Algumas dezenas de jovens apresentaram um manifesto, entrámos decididamente na era dos manifestos, suscitando a discussão e combate contra a precariedade das relações laborais e a ameaça, chamam-lhe desinvestimento, a direitos de natureza social adquiridos no pós 25 de Abril.
Este tipo de iniciativas expressa do meu ponto de vista uma trajectória cívica interessante e que parece poder continuar a desenvolver-se fora da tutela da partidocracia, a sua grande virtude, para além da óbvia importância da lutar pelos seus projectos de vida. É de recordar que o movimento que sustentou a manifestação de 12 de Março está a desenvolver uma iniciativa no sentido de levar à Assembleia da República uma proposta legislativa que combata a precariedade das relações laborais.
Do meu ponto de vista, parece-me algo de importante, novo e oportuno pois da agenda dos chamados partidos do arco do poder, os que previsivelmente, ditarão as decisões políticas nos próximos tempos, consta a maior flexibilização das relações laborais o que, naturalmente, é coerente com os ventos neo-liberais e o endeusamento do mercado que tudo permite, incluindo roubar a dignidade às pessoas e promover exclusão.
Parece, aliás, oportuno lembrar alguns dados que há alguns dias aqui tinha deixado.
A precariedade nas relações laborais quase duplicou na última década. Portugal é o segundo país da Europa, a seguir à Polónia, com maior nível de contratos a prazo. Tal quadro de relações laborais, que algumas lideranças políticas querem tornar ainda mais flexíveis, como referi acima, não afecta exclusivamente os jovens, embora quem esteja a entrar no mercado de trabalho se encontre, obviamente, em situação mais vulnerável.
Também merece atenção que de acordo com o INE, dados recentes, 314 000 jovens não estudam nem trabalham, a conhecida fórmula “nem, nem”. Este número, atendendo à dimensão do país é absolutamente dramático. Além disso, a OCDE divulgou há tempos que mais de metade dos jovens empregados até aos 24 anos têm empregos precários. Na mesma linha, também há algum tempo, o Banco de Portugal referia que em cada dez empregos novos, nove são precários.
Esta situação complexa e de difícil ultrapassagem tem, obviamente, sérias repercussões nos projectos de vida das gerações que estão a bater à porta da vida activa. Entre outras, contar-se-ão, os indicadores mostram-no, o retardar da saída de casa dos pais por dificuldade no acesso a condições de aquisição ou aluguer de habitação própria ou o adiar de projectos de paternidade e maternidade que por sua vez se repercutem no inverno demográfico que atravessamos e que é uma forte preocupação no que respeita à sustentabilidade dos sistemas sociais, a União Europeia já indicia a intenção de colocar a reforma nos 70 anos.
No entanto, um efeito muito significativo mas menos tangível desta precariedade no emprego, é a promoção de uma dimensão psicológica de precariedade face à própria vida no seu todo. Dito de outra maneira, pode instalar-se, melhor, podemos correr o risco de ver instalar-se, uma desesperança que desmotiva e faz desistir da luta por um projecto de vida de que se não vislumbra saída motivadora e que recompense. Podemos estar perante as gerações perdidas de que há algum tempo se falava.
Aí ficaremos, todos, bastante mais à rasca.
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