor Constâncio também sabe que as comissões parlamentares de inquérito concluem, quase sempre, por … coisa nenhuma.
Finalmente sabemos, o Dr. Vítor Constâncio também, que a irresponsabilidade política é a regra.
Não se sobressalte Dr. Vítor Constâncio, ninguém o incomodará.

A EDUCAÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS COM NEE EM PORTUGAL. ESTADO DA ARTE

Duas referências.
1 - "Relatório sobre Portugal para o Estudo sobre as políticas dos Estados-Membros relativas acrianças com deficiência" elaborado no âmbito do Parlamento Europeu e divulgado no final de 2014.
Transcrevo um excerto do ponto 3.1.8 - Direito a uma educação inclusiva (artigo 28.º da CDC; artigo 24.º da CDPD) e sua aplicação, na pg. 33.
“Apesar da retórica da lei, persistem lacunas importantes na aplicação desses princípios e regras. As escolas regulares têm falta de recursos humanos e técnicos para responder às necessidades de crianças com deficiência. Além disso, a utilização da CIF como instrumento de avaliação tem sido problemática para muitos alunos com deficiência: tem sido reportada uma falta de formação para a aplicação do instrumento e um nível elevado de subjetividade nas avaliações realizadas e, consequentemente, no apoio prestado. Outro estudo demonstrou igualmente que o número de alunos com direito a apoio especial diminuiu desde 2008 (o ano de aplicação do Decreto-Lei n.º 3/2008). O autor alega que o novo sistema de educação inclusiva está, na verdade, a promover a exclusão de muitas crianças, pois incide apenas naquelas com deficiência permanente, criando simultaneamente novas formas de segregação ao concentrar o apoio em apenas algumas escolas (as escolas de referência), enquanto todas as outras ficam sem os recursos adequados. Uma conclusão semelhante é especificada no relatório do Conselho Nacional de Educação que aponta para problemas criados pelos critérios de elegibilidade, que excluem crianças com necessidades educativas de caráter temporário. Não tendo respostas educativas adequadas em tempo útil, arriscam-se a que as suas dificuldades se tornem permanentemente incapacitantes. Por fim, um estudo de monitorização recente sobre os direitos das pessoas com deficiência verificou que a persistência de rótulos e de estereótipos negativos associados a deficiência contribuem para relações de desrespeito entre alunos com e sem deficiência. O mesmo estudo refere que a falta de apoios especializados nas escolas regulares, incluindo a ausência de material de apoio em formato acessível, a falta de formação dos docentes e restante pessoal e a inexistência de transportes acessíveis, constitui uma barreira significativa à educação de crianças com deficiência em Portugal.
2 - Relatório decorrente do processo de avaliação que aqui referi há dias recentemente realizado pelo Comité das Nações Unidas dos Direitos das Pessoas com Deficiência relativo à implementação e ao cumprimento das normas estabelecidas pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em Portugal.
Excerto relativo à educação embora todo o Relatório mereça leitura atenta.
Educación (art. 24)
44.       El Comité toma nota de que a pesar de que la gran mayoría de los estudiantes  on discapacidad asisten a escuelas ordinarias en el Estado parte, hay una falta de apoyo y que, debido a las medidas de austeridad, se han producido recortes en los recursos humanos y materiales, mismos que comprometen el derecho y la posibilidad de  una educación inclusiva y de calidad. El Comité también observa que el Estado parte ha establecido "escuelas de referencia" para estudiantes sordos, sordociegos, ciegos y deficientes visuales, y para estudiantes con autismo, lo que supone una forma de segregación y discriminación.
45.       El Comité recomienda que el Estado parte, en estrecha consulta con las organizaciones que representan a las personas con discapacidad, revise su legislación en materia educativa para ajustarla a la Convención, y tome medidas para aumentar los recursos y materiales para  facilitar a todos los alumnos con discapacidad el acceso y el disfrute de una educación inclusiva y de calidad, proporcionando a las escuelas públicas los recursos adecuados para garantizar la inclusión de todos los estudiantes con discapacidad en las aulas ordinarias.
El Comité recomienda al Estado parte que contemple la relación entre el artículo 24 de la Convención y el ODS 4, metas 4.5 y 4(a) para garantizar el acceso en condiciones de igualdad a todos los niveles de la enseñanza y la formación profesional; así como construir y renovar los establecimientos educativos para hacerlos sensibles a la discapacidad y seguros. 
46.       Al Comité le preocupa que, pese a disponer de una cuota especial para el ingreso de los estudiantes con discapacidad a la universidad pública, el Estado parte no tenga regulado el apoyo que deben ofrecer las universidades a dichos estudiantes. Además le preocupa que el acceso a determinadas carreras universitarias y títulos profesionales estén restringidos para estudiantes con discapacidades específicas.
47.       El Comité recomienda que el Estado parte regule en su legislación el acceso general de los estudiantes con discapacidad a la educación superior y a la formación profesional en igualdad de condiciones con los demás estudiantes, asegurando los ajustes razonables y servicios de apoyo necesarios.

Tantas vezes aqui tenho escrito sobre a questão da educação e da qualidade do trabalho realizado relativamente a crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Hoje apenas deixo estas duas referências  e o desejo de que se transformem rapidamente no caderno de encargos do que está por fazer e cumprir.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

ESPELHO MEU, ESPELHO MEU

Era uma vez um Rapaz. Andava na escola mas não gostava muito. Não era bom aluno. Havia muitas coisas que não sabia e, para dizer a verdade, nem percebia bem porque precisava de saber parte das coisas que lhe queriam ensinar. Como não estava interessado, acabava por não se comportar bem nas aulas.
Lá na escola não gostavam muito dele, nem os professores, nem muitos colegas. Bom, o Manel e o João que eram assim como o Rapaz, gostavam dele e os três davam-se bem. E a sua vida lá ia andando, entre os ralhetes dos adultos, o desgostar das aulas e as asneiras com o Manel e o João.
Um dia, ao sair de casa a caminho da escola, ia a pensar em mais um dia igual aos outros quando na sua frente vê um enorme espelho. Mesmo muito grande. Espantado olhou para o espelho, à espera de ver devolvida uma imagem sua tamanho gigante, mas não foi isso que viu. O espelho só tinha escrito frases que, a custo, começou a ler. “Rapaz, não prestas”, “Rapaz, não sabes”, “Rapaz, não és capaz”, “Rapaz, não vais ser alguém”, “Rapaz, só fazes asneiras”, “Rapaz, os teus amigos são tão maus como tu”, “Rapaz, não vales nada”. Não leu mais. 
Pegou numa enorme pedra e, com raiva, estilhaçou o espelho.
O Rapaz apanhou um castigo bem grande.
Não se podem partir os vidros da escola.

CUIDADOS DE SAÚDE DIFERENCIADOS

Há uma "desigualdade gritante" no acesso ao SNS e "tem de se acabar com ela" afirmou Francisco George, Director-geral de Saúde.
Será a isto que se chama cuidados de saúde diferenciados?

DIA DA TERRA

O calendário das consciências determina para hoje o Dia da Terra. Como de costume as consciências aquietam-se com mais umas iniciativas e discursos que pouco ultrapassam a retórica, o folclore e um fingimento de preocupação.
Aliás, 160 estados reúnem-se hoje na sede da ONU para a assinar o Acordo estabelecido em Paris que fica aquém do necessário para bem cuidar da terra. Nada de estranho, outros interesses se sobrepõem.
Na verdade, a Terra só se torna mesmo preocupação quando se zanga e de vez em quando a Terra zanga-se com efeitos devastadores.
Imagino que a Terra vá ficando cansada da irresponsabilidade delinquente da gente que a povoa, sobretudo dos que lideram. Depois de tanta asneira insistem nos maus-tratos e não se entendem sobre a forma de mudar de rumo.
Dão-lhe cabo das entranhas, alteram-lhe o clima, mudam paisagens, esgotam-na, deixam-na estéril e sem sustento. Não vai aguentar.
A minha avó Leonor, mulher de sabedoria, costumava dizer que não era bom a gente meter-se com a Terra, com a natureza, e maltratá-la. A natureza vai ser sempre maior que a gente e não aceita que mandem nela.
Quando acorda zanga-se e quando se zanga os efeitos são devastadores. Apesar destes avisos não parece que a levem a sério.
Esta gente não aprende mesmo, já não espero que o fizessem em nome deles, os seus interesses imediatos não deixam. Mas podiam fazê-lo em nome dos filhos, dos filhos dos filhos, dos filhos dos filhos dos filhos,  …

PAI, SOU MINISTRO


Ele há cada lapso!
Tanto que o rapaz se tem esforçado e só por engano lá chega. Não se faz.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

BALCÕES DA INCLUSÃO

De há vários anos que os estudos e a experiência mostram que as pessoas com deficiência ou as suas famílias identificam como uma das áreas de necessidade frequentemente expressa a necessidade de informação relativa a diferentes dimensões.
Uma primeira dimensão remete para a necessidade expressa de obter informação clara e de forma acessível sobre o quadro normativo que lhes diz mais especificamente respeito considerando a natureza diferenciada dos problemas.
Uma segunda dimensão remete para necessidade de conhecer com clareza e de forma global, em todas as áreas, os dispositivos de apoio que estão disponíveis.
Em matéria, por exemplo, de funcionalidade e acessibilidades, segurança social e emprego ou saúde e educação, a experiência tem-me mostrado que muitas pessoas e famílias desconhecem a existência de alguns apoios que estão previstos.
Também sei que nem sempre o que é suposto existir ou o que está definido num normativo é o que se encontra e passa na realidade mas o conhecimento sobre o que existe permite uma cidadania mais cumprida e também mais exigente.
Neste contexto, a criação de uns designados Balcões da Inclusão dedicados ao universo das pessoas com deficiência no âmbito da Segurança Social é uma iniciativa positiva mas que carece de ser estendida a várias das dimensões que enunciei acima.
Esta necessidade é ainda mais premente num país como o nosso que possui um quadro legislativo complexo, temo o mau hábito de encharcar os normativos com doutrina o que dificulta a sua interpretação, as más-línguas dirão que intencionalmente. Acresce a esta característica a enorme dispersão de competências por milhentas entidades de vários ministérios, por vários patamares, regional e local de facto são um enorme obstáculo, mais um, à acessibilidade.
Esta iniciativa representa um passo pequeno no caminho de cidadania mais robusta por conhecimento e acesso aos direitos e deveres que obrigam todos, todos, os cidadãos.

PS - Não gosto particularmente da designação Balcões da Inclusão. O termo está tão desgastado que já nem sabemos bem o que significa. Conheço tantas práticas e tantos discursos que alimentam exclusão e que são desenvolvidas e enunciados ... em nome da inclusão. Cada vez mais me lembro do Mestre Almada Negreiros que na "Cena do Ódio" falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".  

PARTIU PRINCE

Partiu Prince. Ficou Purple Rain. Por exemplo.


FOGO AMIGO

Falta-me, evidentemente, a capacidade de análise política e geoestratégica dos opinadores e cientistas políticos que diariamente nos iluminam o pensamento.
No entanto, com o atrevimento e impunidade que a idade permite, acho, sim é um achismo, que deve ser a isto que se chama fogo amigo.

Sócrates: “Nunca seria primeiro-ministro sem ter ganho as eleições”

DO BULLYING

O calendário das consciências determina para hoje o Dia Nacional de Sensibilização ao Cyberbullying.
Diferentes estudos sugerem que em Portugal entre um quarto e um terço dos adolescentes entre os 13 e os 15 anos já se terá envolvido em episódios de bullying verificando-se com particular preocupação a subida significativa de cyberbullying. Um estudo da Universidade do Minho hoje referido na imprensa sugere que 10% dos alunos inquiridos já terá sido vítima desta forma de bullying.
Duas notas específicas relativas ao cyberbullying que mostra o seu potencial risco. Contrariamente ao bullying presencial não tem “intervalos, normalmente os fins-de-semana pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s) agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o comportamento agressivo.
Também por estas razões é fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.
Em termos globais, sabe-se também que a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o emergente cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores ou funcionários.
Este cenário determinaria, só por si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.
Recordo um estudo com uma escala significativa divulgado na Lancet Psychiatry evidenciando que o bullying assume impactos negativos mais significativos no bem-estar psicológico dos adolescentes aos 18 anos que maus tratos de adultos sofridos na infância. Mostra ainda que crianças maltratadas na infância são vítimas potenciais de bullying em adolescentes.
Estima-se que nos últimos três anos o fenómeno tenha provocado pelo menos 12 suicídios nos Estados Unidos. Recordo ainda que foi anunciado em 2013 que a Direcção-geral de Saúde iria promover em várias escolas do país um projecto de prevenção do suicídio dirigido a adolescentes. Felizmente, a taxa de suicídio adolescente em Portugal não é muito alta, embora um só caso já seja uma tragédia. No entanto, os comportamentos de natureza autodestrutiva são bem mais prevalentes do que se pensa. Em algumas circunstâncias, mais tarde estes comportamentos podem culminar em suicídio.
Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que ocorrem estes episódios é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada, nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.
Neste universo importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição, quando for caso disso.
Relembro que o Portal sobre o bullying teve durante o seu primeiro ano de funcionamento cerca de 650 000 visitas e respondeu a 700 solicitações.
Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Entretanto estão criados vários portais e disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.
Lamentavelmente, a generalidade destes serviços é exterior às escolas e ilustra a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das insuficiências na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento.
A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é, a par de ajustamentos nos modelos de organização e funcionamento das escolas e de uma séria reestruturação curricular, uma tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa, ou na escola, espaço onde passam um tempo enorme.
Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

O SOZINHISMO

Um meta-estudo hoje divulgado vem evidenciar que o estado de solidão é uma ameaça ao coração. Já o sabíamos. Também já sabemos que a solidão não faz mal só ao coração, embora o coração sempre possa sofrer com a solidão.
Aliás, até sabemos que muitas pessoas podem morrer de sozinhismo, a doença dos que vivem sós e isolados. Há pessoas que vivem sós mas não vivem isoladas, mantêm algum amparo.
É certo que o sozinhismo nunca consta das certidões de óbito como cauda de morte mas o sozinhismo mata.
O sozinhismo afecta gente de todas as idades mas as crianças e, sobretudo os velhos,  são um grupo de alto risco que requer especial atenção até porque nos velhos os casos de solidão e isolamento estão a aumentar. Na verdade, o sozinhismo poderá ser verdadeiramente a causa ou o gatilho  de problemas para muita gente.
No entanto e como sempre, para além das necessárias políticas sociais emergentes do estado e das instituições privadas de solidariedade impõe-se a percepção pelas comunidades, designadamente pelas famílias, do drama da solidão e do isolamento.
É também uma questão de redes sociais, mas não das virtuais.

DO ENSINO PÚBLICO E DO ENSINO PRIVADO

O ME, conforme já tinha anunciado, irá rever o financiamento a turmas de estabelecimentos de ensino privado que integrem alunos fora da área geográfica em que o estabelecimento está implantado e quando exista resposta nas escolas públicas. Manterá o apoio às existentes até que os alunos finalizem o ciclo que estão a frequentar.
Como seria previsível a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular reage negativamente da mesma forma que reagiu muito positivamente quando entrou em vigor o actual Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo que deixou de exigir a inexistência de resposta nas escolas públicas para se realizem contratos de associação.
Como aqui tantas vezes tenho afirmado, a existência de um sistema de educação e da escola pública, com recursos, com investimento, com professores qualificados e valorizados, é a ferramenta mais poderosa de desenvolvimento e de promoção da mobilidade social.
Outras tantas vezes tenho afirmado que defendo a existência de sub-sistema educativo privado que também pode constituir uma forma de pressão para a qualidade na educação e escola pública,
Outras tantas tenho afirmado que não defendo o financiamento público às estruturas privadas a não ser num modelo devidamente regulado que requeira a inexistência COMPROVADA de resposta na escola pública nessa área.
Outras tantas vezes tenho afirmado que a designada "liberdade de educação" da forma que a generalidade dos seus arautos a defendem por cá mais não é que uma forma de financiar negócios privados aos quais boa parte da população escolar nunca terá acesso. Alunos mais vulneráveis comprometem resultados, prestígio e rankings.
Como é sabido e reconhecido, existem muitas circunstâncias em que os contratos de associação estão em vigor em comunidades cujas escolas públicas possuem capacidade de resposta para os alunos apesar dos esforços do ME tutelado por Nuno Crato no sentido de lhes retirar recursos, docentes e funcionários.
Como referi, com o novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo já nem a desculpa da inexistência de resposta pública é exigida para que sejam subsidiados estabelecimentos privados em nome da designada "liberdade de escolha" que mais não é que apoios públicos a entidades privadas.
São assim os negócios da educação.
Dou por adquirido que ainda poderão existir situações em que a inexistência de resposta na educação e escolas públicas possa justificar o contrato de associação. Tais situações poderão até dever-se ao desinvestimento verificado nos últimos anos na oferta pública.
De resto, o que está em causa são os interesses dos negócios da educação financiados com dinheiros públicos com o apoio simpático e generoso das políticas educativas mais recentes.

terça-feira, 19 de abril de 2016

DEMASIADO PERTO OS OLHOS NÃO VÊEM BEM

Era uma vez uma Mãe de um Rapaz. Era o seu primeiro filho e toda a vida sonhara ser mãe. Não havia no mundo mãe que gostasse mais de um filho que esta Mãe. Não havia no mundo mãe mais preocupada que esta Mãe. Não havia no mundo mãe mais atenta que esta Mãe. Não havia no mundo mãe mais presente que esta Mãe. Não havia no mundo mãe mais disponível que esta Mãe. Não havia no mundo mãe mais próxima do filho que esta Mãe.
Só que o Rapaz parecia desconfortável e às vezes, cada vez mais vezes, reagia mal a tanta mãe. A Mãe começou a ficar perplexa e perdida, e com o tempo, ainda mais perplexa e perdida e sem entender o Rapaz. Um dia encontrou no parque aquele Velho que sabia ler as pessoas que quando a ouviu pensou alto.
"Por mais que a gente goste dos filhos, eles não podem ser usados e guardados só no coração. Também têm de ser usados e guardados na cabeça e nos olhos. Demasiado perto os olhos não conseguem ver bem e, por isso, a cabeça não entende”.
Naquela noite ao jantar, a Mãe, ao ver o Rapaz do outro lado da mesa reparou como ele estava crescido e tinha uns olhos bonitos. Como os dela, que já viam.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

DA UNIVERSALIDADE DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

O Ministro da Educação anunciou a universalização da educação pré-escolar até aos três anos em 2020. Muitas vezes as boas notícias chegam tarde e as más notícias demasiado cedo, em política também é assim mas, no que respeita às boas notícias, ... vale mais tarde que nunca.
Como sabemos, em Portugal a universalidade em educação é entendida como algo indicativo e não imperativo pelo que certamente muitas famílias continuarão a experimentar sérias dificuldades na acessibilidade económica e física aos equipamentos de educação pré-escolar. No entanto, a decisão, do meu ponto de vista, é positiva, só peca por tardia como disse.
Como muitas vezes aqui tenho referido, a falta de respostas e recursos a preços acessíveis para o acolhimento a crianças dos 0 aos 3, creches ou amas, e dos 3 aos 6 anos, a educação pré-escolar, é um dos grandes obstáculos a projectos familiares que incluam filhos, levando aos conhecidos e reconhecidos baixos níveis de natalidade entre nós, 30 % das mulheres portuguesas têm apenas um filho.
A alteração dos estilos de vida, a mobilidade e a litoralização do país, levam à dispersão da família alargada de modo a que os jovens casais dependem quase exclusivamente de respostas institucionais que, ou não existem, ou são demasiado caras. Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças o que é, naturalmente, um forte constrangimento para projectos de vida que envolvam filhos.
É importante referir que alguns estudos revelam que as mulheres portuguesas são, de entre as europeias, as que mais valorizam a carreira profissional e a família, a maternidade e também é sabido que as mulheres portuguesas são das que mais tempo trabalham fora de casa o que dificulta a conciliação que desejam entre profissão e parentalidade.
É sabido que muitas famílias estão a sentir enormes dificuldades em assegurar a permanência dos miúdos nas creches por razões económicas. As Instituições procuram, apesar das dificuldades que elas próprias enfrentam, flexibilizar, até ao limite possível, custos e pagamento tentando evitar a todo o custo que os miúdos deixem de frequentar os estabelecimentos. Aumentaram significativamente a retirada de crianças de estabelecimentos de educação pré-escolar com o acentuar da crise com picos verificados em 2011, 2012 e 2013. Acresce a quebra da natalidade que a situação induz.
Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...
Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade para os mais pequenos é uma delas.
Em resultado desta situação, muitas famílias carenciadas estão a sentir uma enorme dificuldade em manter as crianças a frequentar os estabelecimentos de educação pré-escolar e os serviços e equipamentos privados são muito caros, um dos mais elevados da europa.
Sabemos todos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...
É pois importante garantir o acesso à educação pré-escolar aos três anos e criadas respostas acessíveis, física e economicamente, às famílias dos 0 aos três anos.
No entanto, como há dias escrevi no Público, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola e não deve enredar-se no entendimento de que é uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto postivo que assume no seu trajecto escolar.
Na verdade, as crianças estão a preparar-se para entrar na vida, para crescer, para ser. A educação pré-escolar num tempo em que as crianças estão menos tempo com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que têm um valor por si só não entendidos como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escolar.
Este período, cumprido com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, o melhor começo da formação institucional de cidadãos. Esta formação é global e essencial para tudo que virão a ser e a fazer no resto da sua vida.
Existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação dos mais pequenos é uma delas. Os riscos que correm estes miúdos obrigados a abandonar a educação pré-escolar por questões económicas ou que a ela não tenham acesso pela sua inexistência são elevados e, obviamente, contribuem para perpetuar assimetrias sociais e a falta de mobilidade social de que a educação é a principal ferramenta.

AS TURMAS DE ALUNOS COM NEE. De novo

A publicação do Despacho Normativo nº 1-H/2016 que regulamenta os procedimentos de matrícula e renovação nas nossas escolas desencadeou grande alarido.
Em síntese e no que que respeita à situação de alunos com necessidades educativas especiais, as turmas continuam a ter um efectivo de 20 alunos e não mais de dois com NEE. Exige-se que o Programa Educativo Individual destes alunos preveja esta situação e que seja justificada pelo seu grau de funcionalidade.
No entanto, a redução do efectivo de turma só pode ser realizada dependendo do acompanhamento dos alunos e da permanência destes em pelo menos 60% do tempo curricular.
O ME entende que assim incentiva à inclusão pois “obriga” a que os alunos com NEE esteja mais tempo, pelo menos 60%, como os seus colegas e outras opiniões entendem que em termos práticos teremos turmas com alunos com NEE sem que seja reduzido o seu efectivo o que, naturalmente, compromete a qualidade e a sempre presente ideia de inclusão.
Algumas notas.
Como já afirmei, uma mudança desta natureza, por bem intencionada que seja, tem sempre o problema de transformar em matéria administrativa o que não deve, a natureza e conteúdo das respostas educativas.
Também já afirmei que muitos dos problemas que temos neste universo decorrem do actual quadro legislativo, designadamente do DL 3/2008, que em nome da inclusão sustenta e promove várias respostas e procedimentos que, para além da complexidade e burocracia, alimentam respostas educativas pouco inclusivas em que os alunos com NEE são guetizados em espaços físicos ou curriculares quando não “orientados” para respostas institucionalizadas.
Como tantas vezes tenho escrito e afirmado, logo de pequenos muitas crianças começam a passar por filtros e objecto de Classificações de diferentes naturezas.
São arrumadas em “gavetas” que só por existirem determinam o seu presente e o seu futuro.
Assim, grupos com rótulos como "repetentes", "dificuldades de aprendizagem", "necessidades educativas especiais permanentes", "hiperactivos" "autistas", etc., agrupam-se em espaços físico ou curriculares, do ensino vocacional, às unidades ou escolas de referência e guetizam-se por espaços, entre a escola e as instituições, de novo e cada vez mais.
Passam a ser conhecidos de forma bizarra e insultuosa como os NEEs, os CEIS, carregam PEIS e PITS e outras ferramentas “imprescindíveis” são objecto de intervenções de que já aqui falei que, em algumas circunstâncias, são parte do problema e não parte da solução. Parte dos apoios e das intervenções, mesmo em idade de escolaridade obrigatória são desenvolvidas ao abrigo de modelos desajustados promovendo uma espécie de “outsourcing” que mais difícil torna realizar um trabalho adequado.
Um outro enorme problema remete para a quase completa ausência de regulação do sistema educativo o que permite que o mesmo quadro legal e orientações coexistam práticas em sentidos contrários, algumas delas atentatórias dos direitos das pessoas e outras de muita qualidade.
Já aqui contei algumas histórias reais que são absolutamente lamentáveis, crianças que frequentam Unidades que nem nos intervalos ou refeições convivem com os seus pares, crianças com reduzida presença nas turmas a que PERTENCEM. A lógica agora em discussão mostra isto mesmo, discute-se quanto tempo têm que estar na turma a que pertencem e não, como seria desejável, quanto tempo precisam de sair.
Neste sentido seria mais importante que ajustasse seriamente a legislação, a organização e os recursos e não a promoção de uma medida que, do meu ponto de vista, terá pouco impacto pois mesmo que o aluno esteja 60% do tempo com os seus colegas faltará saber a fazer o quê e com quem. Em muitas situações os alunos estão "entregados" e não integrados.
As actividades em que se envolvem e o respectivo contexto decorrem do seu Programa Educativo que se exige assente em competente e compreensiva avaliação e planeamento adequado e intervenção regulada o que, muitas vezes, não acontece. Também nesta matéria já partilhei algumas situações elucidativas.
É ainda necessário estar atento ao que acontece às turmas que não verão o seu efectivo reduzido apesar de terem alunos com NEE.
Mais uma vez a afirmação de que a inclusão assenta em quatro dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). Estas dimensões devem ser operacionalizadas numa perspectiva de diferenciação justamente para que acomodem a diversidade das pessoas.
À luz deste entendimento é justo afirmar que temos excelentes exemplos de trabalho em comunidades educativas que, tanto quanto possível e com os recursos de que dispõem, se empenham em estruturar até ao limite ambientes educativos mais inclusivos em que todos, mesmo todos, participem.

domingo, 17 de abril de 2016

OUTRA HISTÓRIA DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A educação inclusiva, sobretudo quando envolve a alunos com necessidades educativas especiais, é uma matéria permanentemente na agenda, por bons e maus motivos.
Nesta tarde de Domingo deixem-me partilhar mais uma história de inclusão.
No cumprimento da escolaridade obrigatória um aluno, o Mário de 17 anos, com necessidades educativas especiais frequenta uma escola, naturalmente. Trata-se de um aluno com um quadro de paralisia cerebral implicando dificuldades motoras mas completamente autónomo e com dificuldades no cumprimento das aquisições escolares tal como estão definidas para o ensino secundário.
O Mário é um jovem disponível e motivado. Ultimamente revelou vontade de frequentar um ginásio mas a família não tem meios para lhe assegurar um acompanhamento e não tem amigos com quem partilhar a experiência pois o tempo que está na escola e as actividades que nela realiza não lhe permitem estabelecer qualquer rede de amizade sólida.
Entretanto, o âmbito dos instrumentos que organizam o trabalho a realizar com e pelo Mário é recomendado à família que ele passe a frequentar uma instituição de educação especial.
A orientação não é aceite pela família que desde criança sempre defendeu que o Mário deve estar onde estão os seus colegas de idade, nos espaços frequentados por toda a gente.
Num excelente exemplo de cooperação entre a escola e a família, a escola entende que não aceitando a família a “sugestão” de que o Mário passe para uma instituição especializada deveria ser a família a encontrar outra solução.
E a família procurou outra solução. Actualmente, o Mário vai à escola umas horas num dia da semana e passa o restante tempo num pequeno estabelecimento oficinal do pai onde interage com clientes e trabalhadores e desenvolve algumas tarefas dentro das suas competências e capacidades.
O Mário ainda está abrangido pela escolaridade obrigatória e tudo isto acontece, naturalmente, em nome da inclusão.
Perdoa-lhes Mário, não sabem o que é.

sábado, 16 de abril de 2016

PELA VISÃO. Quanto mais se grita menos se educa e ensina

Uma notas na Visão sobre o universo dos mais novos e do "gritar" como ferramenta educativa.

QUANTO MAIS SE GRITA MENOS SE EDUCA E SE ENSINA

DIA MUNDIAL DA VOZ

De acordo com o calendário das consciências cumpre-se hoje o Dia Mundial da Voz. Desde ontem que vários especialistas intervêm na comunicação social e hoje decorrem várias iniciativas em torno desta questão, a Voz e a atenção e cuidado que merece.
Considerando justamente a importância da voz aqui fica um contributo sobre a importância e a atenção que deveremos dar à voz.
Na verdade, existem milhares de pessoas cuja voz ninguém escuta, caso da voz de muitas minorias. Provavelmente nem voz têm ou é muito baixa. É certo que em algumas circunstâncias, por exemplo em campanhas eleitorais, fica bem escutá-los, de passagem é claro.
Parece-me importante que se atente na voz dos velhos, escuta-se pouco os velhos sós, que vivem isolados e que sobrevivem com pensões de miséria.
Continuo a achar que nem sempre damos a atenção que exige a voz dos miúdos. Existem muitos que, por mais alto que gritem, ninguém os escuta.
Sabemos das crianças maltratadas e de mulheres vítimas de violência cuja voz é quase sussurrante e inaudível.
É preciso ouvir a voz de centenas de milhares de desempregados, muitos deles sem acesso a subsídios de desemprego ou a outras formas de apoio que lhes sustentem, no mínimo, a dignidade.
Não parece ser suficientemente audível a voz de um mundo de jovens com dificuldades enormes para entrar no mercado de trabalho e que vêem comprometida a possibilidade de um projecto de vida.
Soa muito baixa a voz as pessoas, muitas pessoas, sem médico de família e em listas de espera intermináveis para a prestação de cuidados de saúde que cada vez se tornam mais caros e inacessíveis.
Também parece necessário dar atenção à vos dos injustiçados por um sistema de justiça caro, ineficaz, moroso e desigual.

De facto, parece indiscutível a necessidade de providenciar à voz, às vozes, a atenção e cuidados que merece, que merecem.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

OS PROFESSORES QUE NOS MARCAM

A incrível história do professor que atravessa um rio a nado há 20 anos para dar aulas

A notícia sobre este impressionante e excepcional exemplo de Professor justifica umas notas.
Todos sabemos a importância imprescindível dos saberes escolares e, portanto, da crucial responsabilidade que os professores assumem no processo de aprendizagem desses saberes por parte dos alunos. A esmagadora maioria dos professores é competente e empenhada nesse trabalho, procurando desenvolvê-lo com qualidade, rigor e eficácia sem facilitismos, como tantas vezes se afirma de forma ignorante.
No entanto, quando qualquer de nós faz um esforço para recuperar lembranças positivas sobre os professores, poucos ou muitos, com que nos cruzámos durante o nosso trajecto escolar, creio que quase todos nos lembramos de professores que continuam na nossa lembrança não só pelos saberes escolares que nos ajudaram a adquirir mas, sobretudo, por aquilo que representaram e foram para nós, ou seja, pela forma como nos marcaram.
Por isso, cada vez mais estou convicto de que os professores, tanto quanto ensinar o que sabem, ensinam o que são, ou seja, existem muitos que nos ensinam coisas, o que é bom e indispensável, mas nem todos permanecem com a gente.
Parece-me sempre oportuno mas nestes tempos mais que nunca acentuar a importância desta dimensão mais ética e afectiva do ensino. Deve ser valorizada e promovida para que os miúdos possam, posteriormente, falar dos professores que os marcaram e que, por essa razão, continuaram com eles.

AS TURMAS COM ALUNOS COM NEE

Agradecendo a chamada de atenção ao João Adelino Santos no Incluso, umas notas relativas ao Despacho Normativo nº 1-H/2016 que regulamenta os procedimentos de matrícula e renovação nas nossas escolas.
No que que respeita à situação de alunos com necessidades educativas especiais, as turmas continuam a ter um efectivo de 20 alunos e não mais de dois com NEE. Exige-se que o Programa Educativo Individual destes alunos preveja esta situação e que seja justificada pelo seu grau de funcionalidade.
No entanto, a redução do efectivo de turma só pode ser realizada dependendo do acompanhamento dos alunos e da permanência destes em pelo menos 60% do tempo curricular.
Uma primeira nota remete para o que julgo ser necessário, ajustar de forma coerente os normativos. O DL 3/2008 permite, em nome da inclusão, várias respostas e procedimentos que, para além da complexidade e burocracia, alimentam respostas educativas pouco inclusivas em que os alunos com NEE são guetizados em espaços físicos ou curriculares quando não “orientados” para respostas institucionalizadas.
Eu sei que existem muito boas práticas em muitas escolas mas a falta de regulação do sistema permite tudo, já aqui referi várias situações.
Relativamente ao Normativo agora publicado, para além da não redução do número de alunos por turma, tratar esta questão desta forma faz-me recordar uma entrevista de Nuno Crato que quando questionado sobre o não cumprimento do definido legalmente no que respeita ao número de alunos por turma e ao número de alunos com NEE que delas fazem parte, afirmou que se tratava de uma “questão administrativa” pois como eles estão pouco tempo com os colegas é como se não pertencessem à turma.
Não é possível, do meu ponto de vista colocar a questão nestes termos pois, em termo práticos, podemos ter mesmo um aumento do número de alunos por turma.
Os alunos com NEE que frequentam as escolas devem integrar sem qualquer espécie de definição uma turma. Ponto.
As actividades em que se envolvem e o respectivo contexto decorrem do seu Programa Educativo que se exige assente em competente e compreensiva avaliação e planeamento adequado e intervenção regulada o que, muitas vezes, não acontece. Também nesta matéria já partilhei algumas situações elucidativas.
Mais uma vez a afirmação de que a inclusão assenta em quatro dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). Estas dimensões devem ser operacionalizadas numa perspectiva de diferenciação justamente para que acomodem a diversidade das pessoas.
À luz deste entendimento é justo afirmar que temos excelentes exemplos de trabalho em comunidades educativas que, tanto quanto possível e com os recursos de que dispõem, se empenham em estruturar até ao limite ambientes educativos mais inclusivos em que todos, mesmo todos, participem.
Temo que no cenário actual e com esta “regra administrativa” a educação inclusiva também se integre, agora formalmente, numa espécie de serviços mínimos. Os alunos estão 60% do tempo com os seus pares, tornam-se, assim “redutores” (sim já ouvi esta expressão para referir os alunos com NEE que justificam a redução das turmas) e voltam para os “seus espaços” físicos (Unidades variadas) ou curriculares (essa coisa bizarra chamada CEI, por exemplo), com os “seus colegas com NEE”, com os seus professores de Educação Especial, tudo isto em nome da inclusão. Se os alunos com NEE não forem "redutores" então, na prática, o ´número de alunos por turma aumenta. Habilidosa medida, sem dúvida.
Como muitas vezes afirmo e esta medida pode incentivar, existem muitos alunos que não estão ou não se sentem a fazer parte da comunidade educativa em que estão, não “integrados” mas “entregados”, por várias razões e nem sempre por dificuldades próprias.